Governo alarga apoio aos pais mas arrisca ter maioria negativa
Governo alargou apoio aos pais, mas partidos têm propostas para alterar a medida. Querem apoio pago a 100% e que possa abranger quem está em teletrabalho.
Perante a possibilidade de uma maioria negativa no Parlamento para alargar o apoio aos pais, devido ao encerramento das escolas, o Governo decidiu antecipar-se e fez algumas mudanças, nomeadamente com apoio a 100% em alguns casos e acesso a quem está teletrabalho em certas situações. No entanto, os partidos querem mais e avançam com propostas, que serão discutidas esta quinta-feira no Parlamento.
Com o novo confinamento, o Governo decidiu reativar vários apoios que tinham estado em vigor em março do ano passado. Um deles foi o apoio à família, para os pais que têm de faltar ao trabalho para cuidar dos filhos, numa altura em que as escolas estão fechadas. O apoio paga 66% da remuneração base (paga em partes iguais pelo empregador e Segurança Social), e está vedado a quem esteja em teletrabalho, ou se um dos progenitores estiver neste regime.
As críticas depressa se seguiram, devido nomeadamente ao corte no rendimento e exclusão dos pais em teletrabalho, e o PCP e o Bloco de Esquerda pediram uma apreciação parlamentar do tema. Nesse âmbito, vários partidos avançaram também com propostas para mudar e alargar este apoio, focadas principalmente em permitir o acesso mesmo em teletrabalho e o pagamento a 100% do apoio.
Os reparos a este apoio surgiram até por parte da Provedora de Justiça, que defendeu que os pais em teletrabalho e com filhos menores de 12 anos tenham acesso ao apoio à família ou possam beneficiar do acolhimento em escolas dado aos filhos dos trabalhadores dos serviços essenciais.
Na semana passada, quando confrontada, no Parlamento, com as dificuldades de conciliar o teletrabalho com o acompanhamento dos filhos, a ministra do Trabalho reconheceu a dificuldade, mas sublinhou que o contexto atual é difícil para todos. No entanto, a posição do Governo acabou por mudar.
Depois de notícias que apontavam para a possibilidade de se formar uma maioria negativa, o ministro das Finanças disse que o Executivo estava a avaliar “qual a modelação correta dos apoios”, em entrevista ao Negócios e Antena 1. Apesar disso, João Leão lembrou que pode estar em causa uma violação da lei-travão, que “diz que o Parlamento não pode aprovar medidas com impacto financeiro no Orçamento em curso”.
“Nesta fase, o que o Governo propôs foi recuperar o mecanismo que tinha aplicado no confinamento passado que é para famílias que, por causa dos filhos, deixam de poder trabalhar”, explicou. Em causa estão apoios que o Governo já tinha “aplicado no segundo trimestre e que tinham sido alvo de consenso no âmbito do Orçamento suplementar”, sublinhou. Desta forma, “o Governo está a avaliar a situação e a perceber que medidas tem de adaptar”.
Esta avaliação acabou por se materializar em mudanças, que foram apresentadas aos parceiros sociais esta quarta-feira. O Governo decidiu que para as famílias monoparentais e nos casos em que haja partilha do apoio entre os dois progenitores, o apoio passará a ser de 100%.
Para além disso, alguns pais vão poder trocar o teletrabalho pelo apoio, algo que até agora não era possível. São três situações abrangidas: as famílias monoparentais, progenitores que tenham a cargo uma criança até ao final do primeiro ciclo de escolaridade, “reconhecendo que há dificuldade na autonomia das crianças”, ou quando haja a cargo dependentes com deficiência ou incapacidade igual ou superior a 60%, anunciou a ministra do Trabalho, após a reunião da Concertação Social.
Estas mudanças vão já ser levadas a Conselho de Ministros esta quinta-feira, sendo que a medida “entrará em vigor logo que seja publicada”, adiantou a ministra. Também esta quinta-feira, o Parlamento discute o tema, já que persistem exigências dos partidos que não foram cumpridas.
Partidos querem apoio a 100% e acesso para pais em teletrabalho
Há alterações a este apoio que os partidos têm em comum, sendo ainda incerto se alguma irá gerar consenso suficiente para se formar uma maioria negativa. As principais mudanças prendem-se com o pagamento do apoio a 100%, que o Governo já correspondeu, mas apenas em dois casos, e com o alargamento do acesso aos pais em teletrabalho.
