CFP mostra “preocupação” com o plano de vacinação: “Não há economia saudável sem pessoas saudáveis”

Nazaré Costa Cabral deixa um aviso sobre a importância do plano de vacinação contra a Covid-19, um elemento essencial para a economia e, em última análise, para a sustentabilidade das contas públicas.

Não era habitual os economistas falarem tanto de saúde no discurso económico — no passado, em finanças públicas notava-se a “suborçamentação crónica” do Serviço Nacional de Saúde (SNS) –, mas a pandemia veio trazer essa prioridade à tona. “Não há economia saudável sem pessoas saudáveis”, avisa a presidente do Conselho das Finanças, argumentando que a recuperação económica depende também do sucesso do plano de vacinação. “Estou com alguma preocupação quando vejo, por exemplo, a forma com está a ser tratada a questão do plano de vacinação“, admite numa entrevista ao ECO onde teme uma recuperação a vários ritmos entre os países europeus se não houver coordenação nas vacinas. Além de injetar imunidade, irá injetar confiança nos consumidores e empresários.

O Parlamento abriu a porta a um novo período de adesão às moratórias por causa do impacto da segunda vaga na economia. É prudente fazê-lo do ponto de vista das contas públicas e do sistema bancário?

Parece haver ainda essa necessidade. Pode corresponder a uma necessidade que as famílias e as empresas ainda sentem porque as condições económicas não estão resolvidas. Temos de aguardar para ver como é que a situação evolui no próximo ano. Mas algumas das moratórias privadas estarão para terminar agora no final do ano e isso pode já ser um bom indicador quanto à capacidade de cumprimento. É um barómetro que vamos poder usar para todos os outros créditos, nomeadamente o crédito à habitação.

O Governo diz que as medidas são temporárias, mas ao mesmo tempo diz que os apoios não vão acabar do dia para a noite. Concorda que as medidas possam continuar mesmo quando a pandemia for dada como terminada, mas não necessariamente a crise?

Sim, pode fazer sentido. De facto, há aqui duas dimensões: há a crise pandémica propriamente dita e depois há a crise económica que ela própria já se desligou da pandemia, portanto, já ganhou um desenvolvimento próprio que ainda está muito ligada à pandemia, mas, que, de facto, concordo que vá perdurar para lá da resolução da situação pandémica. E, portanto, admito que para determinado tipo de apoios os mesmo possam ser descontinuados de uma forma gradual, tendo em função aquela que é a evolução da própria pandemia. Agora o Conselho das Finanças Públicas (CFP) tem alertado para isto, já faço essa menção há muito tempo.

Alertou para o acréscimo de despesa estrutural…

O sinal que tem de ser dado, — às vezes, estamos muito preocupados com os mercados — para os mercados financeiros em particular, é a de que estas são precisamente medidas temporárias. São medidas que não se arriscam a pressionar permanentemente o Estado nas suas contas públicas, a gerar aqui fatores de rigidificação da despesa que depois são muito difíceis de alterar ou de reverter. De facto as coisas estão sempre a mudar… Não quer dizer que não surjam novos apoios. Agora, aquilo que é especificamente o quadro de apoio ligado à pandemia deverá ser descontinuado e a mensagem que deve ser dada é a de que são medidas temporárias e não se arriscam a tornarem-se medidas permanentes.

Uma das críticas que o CFP fez ao OE é a de que as previsões da receita, não digo todas mas algumas, não teriam adesão àquilo que são os pressupostos orçamentais com que o CFP trabalha. Porquê então fazer o endosso do OE 2021?

Nós fizemos um endosso naquilo que se refere às projeções macroeconómicas.

Sim, do cenário macroeconómico que inclui a previsão da receita…

Sim, sim. E de facto aquilo que considerámos foi que, — não obstante o elevado grau de incerteza que se mantém –, apesar disso o cenário não se pode dizer que agora ele seja o mais provável, não é exatamente isso que está em causa, mas consideramo-lo prudente, quer no que diz respeito à projeção para 2020, quer no que diz respeito à projeção de recuperação económica para 2021. Portanto, com base nessa consideração endossámos o cenário subjacente à proposta do Orçamento do Estado. Agora também assinalámos um conjunto de aspetos que poderiam estar ali a ser encarados com alguma dose de otimismo e, por exemplo, a questão das exportações foi uma delas. Porque como sabemos temos ainda um elemento muito incerto quanto àquilo que vai ser a evolução do setor do turismo.

E não se sabe quando desaparecerá essa incerteza…

Os responsáveis estão a pensar que só na Páscoa é que as coisas poderão começar a melhorar, portanto uma boa parte do primeiro semestre estará já comprometida, o que significa, que, se esse setor do qual dependemos tanto não recuperar com a rapidez e com a intensidade que estaria subjacente a esta projeção de retoma, podemos não ter exatamente essa recuperação tão forte como aquela que está prevista no cenário. Portanto, há aqui um elemento, de facto, de incerteza grande.

