Apesar do aumento da dívida portuguesa para recorde, os custos suportados com esta até têm diminuído. Excedente pré-crise e a esperada retoma irão ajudar país a fazer baixar o endividamento.
A dívida pública portuguesa atingiu máximos históricos em 2020, invertendo a tendência de quebra dos últimos anos, mas a situação não preocupa a Moody’s. Em entrevista ao ECO, a vice-presidente sénior para o risco soberano da agência, Sarah Carlson, lembra que vários países europeus endividaram-se ainda mais e sublinha que os juros que Portugal paga aos investidores continuam a cair.
Após o pico em 2020, a Moody’s antecipa uma quebra para 133% do rácio da dívida face ao PIB em 2021, seguindo-se nova diminuição para 129,1% no ano seguinte. A par dos baixos custos — que não deverão subir nos próximos anos –, também o excedente orçamental que o país trazia e a esperada retoma da economia deverão ajudar a esta redução do endividamento.
As estimativas para o PIB são de crescimento de 3,7% em 2021 e 4% em 2022, enquanto para o défice a agência projeta um saldo orçamental de -6,5% em 2020, seguido de -4,8% em 2021 e -2,4% no ano seguinte.
Apesar do otimismo quanto ao regresso do país ao caminho de diminuição da dívida, Sarah Carlson alerta que o regresso à normalidade será lento e haverá setores da economia que continuarão, durante muito tempo, a precisar de apoio público.
A dívida portuguesa atingiu máximos históricos em 2020. É uma preocupação para a Moody’s? Compromete o rating de Portugal?
O facto de a dívida pública portuguesa ser muito elevada já está incorporado no nível atual de rating. Há duas formas de responder a essa pergunta. A primeira é que provavelmente o mais importante desafio que o rating de Portugal enfrenta é o fardo da dívida. Temo-lo dito claramente: o rating de Portugal é fortemente influenciado pela dívida. Dito isto, também é verdade que parte da razão para mantermos o outlook positivo em relação a Portugal é a expectativa de que a dívida comece a diminuir deste novo máximo muito rapidamente.
A dívida de todos os países aumentou, de alguma forma, e o aumento de Portugal é mais pequeno do que vários outros países europeus como França ou Itália, que tiveram aumentos de 20 pontos percentuais. Algo importante é a situação das finanças públicas quando a crise começou. Há cerca de um ano eu dizia que Portugal tinha um equilíbrio orçamental pela primeira vez em muitos anos, um excedente primário de mais de 3% — o saldo orçamental excluindo pagamentos com juros — e nem todos os países europeus entraram na crise com essa folga orçamental. Isso é uma das coisas que tem realmente ajudado Portugal a reverter a dinâmica de dívida tão rapidamente.
"O mais importante desafio que o rating de Portugal enfrenta é o fardo da dívida. Dito isto, também é verdade que parte da razão para mantermos o outlook positivo é a expetativa de que a dívida comece a diminuir deste novo máximo muito rapidamente.”
Quais as estimativas da Moody’s para a dívida portuguesa?
Nas nossas estimativas, vemos o pico de 134,9% do PIB no ano passado (ainda vamos ajustar quando o Governo divulgar os números finais). Consideramos que vai cair menos de 2 pontos percentuais, mas que vai começar a cair este ano e que essa diminuição começará a acelerar em 2022. Outro fator importante é que quando avaliamos a robustez orçamental de um Governo não olhamos só para o stock de dívida, mas também para a viabilidade da dívida, que é o fardo dos juros na dívida.
Uma da métricas que usamos compara a despesa com juros e a receita [do Estado] e, mesmo com o aumento da dívida, está a diminuir. Em 2020, estava em cerca 7% e, este ano, antecipamos que seja de 6,2% e, no próximo, de 5,4%. Esta é uma tendência por toda a Europa, mas é um importante contrapeso para o elevado endividamento. Não está a tornar-se num fardo tão grande como poderia ser com este nível de dívida. Em 2015, a dívida portuguesa era 131% do PIB e este rácio era 10,5%. Pela mesma dívida, face à economia, o custo de gestão é agora muito mais baixo.
E a dívida em termos nominais? Também vai começar a diminuir?
