A gigante mundial Nestlé escolheu a fábrica do Porto para ser a pioneira no embalamento de café torrado com um novo material plástico, sem alumínio e pronto a reciclar. Veja os bastidores do processo.
Pode até não ser grande em tamanho — tem 92 trabalhadores e uma produção anual de 14 mil toneladas de café torrado e moído das marcas Buondi, Sical, Tofa, Christina, Nescafé e Starbucks –, mas quer ser a mais sustentável de todas. A reputação de inovação e sustentabilidade da fábrica da Nestlé situada em São Mamede de Infesta, no Porto, já é bem conhecida no universo global da gigante suíça. Ali chegam milhões de toneladas de café verde proveniente de paragens distantes e exóticas, para depois ser torrado (e algum dele moído), embalado e enviado para todo o mundo. Quase 60% da produção da unidade fabril já segue para exportação.
A elevada especialização no processo de torra do café valeu à fábrica do Porto ser escolhida, a partir de 2017, para acolher vários projetos internacionais, como foi o caso da produção de café torrado Nescafé, que até essa data era uma marca exclusiva de café solúvel. Com este projeto, a fábrica do Porto ganhou ainda maior relevância no seio do grupo Nestlé e esse destaque voltou a dar-lhe a oportunidade de juntar mais uma marca ao portefólio, resultante da joint-venture Starbucks/Nestlé, celebrada em agosto de 2018.
A parceria, que fez correr tinta em todo o mundo, deu à Nestlé os direitos perpétuos de comercialização dos produtos embalados de café e chá Starbucks em todo o mundo, fora das lojas da marca. E para dar conta de toda a produção de café Starbucks para o canal retalho, em 2019, a Nestlé escolheu precisamente a fábrica do Porto, enchendo de orgulho Rui Vieira, diretor daquela unidade e anfitrião nesta visita guiada aos bastidores da linha de produção onde têm a sua origem muitas das chávenas de café consumidas em Portugal e no mundo.
Com todos estes projetos internacionais, a fábrica da Nestlé no Porto entrou definitivamente para o mapa do grupo pela sua “eficiência na implementação de projetos de inovação, capazes de liderar o caminho para outras fábricas de maior dimensão noutros mercados da zona Europa, Médio Oriente e Norte de África”, garante a marca.
Fomos escolhidos pelo “know how” de torrefação, o que abriu a porta ao investimento e a produtos premium, com um preço superior. Agora temos os olhos todos fixados na fábrica, para isto correr bem
Sai o alumínio, fica o plástico. Mas agora vai para reciclagem
Mais recentemente, em setembro de 2020, a fábrica destacou-se também pela sua capacidade de inovação em material de embalagem “ready to recycle”, um projeto totalmente desenvolvido a partir de Portugal e que será depois replicado noutras geografias. Presente em mais de 20 países, a marca de cafés portuguesa Buondi acaba assim de lançar uma nova embalagem pensada e criada de raiz para ser 100% reciclada. Continua a ser feita de plástico, tal como antes, mas agora segue de Portugal para o mundo sem a segunda camada de alumínio, que antes impedia que a embalagem fosse reaproveitada e reciclada depois de utilizada. Ou seja, até agora milhões de embalagens de café torrado made in Porto seguiam para aterro ou incineração assim que eram esvaziadas.
Dona da Buondi, a Nestlé garante que esta inovação permitirá eliminar o consumo anual de 2,2 km2 de alumínio, bem como reduzir o consumo de água e energia necessários para produzir este material.
Para já, a nova embalagem reciclável que pode ser colocada diretamente no ecoponto amarelo está a ser aplicada na fábrica de café do Porto apenas nos formatos de café em grão torrado de 1 kg do lote Buondi Prestige, comercializados pela Nestlé Professional para cafés e restaurantes. Mas já em 2021 este novo material plástico 100% reciclável vai ser a matéria prima das embalagens de grande dimensão das restantes marcas de café da Nestlé — Sical, Tofa, Christina — mas também das embalagens mais pequenas de café moído (250 gr) que seguem para os supermercados, chegando a todos os consumidores.
Sendo menos complexo (porque deixou de conter alumínio), este material desenvolvido a pedido da Nestlé pelo grupo britânico Mondi (especialista em embalagens sustentáveis) é considerado como uma opção mais valorizada pelos recicladores e mais favorável ao processo de reciclagem, pelo que será possível efetuar este processo em países nos quais não era possível fazê-lo com as embalagens anteriores, explica a Nestlé. Devido às normas de segurança alimentar ainda em vigor, este plástico reciclado já não voltará a transformar-se numa embalagem de café ou num copo de iogurte, mas como embalagem de detergente, por exemplo, pode ter uma segunda vida.
