Biotecnológica portuguesa desenvolve vacina contra a Covid-19 administrada pelo nariz. Espera tê-la pronta em 2022
A biotecnológica Immunethep está a desenvolver uma "solução diferente" que visa a administração da vacina da Covid-19 por via intranasal, para aumentar a capacidade de resposta ao vírus.
Milhares de cientistas por todo o mundo procuram uma solução para a pandemia e há portugueses na “corrida” mais observada do mundo. A biotecnológica Immunethep, com sede em Cantanhede, está a desenvolver uma “solução diferente” que visa administrar a vacina da Covid-19 por via intranasal, com o intuito de aumentar a capacidade de resposta ao vírus, que afeta sobretudo as vias respiratórias. Ainda em fase pré-clínica e com um investimento que ronda já um milhão de euros, os investigadores portugueses contam ter o fármaco disponível no mercado português em 2022.
A Immunethep nasceu há cerca de seis anos a partir de uma investigação que estava a ser feita na Universidade do Porto. Até este ano, dedicava-se ao desenvolvimento de uma vacina antibacteriana, isto é, contra infeções por baterias. Contudo, a pandemia “surpreendeu” tudo e todos e veio trocar as voltas às investigações. “Em abril, tivemos mesmo as pessoas todas em casa e, com esse tempo livre, houve tempo para pensar como poderíamos ajudar, de alguma forma, a ultrapassar esta pandemia”, começa por explicar Bruno Santos, CEO da Immunethep ao ECO.
Depois de várias leituras sobre o que estava a ser feito no mercado, a equipa de 11 investigadores chegou à conclusão que poderia utilizar o conhecimento que tinham de desenvolvimento de vacinas, mas neste caso aplicado a vírus. Para se chegar à vacina contra a Covid-19 é necessário encontrar antigénios (partículas estranhas ao organismo) que consigam provocar uma resposta imunitária protetora no indivíduo em que seja administrada. O objetivo é dar a conhecer o coronavírus ao corpo, permitindo-lhe aprender como o combater. Há diferentes formas de o fazer: alguns fármacos usam uma versão fraca ou inativada do vírus para o “apresentar” ao corpo, enquanto outros utilizam fragmentos de proteínas para estimular a resposta imunológica.
A Immunethep optou pelo método “mais tradicional”, que se inclui no primeiro grupo acima referido, dado que os cientistas acreditam que seja a forma mais útil “para evitar que existiam mutações que tornem a vacina desnecessária”, sinaliza o diretor executivo da empresa. Segundo Bruno Santos, “não é muito difícil” desenvolver uma vacina contra o SARS-CoV-2, que provoca a doença de Covid-19, já que é do conhecimento científico que “as pessoas que ficam curadas da doença têm uma forte imunidade para o vírus” e nestes casos “é relativamente fácil desenhar a vacina”, sublinha. Ainda assim, os investigadores de Cantanhede procuraram encontrar uma solução “diferente” que pudesse “contribuir para uma melhor eficácia ou duração da resposta imune” do fármaco.
Partindo desta premissa, os cientistas decidiram escolher um adjuvante — isto é um conjunto de compostos utilizados no desenvolvimento das vacinas — que “potenciasse a resposta vírica”, tornando-a mais eficaz e mais forte. O objetivo é “criar uma proteção extra” para o organismo. Além disso, outra das grandes diferenças é que esta vacina deverá ser administrada pelo nariz. “Verificámos que devido à especificidade deste vírus e ao facto de este ter a via área como entrada preferencial no nosso organismo”, a administração intranasal aumentaria a capacidade de responder ao vírus, afirma o CEO da biotecnológica.
Vimos que há formas de administração local da vacina que podem dar uma resposta melhor e mais eficaz. Por isso, [estamos a desenvolver ] uma administração intra-nasal da vacina, o que permite aumentar a nossa capacidade de responder ao vírus exatamente nas vias respiratórias.
