Marcelo arranca segundo mandato com 23 vetos no currículo
Marcelo Rebelo de Sousa toma posse esta terça-feira para o segundo mandato como Presidente da República. No "currículo" tem 23 vezes em que usou o poder de veto.
A crise bancária, dos incêndios e do coronavírus marcaram os cinco anos do primeiro mandato de Marcelo Rebelo de Sousa em que vetou 23 diplomas, de acordo com a contabilização feita pelo ECO. O segundo mandato começa esta terça-feira com a crise pandémica ainda em curso, a que se soma uma crise económica e social. Pelas suas mãos também vão passar dossiers complicados, desde logo o resultado da fiscalização da despenalização da morte assistida que pediu ao Tribunal Constitucional. No currículo tem ainda 697 condecorações e 17 visitas de Estado, nomeadamente à China, aos Estados Unidos e à Índia.
O último veto do atual mandato aconteceu a 5 de dezembro de 2020 por causa das alterações à lei da contratação pública que agilizava as regras da contratação pública de projetos financiados por fundos comunitários. Em concreto, a legislação criava medidas especiais de contratação pública, alterava o Código dos Contratos Públicos e mudava também o Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Na justificação, Marcelo pedia mudanças na legislação em duas áreas: “um mais elaborado tratamento dos efeitos do controlo a posteriori pelo Tribunal de Contas quanto ao adjudicante e ao adjudicatário”; e garantias sobre “a composição e funções da nova comissão independente de acompanhamento e fiscalização”.
Este foi o último de 23 vetos, na sua maioria (19) sobre diplomas vindos da Assembleia da República, mas em alguns casos (4) também do Governo. Em 2021, não houve nenhum veto até ao final do primeiro mandato, tendo apenas mandado para fiscalização preventiva a legislação aprovada no Parlamento sobre a despenalização da morte assistida, mais conhecida por eutanásia.
Em 2020, último ano do mandato, e em vésperas das eleições presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa acumulou seis vetos, dos quais se destacou o chumbo de iniciativas dos deputados para reduzir o número de debates europeus e para aumentar o número de assinaturas necessárias para uma petição ser discutida em plenário, de quatro mil para dez mil. Nas entrelinhas ficou patente que era contra o fim dos debates quinzenais combinado entre o PS e o PSD, sobre o qual não teve de tomar uma decisão uma vez que o Presidente não decide sobre questões regimentais do Parlamento.
Em ano de pandemia, que se pautou pela cooperação entre Belém e São Bento, o Presidente da República também vetou a primeira alteração à lei do mar, isto é, a lei de bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, que pretendia dar mais autonomia às regiões autónomas e as alterações à lei da nacionalidade — que permitem que filhos dos imigrantes legais com autorização de residência ou que fixaram residência há pelo menos um ano e nasceram em território nacional possam ter nacionalidade portuguesa — por ter identificado “injustiças”. Por fim, chumbou o alargamento do apoio aos sócios-gerentes no final de junho, argumentando que este violava a “lei-travão” uma vez que pode envolver aumento de despesas previstas no Orçamento de Estado para 2020, dando espaço para os partidos negociarem a proposta ao abrigo do Orçamento Suplementar.
Em 2018 e 2019, o Presidente da República também usou o poder do veto seis vezes, nomeadamente o chumbo das polémicas Lei da Procriação Medicamente Assistida e legislação sobre a autodeterminação da identidade de género e expressão de género, o chumbo da regulamentação sobre o lóbi onde identificou “lacunas” e o veto ao reconhecimento de interesse público da Escola Superior de Terapêuticas Não Convencionais, argumentando que “as Ordens Profissionais competentes não aprovam o ensino de terapêuticas não convencionais”. No final de 2018 chumbou o diploma do Governo que “mitiga os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011 e 2017 na carreira docente”, obrigando o Executivo a sentar-se à mesa com os sindicatos.
Em 2017, foram apenas dois vetos e em 2016, o primeiro ano do seu mandato, fez três vetos. Em 2017 um dos vetos mais badalados recaiu sobre o diploma do Parlamento que alterava o regime do serviço público de transporte coletivo de superfície de passageiros na cidade de Lisboa, tendo Marcelo argumentado que era excessivo vedar a possibilidade de concessão da Carris caso fosse essa a vontade da autarquia. Anteriormente tinha vetado uma alteração semelhante para o Porto/STCP. Em 2016, o primeiro ano do seu mandato, a estreia dos vetos deu-se com a gestação de substituição (barrigas de aluguer) e a troca automática de informação financeira sobre depósitos bancários superiores a 50 mil euros por causa da “situação particularmente grave vivida pela banca”. O Governo viria a fazer esta mesma proposta mais tarde, em 2018, e foi aceite pelo Presidente.
Em suma, Marcelo Rebelo de Sousa foi, deste ponto de vista, um Presidente da República mais interventivo, somando 23 vetos num período de cinco anos, o que compara com os 25 vetos de Cavaco Silva durante dez anos (dois mandatos). Neste segundo mandato, o Presidente da República terá outros temas “quentes” a passar pelo seu campo de decisão: é o caso do diploma que despenaliza e regulamenta a morte assistida (eutanásia), após a deliberação do Constitucional, e a eventual posse de um Governo de direita com algum tipo de apoio por parte do partido de extrema-direita Chega. Por outro lado, uma maioria de esquerda com um PS mais enfraquecido poderá levar a alterações maiores na lei laboral, um tema que poderá ser recebido com reticências em Belém.
Recorde-se que o Presidente da República tem poder de veto, mas este não é definitivo. Caso os deputados queiram, a Assembleia da República pode devolver o diploma (em alguns casos pode requerer uma maioria de 2/3) em causa tal como este foi chumbado e, na segunda vez, Belém não pode voltar a vetar, sendo obrigado a promulgar. O veto político é absoluto no caso do Governo, ou seja, o diploma não entra mesmo em vigor, mas o Executivo pode optar por devolvê-lo com as alterações exigidas pelo Presidente.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Marcelo arranca segundo mandato com 23 vetos no currículo
{{ noCommentsLabel }}