Sobreendividamento: Pedidos de ajuda à Deco atingem recorde à custa da precariedade

O gabinete de apoio ao sobreendividado da Deco recebeu 29.530 pedidos de ajuda. Trata-se do número mais elevado desde a chegada da troika a Portugal, em 2011.

Os sinais de melhoria da situação económica do país não estão a ser suficientes para travar os problemas de sobre-endividamento de muitas famílias portuguesas. Dados facultados ao ECO pela Deco, indicam que o Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS) da associação de consumidores recebeu, em 2016, um total de 29.530 pedidos de ajuda por parte de famílias em situação económica difícil. Este número é o mais elevado desde que a troika chegou a Portugal, em 2011. A culpa é da precariedade.

Foram mais 474 pessoas que recorreram ao apoio do GAS, face ao total de 29.056 famílias que o tinham feito em 2015. Natália Nunes não se mostra surpreendida com o número recorde de pessoas que pediram ajuda ao gabinete que lidera no ano passado. A coordenadora do GAS atribui esse acréscimo ao facto de haver muitas famílias que não viram ainda a sua situação financeira melhorar. “Verdadeiramente, a situação financeira de muitas famílias ainda não se alterou apesar das melhorias das condições de vida e de emprego no país”, diz Natália Nunes.

Apesar da queda do desemprego, muitas pessoas que regressam ao trabalho estão a fazê-lo em situações muito precárias, o que acaba por ser gerador de novas situações de sobre-endividamento.

Natália Nunes

Coordenadora do GAS da Deco

De salientar que a taxa de desemprego tem vindo a cair. Os últimos dados disponibilizados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) nesta segunda-feira, indicam que em dezembro, o número de desempregados inscritos nos centros de emprego manteve a tendência de queda, baixando 13,1% em termos homólogos, para 482.556 pessoas, com 2016 a terminar com menos 87.824 desempregados face a janeiro do mesmo ano.

Os números do GAS parecem também contrariar os dados que apontam uma quebra do número de famílias em incumprimento registada no ano passado. Os últimos dados disponíveis na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, indicam que no final do terceiro trimestre de 2016, havia pouco mais de 613 mil famílias com pelo menos uma prestação em atraso perante as instituições financeiras, o que representa o nível mais baixo desde antes da crise que atirou o país para o resgate.

Pedidos de ajuda e processos abertos em 2016

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GAS| Deco

Natália Nunes salienta, contudo, que “apesar da queda do desemprego, muitas pessoas que regressam ao trabalho estão a fazê-lo em situações muito precárias, o que acaba por ser gerador de novas situações de sobre-endividamento”, o que suporta o aumento do número de pedidos de ajuda registado em 2016. A coordenadora do GAS lembra que são precisamente as situações de desemprego e de deterioração das condições laborais, as que mais pesam no total de pedidos de ajuda que recebe, representando respetivamente 29% e 22% das situações. Ou seja, estiveram na base de mais de metade dos pedidos de ajuda. Seguem-se as penhoras, com 14%, e as situações de alteração do agregado familiar e o divórcio, cada uma contribuindo com 11% das situações reportadas à Deco.

Causas para os pedidos de ajuda

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GAS|Deco

Deco consegue ajudar cada vez menos famílias

O aumento dos pedidos de ajuda por parte de famílias ensombradas pelo fantasma do sobre-endividamento, não está contudo a ser correspondido, na mesma medida, no que respeita ao número de agregados que a associação de consumidores consegue apoiar. Em 2016, o GAS apenas conseguiu abrir 2.715 processos de sobre-endividamento. Ou seja, apenas em 9,2% do total de 29.530 pedidos de ajuda, o gabinete liderado por Natália Nunes considerou haver condições para encontrar um desfecho positivo. Aquilo que o GAS faz é identificar as situações onde ainda considera existirem condições de renegociação de dívidas e apoiá-las no processo negocial com as instituições financeiras, que permita atingir um desfecho positivo.

"A situação financeira das famílias não é a melhor. A maior parte das situações que nos chegam não apresentam viabilidade. É cada vez maior a diferença entre o número de pedidos de ajuda e aqueles que conseguimos dar seguimento.”

Natália Nunes

Coordenadora do GAS da Deco

A proporção de processos abertos em 2016 (9,2%), face ao total de pedidos de ajuda, é o mais baixo desde 2013, ano em que a Deco conseguiu que 13,8% dos pedidos de ajuda fossem correspondidos. “Este indicador é mais uma indicação que mostra que a situação financeira das famílias não é a melhor. A maior parte das situações que nos chegam não apresentam viabilidade. É cada vez maior a diferença entre o número de pedidos de ajuda e aqueles que conseguimos dar seguimento”, justifica Natália Nunes.

Os baixos salários são, segundo a especialista da Deco, uma das principais razões de preocupação. “Tratam-se de rendimentos muito baixos — salários mínimos ou pouco mais do que isso — que não permitem fazer face aos compromissos”, diz a responsável do GAS. Os dados deste gabinete indicam que 60% dos sobre-endividados que procuram a Deco têm um rendimento mensal inferior a 1.060 euros, sendo que para 17% das famílias o rendimento do agregado não atinge sequer os 530 euros.

Pedidos de ajuda por patamares de rendimento

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GAS|Deco

Natália Nunes considera que os sinais não são muito favoráveis a um recuo do sobre-endividamento. “A situação das famílias não está melhor, sendo a questão das penhoras da primeira morada das famílias um dos aspetos que continua a ser preocupante”, diz Natália Nunes, acrescentando que os dados com que se tem confrontado já em 2017 não são muito animadores. “Tomando apenas o mês de janeiro, a verdade é que continuamos a ver um número muito grande de famílias a pedir-nos ajuda e com situações idênticas às que já se verificavam em 2016. E tendo como base precisamente o que se passava em 2016, não cremos para já que vá diminuir o número de famílias em dificuldade“, remata Natália Nunes.

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