São vários os partidos que defendem que o apoio deve ser pago a 100%, e não corresponda apenas a dois terços da remuneração base. É o caso do PCP, do Bloco, do PAN e do CDS, segundo apurou o ECO. No entanto, assumindo que o PS poderá votar contra, o PSD é essencial para esta equação e não se mostra favorável à medida.
Em declarações ao Jornal de Negócios, a deputada Clara Marques Mendes aponta que o partido não acompanha a intenção de aumentar o apoio de 66% para 100% do salário, mas ao Público admitiu que, “neste momento, não há portas fechadas”. “A preocupação central do PSD centra-se na questão da conciliação”, disse.
Já quanto ao alargamento dos pais em teletrabalho que podem aceder ao apoio, o consenso poderá ser mais alargado. A medida está inscrita na proposta do PCP, na do CDS e na do PAN.
Quanto ao PSD, o partido vai avançar propostas de alteração “no sentido de apoiar as famílias numerosas e monoparentais que estão em teletrabalho e que têm dificuldade em acompanhar os filhos”, segundo adiantou Clara Marques Mendes. As famílias monoparentais são já acauteladas nas alterações do Governo, pelo que sobram as famílias numerosas, com três ou mais filhos. Para estas, o partido defende que “um progenitor possa estar em teletrabalho e o outro receba o apoio à família”. A deputada aponta, ainda assim, que existe “uma preocupação generalizada” com o enfoque “na questão da conciliação do teletrabalho e da família” por parte de todos os partidos, em declarações ao Público.
Já quanto à proposta do Bloco, esta ainda não deu entrada nos serviços do Parlamento. No entanto, na apreciação parlamentar, o partido defende que se deve “garantir que todos os trabalhadores em teletrabalho com filhos ou dependentes a cargo até ao final do 1º Ciclo do Ensino Básico não ficam excluídos deste apoio, pela dificuldade objetiva de acumular teletrabalho com o cuidado permanente das crianças”. Estes estão já abrangidos nas mudanças do Governo, pelo que é incerto se poderão votar a favor de um alargamento mais extenso, como sugerem por exemplo os comunistas.
O PCP defende que estes apoios deveriam ir mais longe nas idades abrangidas, estendendo-se a famílias com filhos em casa até aos 16 anos. A proposta do partido, a que o ECO teve acesso, dita que “consideram-se justificadas, sem perda de direitos, incluindo quanto à retribuição”, as faltas “motivadas por assistência inadiável a filho ou outro dependente a cargo menor de 16 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, decorrente da suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais em estabelecimento escolar ou equipamento social de apoio à primeira infância ou deficiência, e enquanto estas durarem, incluindo nos períodos de interrupção letiva”.
Dita ainda que nessas situações, “o trabalhador por conta de outrem, o trabalhador independente e o trabalhador do regime de proteção social convergente, incluindo aqueles que se encontrassem em regime de teletrabalho, têm direito, respetivamente, aos apoios excecionais à família” e “em montante correspondente a 100% da remuneração de referência”.
O líder da bancada comunista, João Oliveira, disse esta quarta-feira que o Governo tinha apresentado ao partido a sua perspetiva quanto às mudanças no apoio, mas que estas continuavam a não corresponder às dificuldades. As propostas “estão entregues”, diz fonte oficial do partido ao ECO, mas “a discussão com o Governo pode continuar”, admite.
Outra proposta virá do CDS, “no sentido de estender apoio a 100% e não o condicionar ao facto de progenitores estarem em teletrabalho”, adiantou João Almeida ao ECO. O deputado apontou que a proposta centrista é “a mais abrangente de todas”, sinalizando que “haverá condições para que sejam aprovadas aquelas que tenham esta amplitude”.
João Almeida admite que é “possível um consenso” quanto a estas propostas, mas recorda que não é garantido que se vote esta quinta-feira, já que os projetos podem baixar à comissão, para serem discutidos na especialidade.
