E se o ódio na net fosse crime?
Bruxelas vai propor já este ano a criminalização do discurso de ódio na internet. E confundir o combate ao ódio com a promoção da liberdade de expressão é não entender o que é a verdadeira liberdade.
Em breve, espalhar ódio na internet poderá ser um crime na União Europeia (UE). Numa tentativa de higienizar o discurso neste tipo de plataformas, que são hoje — efetivamente — o espaço público, a Comissão Europeia deverá propor a criminalização desse comportamento já este ano.
A medida está prevista, com todas as letras, no Plano de Ação para a Democracia Europeia: “Em 2021, a Comissão proporá uma iniciativa para ampliar a lista de crimes da UE […] de modo a abranger o crime de ódio e discurso de ódio, nomeadamente o discurso de ódio em linha.”
Bruxelas promete ir ainda mais além: “Intensificar-se-ão os esforços de combate ao discurso de ódio em linha, que pode desencorajar as pessoas de manifestarem as suas opiniões e de participarem em discussões em linha”, explica, no mesmo documento.
A Europa tem aqui uma oportunidade para civilizar e liderar. Quando aqui defendi que a expulsão do ex-presidente dos EUA de plataformas como o Twitter e o Facebook foi a decisão correta, ainda que tardia e oportunista, houve quem me acusasse de não defender a liberdade de expressão.
Confundir os dois assuntos – o combate ao discurso de ódio e a promoção da liberdade – é não perceber o verdadeiro conceito de liberdade, do qual tantos se esquecem. Aquele que nos diz que a nossa acaba onde começa a dos outros.
O discurso de ódio não é liberdade de expressão, como é fácil de perceber por qualquer documento que defina e proteja os direitos e a dignidade humana. Basta abrir a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Sim, o artigo 3.º prevê que “todo o cidadão tem direito […] à liberdade”. Mas, antes disso, não podemos ignorar o artigo 1.º, que nos diz: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”
O que Donald Trump fazia no Twitter era também promover discurso de ódio. O mesmo que Bruxelas quer agora criminalizar — e que, aliás, também não é permitido à luz das regras do Twitter.
E se os líderes europeus tivessem agido mais cedo — e o Digital Services Act, proposto pela Comissão no final do ano passado, já estivesse em vigor –, a suspensão de Trump, além de propriamente enquadrada, estaria mesmo prevista.
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