Por outro lado, se me permite, queria chamar a atenção para isto: agora a preocupação é resolver a questão da pandemia. Neste momento o mais importante é a vida das pessoas, é a saúde das pessoas. Não creio que possamos ter uma economia saudável se não tivermos pessoas saudáveis. Estou com alguma preocupação quando vejo, por exemplo, a forma com está a ser tratada a questão do plano de vacinação. Sabemos que as vacinas, porque houve uma aquisição coletiva no âmbito da União Europeia, vão ser distribuídas de forma equitativa. Sabemos que elas vão ser entregues praticamente ao mesmo tempo nos Estados-membros.

É muito importante que haja aqui uma grande capacidade de organização para que uns países não fiquem para trás.

Nazaré Costa Cabral

Presidente do Conselho das Finanças Públicas

É muito importante que depois a nível interno todos os Estados-membros tenham uma capacidade boa de organização, de planeamento, até porque há vários tipos de vacinas com características diferentes e que obrigam a diferentes processos de distribuição. É muito importante que haja aqui uma grande capacidade de organização para que uns países não fiquem para trás. Isto é, haver, por exemplo, no próximo ano alguns países que chegam ao verão e já têm as pessoas devidamente imunizadas, devidamente vacinadas, e outros que ainda estão a vacinar e, portanto, ficam para trás.

E isso poderá ter implicações económicas…

Pode ter implicações económicas porque enquanto a questão da pandemia não estiver propriamente controlada os níveis de confiança não existirão, quer internamente, quer externamente daqueles que depois vêm de fora e querem visitar o país. Isto é um aspeto que é muito importante. É neste momento a questão mais crítica, assim no imediato: a forma como vamos ser capazes de responder ao desafio da vacinação que é algo que obriga a organização. Não é só improviso, será organização.

O CFP alerta constantemente para a suborçamentação do SNS. Será que com o aumento de despesa necessário por causa da pandemia esse problema poderá acabar?

Olhando para os últimos dados, em 2019 os dados provisórios revelam um défice de 621 milhões de euros. A estimativa para 2020 é de um défice de 284 milhões de euros e para 2021 temos um valor previsto de 89 milhões de euros. Portanto, isto revela uma progressiva redução do défice e estou a falar desta questão apenas de curto prazo. Claro que isso também tem muito que ver com o facto de o universo de transferência que o Estado faz para o SNS tem aumentado. Portanto, as tais regularizações que se faziam ex-post são desde logo acumuladas no âmbito das transferências do Orçamento do Estado.

CFP admite maior queda anual do PIB por causa da segunda vaga

Recentemente o CFP veio alertar para o cenário de “desemprego e falências massivas”. Quem faz previsões, inclusive o CFP, está a ser otimista ao prever uma queda da taxa de desemprego no próximo ano? Que efeito terá uma contração do PIB no quarto trimestre deste ano para o arranque de 2021?

Essas projeções estavam ainda feitas num contexto em que ainda não havia esta segunda vaga. Ou seja, estávamos ainda num contexto um pouco diferente. Houve uma forte recuperação, acima das expectativas, no terceiro trimestre. Estamos a prever que haja uma queda homóloga de 9,8% no quarto trimestre, o que é uma estimativa em linha com a do Governo.

Admite uma contração no quarto trimestre face ao terceiro trimestre?

Há uma desaceleração e uma contração face ao trimestre [anterior] porque temos neste momento uma queda novamente relativamente à recuperação.

Será uma recuperação em W?

Não gosto muito dessa perspetiva. Por razões orçamentais nós observamos o ano e não os trimestres. Mas de facto houve uma recuperação — que aconteceu na generalidade dos países — e agora de novo uma deterioração da situação face ao trimestre anterior.

Relativamente à taxa de desemprego, admite que a previsão de descida em 2021 pode não concretizar-se?

É preciso saber como é que se vai comportar o consumo privado neste último trimestre do ano. É uma questão muito importante. Com o confinamento parcial que neste momento está em curso as perspetivas não são as mais favoráveis. Por outro lado, importa notar que este confinamento não é só aqui em Portugal. Também se está a fazer sentir noutras economias com as quais nós temos relações, desde logo aqui ao lado Espanha e França. Embora sejam países onde há a perspetiva de um pequeno levantamento [das restrições], mas não total. Vamos ver se a queda não será mais pronunciada do que aquela que estamos a estimar para já. Tudo isto condiciona a forma como vamos entrar em 2021.

Vamos ver como é que fica a questão do turismo no próximo ano, nomeadamente se a questão da vacinação começa a fazer-se rapidamente para os tais níveis de confiança recuperarem. De outra forma, a situação pode tornar-se muito dramática neste setor e com um aumento do desemprego para lá daquilo que está previsto. Tínhamos estimado uma melhoria no próximo ano com uma redução da taxa de desemprego, mas temos de aguardar. Penso que o primeiro semestre [de 2021] será crítico para ver a capacidade de reação.

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