Do lado do PAN há também uma proposta no mesmo sentido. O partido “desde o primeiro momento tem defendido propostas para que os pais, em casa a cuidar dos filhos, recebam a 100% o vencimento”, apontou Inês Sousa Real, líder parlamentar do PAN, ao ECO, defendendo também que se deve conjugar o apoio social “mesmo que exista um progenitor em teletrabalho”. Para a deputada, é “manifestamente incompatível” gerir as duas situações.
A proposta do PAN pretende assegurar que o apoio “abrange todos os trabalhadores com filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos, ou, independentemente da idade, com deficiência, com doença crónica ou no âmbito de agregado familiar monoparental, independentemente de a sua atividade poder ser prestada por via de teletrabalho”, segundo o texto a que o ECO teve acesso. O partido quer também “que o valor do apoio seja de 100% da remuneração do trabalhador”.
Quanto ao sentido de voto do partido nas outras propostas, a líder parlamentar do PAN apontou que terá de “conhecer em detalhe, para perceber o que está em causa” antes de definir um sentido de voto. Ainda assim, admite que, quanto às famílias numerosas, provavelmente num contexto em que há vários filhos a cargo também será difícil de conjugar. Irá, no entanto, aguardar para conhecer melhor a proposta social-democrata.
Já a Iniciativa Liberal apontou, em declarações ao ECO, que, “independentemente” da posição final que irá assumir na votação, “encara positivamente a possibilidade e alargamento de apoios a quem, na sequência da proibição do ensino presencial, deixou de ter condições para o desempenho do teletrabalho“. O partido vai também avançar com uma proposta, para serem consideradas as necessidades dos pais separados.
O Chega também já avançou com uma proposta sobre o tema, focando-se nas famílias monoparentais e numerosas. O projeto de resolução do partido, que já deu entrada no site do Parlamento, pede que o Governo “agilize no sentido de garantir que são eliminadas as diferenças entre as famílias cujos progenitores se encontram em teletrabalho e os progenitores que se encontram sem trabalhar por razões relacionadas com a pandemia”.
Para além disso, requer também que se “garanta que os elementos das famílias monoparentais recebem um apoio por parte do Estado correspondente a 100% do seu salário quando tenham a seu cargo crianças até 11 anos de idade”. No caso das famílias numerosas, dita que “um dos progenitores possa ficar em casa, sem trabalhar, recebendo, também um apoio correspondente a 100% do seu salário quando tenham a seu cargo crianças até 11 anos de idade”.
Medida vem a tempo?
As escolas estão fechadas desde 22 de janeiro, sendo que é ainda incerto quando serão reabertas, e são já 68 mil os pais que pediram para aderir a este apoio, segundo adiantou a ministra do Trabalho. As mudanças anunciadas pelo Governo entram em vigor quando forem publicadas, enquanto as propostas dos partidos poderão ainda baixar à especialidade, prolongando-se no tempo.
Quando anunciou as mudanças a este apoio, na quarta-feira, a ministra sublinhou que o Governo fez a avaliação do apoio agora “uma vez que se perspetiva durante o mês de março também a necessidade de apoio se manter”, acrescentou. O confinamento atual está em vigor até 1 de março, mas o Governo já sinalizou que é possível prolongar-se durante esse mês.
Em reação às mudanças, a líder do Bloco considerou que o Governo “veio muito tarde”, defendendo que espera que não haja mais atrasos na implementação, em declarações citadas pela Lusa. Catarina Martins apontou que “seria triste se o apoio aos pais de crianças pequenas em teletrabalho chegasse quando as escolas já estivessem a reabrir”.
“Já estão há um mês, pais e mães a desesperar em casa, a tentar trabalhar ao mesmo tempo que estão a tomar conta de crianças pequenas. O Governo veio muito tarde, é bom que não atrase mais”, disse.
Já Inês Sousa Real apontou, ao ECO, que “o que se espera é que processo seja célere e consiga chegar a tempo”, no que diz respeito às propostas que serão discutidas no Parlamento. A líder parlamentar do PAN sublinha também que estas poderão servir como legislação base até para um possível “futuro confinamento”, sublinhando que “não sabemos quando vamos sair da crise sanitária”.
“É importante que apoios sejam pensados, nem que seja retroativamente”, reitera, salientando que o “Parlamento tem mecanismos para poder levar à comissão e tramitar processos com celeridade”.
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