Patrões “não podem ter a pretensão de ter baixos salários como saída da crise”, diz Carvalho da Silva
Antigo líder da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, defende que a saída à crise não pode passar por baixos salários e sublinha que fomentar a procura interna deve ser uma prioridade.
Os empresários “não podem ter a pretensão” de adotar uma “política dos baixos salários” como saída para a atual crise. Quem o diz é Manuel Carvalho da Silva, que, em declarações ao ECO, frisa que a promoção da procura interna deverá ser uma prioridade para o país ultrapassar as dificuldades presentes. Isso através não só do aumento do salário mínimo nacional, mas também através da dinamização da negociação coletiva, defende.
“Ao trabalharmos para sairmos deste contexto de crise muito dura que vivemos no plano económico e no plano social, as empresas e os empresários não podem ter a pretensão de encontrarem como saída a política dos baixos salários, porque se formos por aí vamos empobrecer ainda mais o país e não há dinamização da economia“, salienta o ex-líder da CGTP. Isto numa altura em que o Governo garante querer aumentar o salário mínimo em 2021, apesar dos patrões frisarem que não têm condições para o suportar face ao impacto da crise pandémica no tecido empresarial.
Manuel Carvalho da Silva diz-se “muito chocado” com a “ladainha de certos setores de que, se se aumentar o salário mínimo umas dezenas de euros, as empresas vão à falência” e avisa que o país não terá capacidade de maior crescimento económico, se não aproveitar as capacidades dos seus trabalhadores, o que passa pela valorização salarial.
“Temos hoje muito portugueses, em particular jovens com qualificações, que estão desperdiçados, não lhes está a ser proposta a possibilidade de desenvolverem as aprendizagens que tiveram e contribuírem para uma melhoria da matriz de desenvolvimento”, frisa o antigo sindicalista.
"Empresas e empresários não podem ter a pretensão de encontrarem como saída a política dos baixos salários, porque se formos por aí vamos empobrecer ainda mais o país e não há dinamização da economia.”
O ex-líder da CGTP lembra, nesse sentido, que na crise anterior o país tinha a procura externa como possível saída, mas no contexto atual as vendas para o estrangeiro estão muito afetadas pelo que “a preocupação com a procura interna deve estar no topo do leque das prioridades”. “O salário mínimo insere-se nisso, mas não só. É preciso tratar do salário mínimo e também da negociação coletiva”, defende Carvalho da Silva, aconselhando o Governo a manter a proposta que fez no início da legislatura, isto é, aumentar o salário mínimo para 750 euros até 2023.
“Isso é exequível, mesmo num cenário de luta para sairmos da crise e de necessidade de contribuir para que as empresas criem uma cultura de maior valorização do trabalho”, considera o ex-sindicalista.
Medidas do Governo chegaram com “atraso, outras com insuficiências”
Já no que diz respeito aos apoios sociais extraordinários que vêm sido lançados face à crise pandémica, Carvalho da Silva afirma que “vão no sentido positivo”, mas não deixa críticas: “Algumas [das medidas chegaram] com atraso, outras com insuficiências face à realidade. Algumas podem ter vindo um pouco desajustadas na forma e no tempo”.
O professor universitário salienta que o princípio de alargar a proteção a todos e não deixar ninguém desprotegido é importante, mas avisa que não se pode transformar “num elemento estruturante de uma nova conceção do que deve ser a proteção social”. “É preciso manter fatores estruturais no sistema da Segurança Social que o tornam universal e solidário e que se tenha em conta a diferenciação das condições dos trabalhadores perante o sistema de Segurança Social“, afirma.
Ou seja, ainda que admita que poderá ser aconselhável prolongar os apoios extraordinários por mais algum tempo, o ex-sindicalista defende que essas medidas não podem ser a base de uma reformulação do sistema de proteção social ou colocar-se-ia o risco de se introduzir um sistema de mínimos. “Todos têm que ser protegidos, mas a centralidade tem que ser colocada na conceção universal, solidária e de dimensões de dignidade, não pode ser de tampão limite à pobreza“.
Ainda sobre a resposta do Governo à crise pandémica, Carvalho da Silva critica as posições assumidas em relação aos trabalhadores precários. “Era possível ter-se impedido a situação que tivemos que foi os trabalhadores precários serem tratados como se o seu trabalho fosse de segunda ordem”, declara.
“Em poucos dias, foram despachados dezenas e dezenas de milhares de trabalhadores para o desemprego. Isso, em parte, podia ser evitável, mas dava trabalho, obrigava a compromissos e a negociação entre as partes interessadas”, atira, juntando-se aos partidos de esquerda e às centrais sindicais no ataque ao Governo por não ter protegido quem tem contratos a prazo nomeadamente no âmbito do lay-off simplificado.
Teletrabalho? “Há vários passos a dar”
Outra das consequências da pandemia foi o boom do teletrabalho, cujo enquadramento legal o Governo já disse querer rever. O ex-líder da CGTP defende, no mesmo sentido, que “há vários passos a dar”, mas deixa um alerta: “Não entremos numa lógica de legislação partindo do pressuposto que aquilo que está em margem neste momento é o cenário definitivo”.
Para Carvalho da Silva, é importante contrariar as atuais dinâmicas de unilateralidade que se vive no trabalho remoto, o que deverá passar também pela contratação coletiva. “O cenário do futuro [do teletrabalho] terá de ser de mais equilíbrio e de menos unilateralidade na imposição das condições”, remata o antigo sindicalista.
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