Orçamento para além da despesa

  • Augusto Paulino
  • 5 Novembro 2020

É certo que a estabilidade do sistema fiscal pode ser uma boa notícia, mas talvez assim não seja quando estamos num contexto de elevadíssima carga fiscal e falta de competitividade.

A proposta de OE 2021 está claramente centrada no lado da despesa, focada nos apoios sociais, na proteção dos rendimentos e no reforço do sistema de saúde.

Do lado da receita, e em particular em matéria fiscal, estamos perante um orçamento muito tímido. Ao nível das normas de natureza fiscal as alterações são cirúrgicas e pouco, ou nada, está previsto que possa ser considerado impulsionador da recuperação económica.

É certo que a estabilidade do sistema fiscal pode ser uma boa notícia, mas talvez assim não seja quando estamos num contexto de elevadíssima carga fiscal e falta de competitividade. É igualmente certo que a “manta” é curta (ou mesmo muito curta), e que o aumento da despesa pública e o atual contexto de incerteza, colocam desafios orçamentais que limitam qualquer margem de redução da receita.

Sendo que a inexistência de qualquer sinal de política fiscal no sentido de apoiar a recuperação económica frustra as expectativas dos operadores económicos neste contexto particularmente difícil, será que devemos ficar satisfeitos apenas com o não agravamento da tributação?

O que está na proposta de OE

Algumas medidas fiscais pontuais para estimular o consumo das famílias, em linha com aquela que parece ser a estratégia global para o OE, centrada na proteção dos rendimentos e, por essa via, estimular o consumo.

Desde logo o IVAucher para incentivar o consumo nos setores do alojamento, cultura e restauração. Permanecem algumas dúvidas sobre a operacionalização e efetividade, mas é, sem dúvida, uma medida original.

Está também prevista a possibilidade de dedução à coleta de IRS de 15% do IVA suportado com atividades desportivas e ginásios, concorrendo, no entanto, tal dedução para o limite global de 250 euros/ano das deduções à coleta por exigência de fatura.

A estas medidas acrescenta-se a descida da taxa do IVA na eletricidade que, recorde-se, já estava prevista no OE 2020, e também a anunciada redução das taxas de retenção na fonte para rendimentos do trabalho. Ambas com efeito positivo na liquidez das famílias, embora esta última, e face à informação que foi disponibilizada, pudesse ser mais ambiciosa (recordando que as novas tabelas de retenção só serão disponibilizadas no final do ano).

Em termos de medidas fiscais direcionadas às empresas, destaque apenas para a não aplicação do agravamento das tributações autónomas para as micro, pequenas e médias empresas, em caso de prejuízos e alguns benefícios para o mecenato cultural e para iniciativas de promoção externa.

E não só não temos “novos” benefícios significativos, como é posta em causa a utilização dos que já estão previstos na legislação por grandes empresas, impedindo a aplicação desses benefícios caso não mantenham o nível de emprego.

O que não está na proposta

Mesmo admitindo que medidas de apoio ao rendimento sejam também uma forma de apoio às empresas, por via do consumo, faltam claramente medidas para as empresas que, estimulem a criação de riqueza, incentivem o investimento, a produção e a exportação. Faltam medidas que permitam tornar o nosso sistema fiscal mais competitivo.

E faltam ainda medidas que possam ter um efeito positivo na liquidez das empresas. Como um sistema de venda de créditos fiscais ou mesmo o carryback de prejuízos fiscais, isto é, reporte de prejuízos fiscais de 2020 e de 2021 para exercícios anteriores.

Mesmo admitindo que em fase de discussão desta proposta na Assembleia da República não seja viável acomodar propostas com efeito significativo na receita, porque não considerar, a titulo de exemplo, o prolongamento da aplicação no tempo de alguns benefícios criados em 2020 já no âmbito do combate à pandemia, nomeadamente o crédito fiscal extraordinário ao investimento (CFEI II), que está previsto apenas para investimentos realizados até junho de 2021, e os incentivos à reestruturação e aquisição de empresas previsto para operações até final de 2020.

Tal como poderiam ser consideradas medidas de simplificação que visem reduzir os custos de contexto ou medidas tendentes à redução dos litígios fiscais, ambos os casos sem afetar a receita tributária.

Mas, muito provavelmente, às empresas restará esperar, se conseguirem subsistir, por outros apoios que surjam com os fundos comunitários…

*Augusto Paulino é consultor fiscal e é tax partner do Grupo DFK.

  • Augusto Paulino

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