Neste momento, a empresa de Cantanhede ainda está em ensaios pré-clínicos, isto é, nos testes em ratinhos, sendo esta é uma etapa fundamental para “fazer uma validação que é seguro e eficaz avançar para humanos”. Mas todas as etapas são preparadas de forma minuciosa e ao detalhe, até no que diz respeito à escolha dos animais. “Não é qualquer ratinho que pode ser utilizado nestas experiências. Temos de escolher um modelo animal que mais se aproxime daquilo que acontece em humanos”, explica Bruno Santos ao ECO, acrescentando que, por isso, encomendaram uns “ratinhos especiais” que possuem “uma alteração genética” que lhes permite ter uma reação semelhante à dos humanos, o que traz mais “segurança” às investigações.
Com despesas incomportáveis, estas investigações são muitas vezes financiadas por fundos de investimento, bancos ou entidades governamentais. Foi o caso desta investigação, que foi parcialmente financiada pela linha do Portugal 2020 dedicada à Covid-19. A Immunethep estima que só esta fase de ensaios pré-clínicos “requeira um investimento de cerca de um milhão de euros”, sendo que já conseguido angariar “sensivelmente metade desse valor” através do financiamento do Estado. Contudo, o processo demorou mais do que o esperado. “Na altura, devido à urgência, era suposto que a resposta fosse em cerca de 30 dias e acabou por ser em 90. Seja como for é bastante mais rápido do que uma avaliação normal dos projetos financiados pelo Estado”, admite o CEO.
A ideia é conseguir ter a vacina o mais depressa possível disponível em Portugal. Esse processo [ensaios clínicos] poderá ocorrer durante o próximo ano, o que nos permitira ter já uma aprovação definitiva talvez no início de 2022.
Com a situação epidemiológica a agravar-se a cada dia, a comunidade científica tenta dar resposta às preocupações do mundo fazendo com que o processo seja acelerado. Ainda assim, tal como Helena Florindo, que coordena uma outra equipa portuguesa para o desenvolvimento de uma vacina, Bruno Santos nega que estejam a ser descurados passos importantes no rigor e segurança das vacinas, desvalorizando, assim, as preocupações quanto à pressão da indústria farmacêutica sobre a União Europeia para ficar isenta de ações judiciais caso se verifiquem problemas como algumas dos fármacos. E, para o CEO da Immunethep, a prova disso é das 200 vacinas que estão atualmente em desenvolvimento, pelo menos três, viram os ensaios clínicos suspensos. “Estas paragens mostram que o processo estará a ter o controlo rigoroso habitual, o que aumenta a confiança de que não se está a descurar a segurança para obter uma solução rápida“, garante.
E mesmo com a comunidade científica a trabalhar em “contrarrelógio”, a vacina não vai chegar para já. O diretor-geral da OMS diz ter “esperança” de que uma vacina contra a Covid-19 possa chegar ainda este ano, mas tal como Helena Florindo, o CEO da Immunethep é mais comedido e aponta para o início de 2021. Apesar de admitir que “é muito difícil” fazer previsões, Bruno Santos estima que “algumas vacinas possam estar disponíveis no início do próximo ano”, mas alerta que dado que serão necessários milhões de doses, a destruição será limitada, pelo que “a expansão para uma população maior” só será possível “daqui a um ano”, estando dependente, em grande medida, da “flexibilidade das entidades reguladoras”.
Quanto à vacina desenvolvida pela biotecnológica portuguesa a previsão é que os ensaios clínicos comecem no segundo trimestre de 2021 em Portugal, tendo como meta chegar ao mercado português daqui a dois anos. “A ideia é conseguir ter a vacina o mais depressa possível disponível em Portugal. Esse processo [ensaios clínicos] poderá ocorrer durante o próximo ano, o que nos permitira ter já uma aprovação definitiva talvez no início de 2022”, conclui o presidente executivo da empresa.
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