A Football Association e as novas regras de imigração. Qual o seu impacto?
Estes recém-aprovados critérios, quando em comparação com os atualmente em vigor, possibilitarão a contratação de um maior número de jogadores estrangeiros a um valor mais baixo dos atuais.
O período de transição respeitante à saída do Reino Unido da União Europeia acaba no próximo dia 31 de dezembro de 2020. A partir daquele momento, a livre circulação de trabalhadores, um dos princípios basilares da União Europeia, consagrado no artigo 45.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, deixará de se aplicar ao Reino Unido. Deste modo, a imigração de nacionais europeus passará a estar sujeita às leis migratórias britânicas.
No que concerne à concessão de vistos de trabalho para desportistas profissionais, o novo sistema de imigração britânico manteve-se praticamente inalterado, exceção feita às suas denominações. Existem, portanto, duas vias através das quais um desportista profissional poderá obter um visto de trabalho no Reino Unido: a do Tier 2 Sportsperson e a do Tier 5 Temporary Worker – Creative and Sporting. Ao passo que o primeiro permite a permanência do desportista pelo período máximo de 6 anos, o último reduz aquele lapso temporal para, no máximo, 12 meses.
Independentemente da via escolhida, e previamente à apresentação da sua candidatura a um dos vistos referidos, o desportista deverá preencher alguns requisitos. Nomeadamente, e no caso do futebol, o seu clube tem de obter um Governing Body Endorsement para o jogador, o qual é concedido pela Football Association. Este consiste numa aprovação/confirmação em como o candidato é um atleta estabelecido ao mais alto nível, que a sua contratação trará uma contribuição significativa para o desenvolvimento do futebol e que não era possível contratar alguém adequado, com direito de permanência em território britânico, em detrimento daquele.
No atual sistema, em vigor desde a época desportiva de 2014/2015, para que um Governing Body Endorsement seja automaticamente concedido será necessário que o clube demonstre que o jogador participou na percentagem mínima de jogos, de cariz competitivo, disputados pela sua seleção nacional, tendo por base o ranking de seleções da FIFA, durante o período de referência – i.e nos 24 meses anteriores à sua candidatura a um Governing Body Endorsement. A título exemplificativo, para que um jogador da seleção nacional portuguesa pudesse beneficiar daquela concessão automática seria necessário que o mesmo tivesse jogado em 30% dos jogos internacionais disputados (vide Tabela 1 infra).
Se, porventura, o jogador não atingir a percentagem mínima de jogos, o clube pode requerer a um painel de especialistas, o Exceptions Panel, que considere a experiência e o valor do jogador. O painel irá, então, avaliá-lo através de critérios objetivos (e.g o valor da transferência, o salário a auferir pelo jogador e a qualidade da liga de onde o jogador provém), cada um valendo um número pré-estabelecido de pontos, devendo o jogador atingir o número de pontos necessário à concessão do Governing Body Endorsement.
Ora, no seguimento do Brexit surgiu a necessidade de proceder à reforma deste sistema, uma vez que a sua manutenção prejudicaria a capacidade de os clubes ingleses recrutarem talento, o que levaria a uma diminuição da qualidade e competitividade das competições.
Assim, no passado dia 1 de dezembro de 2020, a Football Association deu a conhecer, através de um comunicado publicado no seu sítio na internet, os novos critérios para a concessão do seu Governing Body Endorsement, a vigorar a partir do ano novo.
Este novo sistema, ao contrário do antigo que dava primazia a critérios marcadamente económicos, assenta em critérios desportivos: o número de participações do jogador em jogos pela sua seleção nacional; o total de minutos jogados pelo jogador no campeonato nacional; o total de minutos jogados pelo jogador na competição continental; a posição final do seu último clube no campeonato nacional; a progressão do seu último clube na competição continental; e a qualidade da liga do clube atual. A estes acrescem os critérios relativos aos jogadores menores de 21 anos, de aplicação subsidiária e nos casos expressamente previstos.
No tocante à concessão automática do Governing Body Endorsement é aplicado o mesmo critério previsto no sistema atual. Existem, porém, algumas nuances ao nível das percentagens exigidas aos jogadores, consoante o ranking da sua seleção nacional (ver tabela infra).
Caso o jogador não tenha participado na percentagem de jogos internacionais exigida para a concessão automática, deverá então ser sujeito ao sistema de pontos, no qual deverá obter uma pontuação total igual ou superior a 15 pontos por referência aos critérios mencionados acima. Se o jogador não conseguir obter os pontos exigidos e tiver idade superior a 21 anos, o clube poderá argumentar, diante do Exceptions Panel, que circunstâncias excecionais impediram o jogador de obter a pontuação necessária.
Tratando-se de um jogador com idade igual ou inferior a 21 anos, ser-lhe-á dada a oportunidade de obter os pontos necessários, desta vez tendo por referência aos critérios para jogadores jovens. Mantendo-se aquém da pontuação exigida, o clube pode então requerer ao Exceptions Panel que considere a sua candidatura, podendo, não obstante, ser-lhe concedido o GBE, se o painel entender que o jogador é possuidor de um potencial significativo e qualidade suficiente.
Após a concessão do GBE ao clube por um jogador, de acordo com os critérios estabelecidos, àquele é autorizada a atribuição ao jogador de um Certificado de Patrocínio (Certificate of Sponsorhsip) – documento eletrónico que contém as informações do jogador. Cumpre alertar para o facto de que o clube deve estar registado enquanto Patrocinador Licenciado (Licensed Sponsor) para proceder à emissão daqueles certificados. O clube deverá então apresentar, dentro do prazo e em nome do jogador, o GBE ao Home Office, de modo a que seja dada autorização a este para entrar no território britânico.
Com o aproximar da janela de transferências de inverno – com início a 2 de janeiro e término a 1 de fevereiro de 2020 – os clubes ingleses têm agora menos de um mês para absorver estes novos critérios e planear a sua estratégia de recrutamento.
Salvo melhor opinião, estes recém-aprovados critérios, quando em comparação com os atualmente em vigor, possibilitarão a contratação de um maior número de jogadores estrangeiros a um valor mais baixo dos atualmente praticados, uma vez que a tónica passará a ser colocada no sucesso desportivo e não nos valores envolvidos no negócio. Os clubes passarão, assim, a poder negociar o jogador pelo seu real valor de mercado, ao invés de pagar um preço excessivamente desproporcional e irreal, tendo em vista a obtenção de um número superior de pontos, por receio a que ao jogador não seja concedido um GBE.
Os clubes devem assim atentar aos novos critérios e fazer uma análise ex ante a potenciais alvos de contratação. Numa fase inicial, o aconselhamento junto daqueles mais aptos a navegar neste novo sistema de pontos é encorajado, por forma a evitar que seja recusado um GBE a um jogador e o clube se veja na obrigação de proceder à sua colocação, através de um empréstimo, num clube europeu, assim, evitando uma acentuada desvalorização do mesmo. Ao jogador europeu, que pretenda transferir-se para um clube inglês, a procura por igual aconselhamento jurídico deverá ser vista como uma boa prática, apta a evitar situações como as descritas anteriormente, prejudiciais para a sua carreira.
Por fim, uma última nota no que respeita à transferência de jogadores britânicos para Portugal, o conhecimento e compreensão do Regulamento do Estatuto, da Categoria, da Inscrição e Transferência de Jogadores da Federação Portuguesa de Futebol e da lei aplicável, em especial da Lei 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional é recomendável.
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