Teria de olhar novamente para as projeções. Os números que são importantes para nós são os rácios porque uma grande parte da avaliação de rating prende-se com a comparação de países entre si e usar o rácio permitir retirar a dimensão do país da equação.
"Não devemos assumir que as taxas de juro irão manter-se tão baixas para sempre porque muito pode mudar.”
A quebra nos custos de financiamento de que fala está relacionada com a política do BCE? Vai manter-se?
Esperamos alterações modestas nos custos de financiamento no nosso horizonte de projeções. Não devemos assumir que as taxas de juro irão manter-se tão baixas para sempre porque muito pode mudar. Não é algo que assumamos, mas também não esperamos que os custos de financiamento comecem a subir novamente, no nosso horizonte de projeções. É sempre possível, mas no caso de Portugal consideramos improvável que haja eventos idiossincráticos específicos do país.
O aumento dos custos de financiamento não tem de ser apenas provocado pelo BCE. Um país pode sofrer problemas específicos ou o mercado pode perder confiança nos planos do Governo para a economia ou para as finanças públicas. Pode acontecer. Mas, repito, não é o que prevejo para Portugal. Portugal tem mostrado, na última década, que tem capacidade de manter disciplina orçamental muito forte. Aliás, este Governo foi eleito com pleno entendimento do eleitorado de que não queriam desperdiçar todo o esforço que foi feito ao nível das contas públicas.
Como é que será possível manter a disciplina orçamental com as despesas de uma pandemia?
Antes de mais, o facto de o custo da dívida estar a cair é algo que em si já ajuda a diminuir o fardo da dívida. É uma equação que implica a quantidade de dívida com que se começa, a diferença entre a taxa de crescimento nominal e a taxa de juro nominal, com a balança primária e ajustamentos dívida-fluxo. O facto de esperarmos uma aceleração do crescimento de 3,7% este ano (já incluindo uma primeira metade do ano muito fraca devido à intensidade da pandemia neste momento e um reforço na segunda metade), ajuda muito.
É esperado um défice primário este ano, mas está a diminuir porque algumas das medidas chegaram ao termo. E quando a situação de saúde estabilizar e o Governo tentar normalizar a situação, haverá setores que vão receber apoio durante muito tempo. Antecipo que os serviços de grande contacto vão receber algum tipo de auxílio durante muito tempo, mas o resto da economia irá voltar a uma situação de alguma forma mais normal.
"Haverá setores que vão receber apoio durante muito tempo. Antecipo que os serviços de grande contacto vão receber algum tipo de auxílio durante muito tempo, mas o resto da economia irá voltar a uma situação de alguma forma mais normal.”
Quais são as perspetivas para a economia e para o défice?
Há dinâmicas muito positivas, que serão desenvolvidas e que vão acelerar na segunda metade do ano devido ao Next Generation EU, o que fará avançar o crescimento. Enquanto houver um diferencial favorável entre as taxas de crescimento e as taxas de juro, isso ajudará a criar dinâmicas de dívida positivas. Esperamos melhorias no equilíbrio orçamental, mas não será estritamente austeridade. É mais a reversão das medidas não recorrentes adotadas para apoiar a economia. É o regresso ao normal, mas demora a regressar ao normal. Mesmo em 2022 esperamos que a balança primária esteja mais ou menos equilibrada. Não esperamos que esteja em níveis pré-pandemia rapidamente. Vai ser gradual.
O Novo Banco e a TAP já estão incorporados nas projeções?
A prometida recapitalização do Novo Banco já está nas nossas projeções. O apoio que já foi dado à TAP está incorporado, mas novos apoios não estão, não. Não temos de esperar até que já tinha acontecido. Na crise da dívida europeia, quando víamos que havia uma forte probabilidade algo como uma recapitalizar de um banco acontecer, estimávamos a dimensão e incorporávamos. Portanto, podemos atuar em antecipação, mas não temos qualquer informação sobre a TAP.
O Governo português perdeu parte do apoio dos partidos à esquerda. Têm alguma preocupação com a estabilidade política do país?
Não. Tem havido um histórico, desde a última crise, em Portugal de conseguir encontrar as soluções para estes problemas portanto não é algo que, neste momento, esteja a pesar no rating.
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Dívida portuguesa subiu menos que na Europa e vai descer “rapidamente”, diz a Moody’s
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