Editorial

Uma questão de salários (com asas e sem demagogias)

Os gestores da TAP foram aumentados em plena discussão sobre o plano de reestruturação. Quem tem mais responsabilidades deve ganhar mais, mas é preciso dizer mais uma ou duas coisas sobre isto.

A notícia é do ECO. Os gestores Ramiro Sequeira, Alexandra Reis Vieira e Miguel Frasquilho foram aumentados quando a TAP e o Governo discutiam a aplicação de um plano de reestruturação que prevê cerca de dois mil despedimentos e cortes salariais da ordem dos 25% em média na companhia aérea. É aceitável? Se estivéssemos à mesa de café (ou de uma caixa de comentário do Facebook), a resposta seria de indignação, com uns impropérios pelo meio. Uma vergonha… Mas como não estamos à mesa (nem a fazer comentários de Facebook, nem à procura de likes e de partilhas), é preciso dizer que quem tem mais responsabilidades deve ter um aumento de remuneração. É um princípio simples, mesmo em empresas em reestruturação e com dinheiro público (especialmente com dinheiro dos contribuintes). Mas é preciso dizer mais qualquer coisa.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que se queremos os melhores gestores nas empresas que são do universo do Estado, como é o caso da TAP, que gerem dinheiro dos contribuintes, é preciso pagar para ter os melhores (se estes gestores são ou não os melhores é outra discussão). Um gestor público barato, para contentar os espíritos de quem gosta de nivelar por baixo, sai mais caro aos contribuintes. Vale para a TAP, para a CGD ou para os cargos de natureza política, como os deputados ou os membros do Governo.

Em segundo lugar, a TAP integra-se num setor que é de elevada complexidade, e isso explica porque é que os seus gestores são bem pagos (considerando aqui “bem pagos” quando comparados com os salários médios do país). Há escassez de gestores com a competência e experiência profissional para gerirem empresas de aviação de bandeira, como é o caso da TAP. E há uma procura internacional pelos melhores, com salários bem mais elevados do que aqueles que são praticados na TAP.

Em terceiro lugar, uma empresa como a TAP, em falência técnica, e que recebeu 1.200 milhões de euros de ajudas públicas, deve fazer aumentos salariais dos seus gestores de topo ao mesmo tempo que discute e avança com um severo plano de reestruturação, com despedimentos e argumentos como a existência de salários de pilotos da TAP que são superiores aos dos seus concorrentes diretos? Aqui, é preciso distinguir as funções executivas e não executivas.

Ramiro Sequeira e Alexandra Reis Vieira passaram de diretores para administradores executivos, com as respetivas responsabilidades. Particularmente Ramiro Sequeira, que era até setembro chief operating officer (COO) da TAP, passou a presidente executivo (interino, é certo, mas sem prazo). Como deveria ser evidente, o gestor teria de ser aumentado e a referência teria de ser a do seu antecessor, Antonoaldo Neves. Pelos vistos não é. Com a passagem a CEO interino da TAP, o salário de Ramiro Sequeira passou para 35 mil euros brutos por mês. O montante é quase o dobro do que o gestor ganhava no cargo anterior, mas claramente inferior ao que tinha o gestor brasileiro contratado por David Neeleman (59 mil euros por mês, dos quais 45 mil brutos aos quais acresciam complementos da ordem dos 14 mil euros por mês).

O aumento salarial de Ramiro Sequeira foi decididos pela Comissão de Vencimentos, tendo em atenção a sua experiência e o que já era pago ao anterior gestor, e a responsabilidade de ter de assumir funções neste momento particular da companhia. E teve, e bem, o apoio do Governo. Seria útil que a Comissão de Vencimentos divulgasse os critérios que levaram à fixação deste salário, nomeadamente as comparações internacionais. É uma oportunidade, mas é também uma obrigação, porque está em causa uma empresa pública.

Para os que foram rápidos na indignação, antecipo já que se o Governo avançar mesmo para a contratação de um gestor internacional, como está a ser procurado, a TAP vai ter um presidente executivo com um salário mais elevado do que este (e provavelmente poderá ser o melhor investimento que o Governo poderá fazer para limitar as perdas). Uma pergunta: Quanto é que estaríamos dispostos a pagar a António Horta Osório (ou outro gestor deste nível, especializado no setor) para recuperar a TAP?

O caso de Miguel Frasquilho, como presidente do Conselho de Administração indicado pelo Estado e que tem a responsabilidade direta pela elaboração e discussão do plano de reestruturação da companhia, é diferente e deveria ter tido outra solução (ainda vai a tempo), isto é, não deveria ter recebido qualquer aumento, desde logo por razões de autoridade para conduzir o processo de reestruturação e as negociações com os sindicatos.

Além de presidente da TAP SGPS, Frasquilho passou a ter responsabilidades na TAP SA, mas esta empresa já estava debaixo da sua responsabilidade, porque é a principal sociedade do grupo. E passou a auferir mais 1.500 euros brutos num salário que era de 12 mil euros brutos, portanto, um aumento limitado, mas ainda assim suficientemente relevante quando todos os trabalhadores da TAP com salário acima de 900 euros vão ter cortes salariais.

Miguel Frasquilho deveria ter percebido que a sua posição neste plano de reestruturação obrigaria a dar um exemplo. Por razões de princípio, por razões políticas. A ser o primeiro a abdicar de qualquer aumento salarial no contexto da execução deste plano, socialmente severo, mesmo com funções acrescidas, ganharia legitimidade acrescida. Haveria sempre soluções alternativas para premiar o gestor a prazo pelo cumprimento de um plano de reestruturação que, se for bem executado, tornará a TAP uma empresa viável (este princípio, aliás, também vale para os gestores executivos e deveria estar incluído nos seus aumentos) lá para 2025.

Aqui, o ministro Pedro Nuno Santos (e provavelmente o ministro das Finanças, João Leão) foi imprudente ao avalizar este aumento salarial, porque Frasquilho é mesmo o representante do Estado (e do Governo) na aplicação de um plano que prevê despedimentos e cortes salariais. E assim o Governo perde espaço de negociação quando se decide por aumentos ao seu representante ao mesmo tempo que discute a aplicação de despedimentos e cortes salariais.

Miguel Frasquilho, como os dois gestores executivos, também sofrerá os cortes salariais que forem aplicados a toda a empresa no âmbito do plano de reestruturação (era o que mais faltava se não fosse assim), mas quando se sentar à mesa com os sindicatos, em nome da TAP e do próprio Estado, os 1.500 euros vão ser um instrumento de combate político e mediático, vão ser uma oportunidade para os partidos de esquerda e os sindicatos levantarem obstáculos a um plano que é mais necessário do que nunca para permitir qualquer ideia de viabilização da companhia.

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