Um paliativo para a justiça

  • Nuno Líbano Monteiro
  • 12 Março 2021

O PRR prevê 267 milhões para a justiça, mas há falta de foco nas medidas propostas e em vez de se procurar a cura para os problemas a opção continua a ser remediar.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prepara-se para deitar 267 Milhões de Euros sobre o sistema de justiça, criando plataformas digitais nos tribunais e nos meios de resolução alternativas de litígios, que servirão os juízes, o ministério público e os advogados. Criará plataformas para serviços e informação em matéria de insolvência, vai provavelmente criar mais balcões únicos, tal como fez para o arrendamento, mas agora em matéria recuperação de créditos, etc, etc.

Tudo isto é interessante, mas parece ter o foco errado. A justiça precisa de uma alteração de raiz. Tem de deixar de ser a justiça dos operadores, para passar a ser a justiça dos seus utilizadores.

Qualquer empresário sabe que não deve investir em algo que está viciado, a não ser para transformar. Quando se investe num problema sem ser para o resolver está-se apenas a dar-lhe um paliativo. Pois bem, se não se alterar agora o modelo de funcionamento dos tribunais, é o que vai acontecer. É claro que com 267 milhões de euros algo vai melhorar, mas não será suficiente e, acima de tudo, será um desperdício de meios. Este enorme investimento tem de ser feito a par de uma alteração profundíssima do modo de encarar a justiça. Esta deve continuar a ser soberana independente (como hoje, sem dúvida, é), mas tem de ser exercida a pensar em quem a “consome” e não exclusivamente naqueles que a operam.

Por que razão é que as empresas fogem à justiça tradicional e se refugiam na resolução alternativa de litígios? Este é um dos pontos mais relevantes que deveria merecer ponderação.

Na Holanda o tribunal de comércio concorre com os mecanismos RAL holandeses e de outros países (e faz disso publicidade), demonstrando que o tribunal judicial é mais rápido e mais económico do que a arbitragem. Estamos ainda longe deste nível de serviço às empresas, mas tem de ser este o objetivo, ou seja, qualidade na decisão (e isto já temos), rapidez e previsão na entrega da justiça.

Algumas medidas concretas que poderiam ser úteis passariam por exemplo, pelo aumento das competências dos tribunais de comércio, transferindo para estes toda a justiça que se refira a litígios comerciais. Por outro lado, ter no quadro dos tribunais de comércio juízes que sejam empresários experimentados (à semelhança dos tribunais de comercio franceses, que têm como juízes commerçants) e, no mesmo sentido, assegurar aos juízes o apoio por parte de peritos especializados na matéria em disputa.

É ainda fundamental reduzir drasticamente a dimensão das peças escritas e sintetizar as decisões judiciais, realizar todas as audiências eminentemente processuais por via telemática, para o que é necessário dotar os tribunais de meios tecnológicos, aproveitando o futuro próximo do 5G.

Por último, destaco a relevância de fixar no início do processo os termos e os tempos da produção de prova, com recurso a depoimentos escritos e/ou gravados previamente, sendo estes apenas objeto de cross examination; em sequência, fixar no início do processo e após audição (por via telemática) das partes o tempo de duração do mesmo pelo tribunal. Se na generalidade da indústria e dos serviços é possível calcular o tempo de produção, nos tribunais tem de ser possível também.

As medidas concretas têm de ter um propósito. Este deve ser (em matéria de justiça económica), pôr a justiça económica ao serviço das empresas e dos consumidores. Não vejo esta resposta concretizada no PRR.

  • Nuno Líbano Monteiro
  • Sócio sénior na área de Resolução de Litígios da PLMJ

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