Pandemia faz cair para menos de metade pré-avisos de greve

Entre março e agosto, foram apresentados 221 pré-avisos de greve, menos de metade do que tinha sido registado no período homólogo. Em abril, deram entrada apenas três pré-avisos.

A pandemia de coronavírus fez cair o recurso à greve pelos trabalhadores portugueses. Entre março e agosto, deram entrada apenas 221 pré-avisos, menos de metade face ao período homólogo, indica a Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT). O travão imposto durante o estado de emergência às paralisações nos setores essenciais, o confinamento do país e a forte adesão ao lay-off explicam esse recuo. A CGTP alerta, no entanto, que “a luta dos trabalhadores está em crescendo”.

Em março, mês em que a pandemia de coronavírus chegou a Portugal, deram entrada 64 pré-avisos de greve. Em comparação, em 2019, tinham sido apresentados 133 avisos prévios. Estes dados da DGERT dizem respeito ao setor empresarial do Estado e ao privado.

Uma parte dessas paralisações convocadas acabou, contudo, por ser suspensa e não acontecer por causa do impacto inicial da crise pandémica no país. Na Administração Pública, por exemplo, as paralisações que estavam agendadas foram levantadas e nenhuma outra foi comunicada, no segundo trimestre, à Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP).

Foi o caso da greve nacional marcada pela Frente Comum face aos “ofensivos” aumentos salariais propostos aos funcionários públicos.

O sindicato liderado por Sebastião Santana tinha convocado uma paralisação para 20 de março, mas desconvocou-a face à propagação do coronavírus em Portugal e de modo a assegurar a normalidade dos serviços perante o quadro de então. A Frente Comum começou por garantir que a greve não abrangeria os serviços de saúde, mas acabou por alargar essa suspensão a todos os serviços.

A Federação dos Sindicatos da Administração Pública (FESAP) também decidiu desconvocar a greve geral marcada para o mesmo dia.

Março foi também o mês em que foi publicado o primeiro decreto-lei que determinou a passagem do país ao estado de emergência. Tal diploma estabeleceu a suspensão “do exercício do direito à greve na medida em que possa comprometer o funcionamento de infraestruturas críticas ou de unidades de prestação de cuidados de saúde, bem como em setores económicos vitais para a produção, abastecimento e fornecimento de bens e serviços essenciais à população”.

Ao ECO, o advogado Gonçalo Delicado explica que, nesse primeiro decreto-lei, tal como nos que vieram a prolongar o estado de emergência, o travão às greves só foi aplicado aos setores considerados essenciais. Ou seja, nos demais, continuou a ser possível avançar com paralisações. Apesar disso, o recurso a esta forma de protesto caiu muito significativamente.

Os dados da DGERT indicam que, em abril, apenas deram entrada três avisos prévios de greve, quando tinham sido apresentados 87 no período homólogo. Em causa está uma quebra de quase 97%.

Em declarações ao ECO, Ana Pires, dirigente da CGTP, explica que esta evolução é justificada por três grandes fatores: as já referidas limitações introduzidas pelo estado de emergências, mas também a forte adesão dos empregadores ao lay-off e a passagem de muito trabalhadores para o regime de teletrabalho. De notar que abril foi precisamente um dos meses da pandemia com o maior número de trabalhadores e empresas a serem abrangidas pelo lay-off simplificado.

Apesar dos dados em causa, a sindicalista frisa que “houve muita luta dentro das empresas” face ao “conjunto de aproveitamentos” feitos pelos empregadores, ao forçarem, por exemplo, o gozo de férias.

Em maio, mês em que se iniciou o desconfinamento do país e em que as empresas começaram, aos poucos, a abrir as portas, o número de pré-avisos de greve aumentou para 39, ficando ainda assim abaixo do nível de há um ano (59).

Esse foi, de resto, o mês em que, por exemplo, os trabalhadores dos CTT avançaram para a greve. Pararam a 29 de maio contra o congelamento salarial e o pagamento do subsídio de refeição em cartão. Ao ECO, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT) conta que, com a chegada da pandemia a Portugal, as paralisações que estavam agendadas foram suspensas, mas acabou por ser preciso avançar com esta forma de protesto para evitar o aproveitamento da situação pela empresa.

A mesma fonte afirma que, da parte dos trabalhadores, o cenário pandémico não mudou em nada a forma como a greve foi vivida e acrescenta: “Os trabalhadores até ficaram menos expostos [ao novo coronavírus]”. Da parte do empregador, frisa o sindicato, também não foi notada qualquer abertura extra por se tratar de uma paralisação no meio de uma pandemia.

A sindicalista Ana Pires salienta, por outro lado, que a pandemia “alterou a maneira de viver tudo”, com um reforço da organização das concentrações — para assegurar o cumprimento das normas de segurança –, mas sobretudo com uma subida da pressão por parte dos empregadores. “Há a ideia de que não estamos em momento de reivindicar nem salários, nem direitos, no patronato“, sublinha, referindo que, ao contrário do que dizem os empresários, “não estamos todos no mesmo barco”.

“Tenho a certeza de que a luta dos trabalhadores está em crescendo”, atira a mesma dirigente da CGTP, mencionando que, no público, o Governo fechou a porta a aumentos generalizados dos salários e, no privado, é altura de confrontar as propostas dos sindicatos com as respostas dos patrões.

Os dados da DGERT parecem espelhar esse “crescendo”. Em junho, já foram 47 os pré-avisos de greve entregues, mais oito que no mês anterior. E em julho, deram entrada 49. Ainda assim, agosto contou apenas com 19 avisos prévios, o que pode ficar a dever-se a essa altura específica do ano, muito associada a férias. Por exemplo, em 2019, nesse mesmo mês, só entraram 22 pré-avisos de greve.

A propósito, em julho, os guardas prisionais completaram dois dias de paralisação. “A greve realizou-se porque a Direção-Geral [de Reinserção e Serviços Prisionais, DGRSP] nem tentou chegar um acordo”, esclarece o presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP), Jorge Alves, em conversa com o ECO.

O sindicalista indica, no entanto, que, em qualquer greve feita por estes profissionais, é preciso garantir determinados serviços, e julho não foi exceção. “Trabalhamos numa realidade muito própria, as prisões. Nas greves que realizamos, temos de garantir determinados serviços”, diz Jorge Alves.

O presidente do SNCGP avança, além disso, que a situação dos guardas prisionais está cada vez mais grave, com um aumento das horas extraordinárias e menos segurança. O responsável antecipa, por isso, que serão marcadas mais paralisações a nível local, no futuro próximo.

E no futuro próximo, também já está agendada uma greve dos enfermeiros, convocada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor) para o período entre 9 e 13 de novembro. “Os enfermeiros estão extremamente exaustos”, justificou o sindicato, que reivindica o descongelamento das progressões na carreira, a atribuição de um subsídio de risco para todos os enfermeiros e a aposentação aos 57 anos.

Esta greve não poderia ter acontecido, por exemplo, durante o estado de emergência, por estar em causa um setor considerado essencial, mas poderá agora decorrer sem qualquer travão, a não ser que haja uma alteração em virtude do Conselho de Ministros extraordinário agendado para este sábado.

O advogado Gonçalo Delicado explica que, mesmo estando o país em calamidade, “não é possível suspender o direito à greve”. Ainda assim, é sempre possível exigir serviços mínimos, que até podem ser “convertidos em serviços máximos”. O especialista explica que os serviços mínimos são determinados, numa primeira fase por acordo e, no limite, em tribunal arbitral, podendo ser muito superiores “aos comuns”, face à situação pandémica e a necessidade de assistência aos doentes com Covid-19.

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