A Nestlé está já a investir forte em Investigação e Desenvolvimento (I&D) para criar plástico alimentar reciclado, que cumpra todas as regras de segurança. A multinacional suíça quer ser neutra em carbono em 2050 e assumiu também o compromisso de tornar as suas embalagens 100% recicláveis ou reutilizáveis até 2025. Atualmente, 87% das embalagens da Nestlé já são recicláveis ou reutilizáveis. Em Portugal, a empresa tem vindo a trabalhar as embalagens do seu portefólio de produtos de forma a torná-los 100% recicláveis ou reutilizáveis.
Desde o início de 2020, a Nestlé Portugal, que é também membro fundador do Pacto Português para os Plásticos, já reduziu a utilização de plástico virgem em 2,5 toneladas. No último ano e meio, esta redução ascende a 150 toneladas de plástico que deixaram de ser consumidas.
É uma fábrica inovadora na sustentabilidade e nos materiais recicláveis vai à frente da outras por ser mais pequena e mais ágil
Fábrica de café do Porto quer ser a mais sustentável
E já vai no bom caminho, garante o diretor: só usa energia elétrica 100% proveniente de fontes renováveis e não envia quaisquer resíduos para aterro. “É uma fábrica inovadora na sustentabilidade e nos materiais recicláveis vai à frente da outras por ser mais pequena e mais ágil”, diz Rui Vieira. Nada se perde, tudo é valorizado e se transforma, a começar pela própria matéria-prima que alimenta a unidade industrial.
No armazém, os enormes sacos com capacidade para 1.100 kg de café verde são quase a perder de vista, empilhados e armazenados por origem (Vietname, Brasil, Etiópia, Uganda, Camarões, Indonésia), espécies (robusta ou arábica) e certificação (Rainforest Alliance, entre outras). Ali estão guardadas entre 700 e 800 toneladas de café verde, “o suficiente para um mês de produção”, garante Rui Vieira. É comprado com três meses de antecedência e chega ao Porto em contentores de 21 toneladas. Antes de ser ensacado passa por uma primeira limpeza: por aspiração saem paus, pedras, plástico e outros objetos estranhos (como dentes, por exemplo) e ficam só os grãos de café, que depois ainda são submetidos a uma segunda limpeza.
Tudo isto antes de ser emitida cada uma das ordens de produção pela sala de controlo da fábrica e os pequenos grãos serem “chamados” para criar o blend de cada lote. Feita a mistura perfeita, o café verde segue então por um labirinto de tubagens de diferentes cores para silos e daí para os enormes torradores, cada um com capacidade para cerca de 1.000 kg/h. A torrefação acontece entre 200 e 300 graus, durante cerca de 12 minutos.
“Por hora, a fábrica pode produzir até 2.100 kg de café torrado. Por ano são 14.000 toneladas”, conta o diretor da fábrica, abrindo portas para a sala das linhas de montagem. São três, no total: a mais recente, que valeu à unidade um novo investimento de três milhões de euros (e a contratação de mais 10 pessoas), é totalmente dedicada à marca Starbucks (45% da produção da fábrica), que passou a ser produzida no Porto a partir de 2019.
“Fomos escolhidos pelo know how de torrefação, o que abriu a porta ao investimento e a produtos premium, com um preço superior. Agora temos os olhos todos fixados na fábrica, para isto correr bem”, diz orgulhoso o diretor.
Esta nova gama é constituída por sete blends de café com a assinatura Starbucks, todos eles 100% arábica de produção ética e sustentável. Três são de café em grão (Blonde Espresso, Pike Place Roast e Espresso Roast) e cinco de café moído (Veranda Blend, Pike Place Roast, House Blend, Colômbia e Caffe Verona).
Logo ao lado, da linha de produção Nestlé Professional (40% da produção total da fábrica do Porto), que está a trabalhar desde setembro com o novo plástico sem alumínio, saem a cada minuto 30 destas embalagens mais amigas do ambiente, ou seja, um saco de café de 1 kg a cada dois segundos. Ao fim de um ano passam ali 6.000 toneladas de café e quatro milhões de embalagens, a partir de agora desviadas de aterros ou incineradoras.
A fábrica tem ainda uma linha de produção para embalagens mais pequenas, destinadas ao retalho alimentar (15% da produção).
Apesar da pandemia de Covid-19, a fábrica nunca parou e mantém a sua produção em linha com as previsões para este ano, muito por via da marca Starbucks, e apesar do segmento Professional ter caído cerca de 20% por causa do encerramento dos cafés e restaurantes durante o primeiro confinamento, na primavera. “Em abril, as vendas de café torrado foram quase a zero” lembra Rui Vieira que, apesar de tudo, garante encarar 2021 de forma otimista.
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Do grão torrado no Porto até à sua chávena, o café já tem uma morada 100% reciclável
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