“Muitos milhares de pais” não pedem apoio por causa do teletrabalho e do corte salarial

Nos últimos 15 dias, foram entregues 22 mil pedidos de apoio à família, menos 149 mil do que em março do ano passado. As associações de pais e os sindicatos pedem alterações das regras.

Nos últimos 15 dias, chegaram à Segurança Social 22 mil pedidos de apoio à família, medida destinada aos pais que tenham de faltar ao trabalho para ficar com os filhos por força do encerramento das escolas. São menos 149 mil pedidos do que em março de 2020, uma diferença que “não espanta” a CGTP, já que “muitos milhares de trabalhadores” estão impedidos de aceder a esta ajuda seja por estarem em teletrabalho, seja porque não conseguiriam suportar o corte salarial a ela associado. Já as associações de pais ouvidas pelo ECO dividem-se na leitura desses números, mas concordam que cuidar dos filhos enquanto se está a trabalhar remotamente é “muito complicado”.

Depois do relaxamento das restrições durante a quadra natalícia, a pandemia agravou-se, levando o Governo a determinar o confinamento do país, nomeadamente com a interrupção das atividades letivas e não letivas presenciais. Em paralelo, foi reativada a medida desenhada, na primavera de 2020, para os pais que, por força do encerramento destes estabelecimentos, tenham de faltar ao trabalho para ficar com os filhos, com idades não superiores a 12 anos.

Em causa está o apoio excecional à família, que garante que essas ausências ao trabalho são justificadas e que o trabalhador recebe dois terços do seu salário-base (pagos em iguais partes pelo empregador e pela Segurança Social), entre 665 euros e 1.995 euros.

Em março do ano passado, o Executivo de António Costa indicou que haveria potencialmente 750 mil famílias com direito a esta ajuda, por terem dependentes com até 12 anos cujas escolas tinham fechado portas.

A realidade ficou muito, contudo, muito aquém dessa estimativa. Em março, 171 mil trabalhadores (dependentes, independentes e do serviço doméstico) foram abrangidos pelo apoio à família, menos de 23% do que o universo projetado pelo Governo. Março foi, de resto, o mês mais popular da medida. Em junho, por exemplo — último mês em que a prestação esteve ativa em 2020 –, menos de 52 mil trabalhadores gozaram deste apoio, de acordo com os dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Sete meses depois, com o país novamente confinado e as escolas, mais uma vez, fechadas, a Segurança Social recebeu 22 mil pedidos de apoio à família. O número foi avançado pela ministra Ana Mendes Godinho, esta quarta-feira, à saída de uma reunião com os parceiros sociais.

Portanto, nos últimos 15 dias, menos 149 mil pais decidiram pedir ajuda à Segurança Social para ficarem com os seus filhos do que em março. Em causa está uma quebra de 87%.

A diferença entre os números da primavera e o valor agora registado “não espanta” Isabel Camarinha. Em declarações ao ECO, a secretária-geral da CGTP sublinha que “é inaceitável que o Governo não aprenda com os erros do passado” e mantenha o corte salarial implicado nesta impedida (33%), o que “impossibilita em muitos casos” o acesso à ajuda. Além disso, como os trabalhadores que estão em teletrabalho não têm direito esta prestação — aliás, se um progenitor estiver a trabalhar à distância, o outro perde também o acesso à ajuda –, há, tudo somado, “muito milhares de trabalhadores” que não conseguem usufruir do direito de cuidarem dos seus filhos.

“Exigimos que o Governo corrija essa situação”, diz a sindicalista, referindo que para quem está em teletrabalho é “manifestamente impossível” dar a atenção necessária aos filhos e para muitos dos trabalhadores que estão em trabalho presencial não é possível “prescindir de um terço do salário” ou ficam sem ter “comida para pôr na mesa”.

A CGTP reivindica, assim, o fim dos cortes salariais implicados no apoio à família — até à semelhança do que aconteceu nos regimes de lay-off — e que também os trabalhadores em teletrabalho possam ausentar-se das suas funções profissionais — como acontece com quem está em trabalho presencial — para cuidar dos filhos.

A UGT faz apelos na mesma linha. Num documento enviado ao Governo e ao qual o ECO teve acesso, a central sindical liderada por Carlos Silva salienta que é de “elementar justiça” garantir os salários a 100% aos pais que se vejam forçados a faltar ao trabalho para ficar com os filhos; E defende o alargamento da medida aos trabalhadores com menores acima dos 12 anos de idade e que o apoio seja pago também nos período de férias letivas. A UGT apela ainda a que “os trabalhadores com filhos menores e que sofram o impacto do encerramento de escolas [tenham] a possibilidade de optar pelo regime de apoios de assistência à família associados ao encerramento de escolas“.

Ao ECO, tanto responsáveis da CGTP como da UGT asseguraram que colocaram essas reivindicações ao Governo, na reunião desta quarta-feira, e que a ministra do Trabalho não deu uma resposta. “A senhora ministra pecou pela ausência de resposta”, diz Isabel Camarinha, sublinhando que aguarda agora ouvir o que o Executivo tem para dizer. “Esperamos que o Governo altere as suas posições“, acrescenta a mesma sindicalista.

Em conversa com o ECO, o presidente da direção da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE) também sublinha que os 22 mil pedidos são “um número muito abaixo das necessidades” (isto é, do universo de pais) e confessa-se “surpreso”. Rui Martins defende, à semelhança das referidas centrais sindicais, que o ideal seria acabar com os cortes salariais, já que deixam muitas famílias em dificuldades.

O representante dos pais afirma ainda que “não é nada fácil” gerir o teletrabalho e a atenção necessária aos filhos, cabendo a cada “família ser o mais criativa possível”, face às falhas de cobertura da medida em causa.

Já o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) considera “natural” que o universo de pais abrangidos pelo apoio seja inferior ao da primavera de 2020, já que, nessa altura, havia mais trabalhadores, por exemplo, em lay-off e mais atividades confinadas. Jorge Ascensão remata deixando um aviso aos empregadores: É preciso que compreendam as dificuldades que enfrentam os trabalhadores em teletrabalho que têm filhos em casa.

O ECO questionou o Ministério do Trabalho sobre a sua disponibilidade para alterar as regras do apoio à família de modo a abarcar trabalhadores em teletrabalho e a fazer cair os cortes salariais, mas ainda não obteve resposta.

Os interessados no apoio à família devem entregar uma declaração com esse fim aos empregadores, que ficam responsáveis por preencher o formulário de acesso à medida na Segurança Social Direta. Cabe à empresa, além disso, adiantar os dois terços do salário-base aos pais em causa, recebendo depois da Segurança Social um apoio equivalente a metade desse valor.

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