BE quer que pais de filhos até 12 anos possam optar por teletrabalho de forma unilateral
A lei laboral diz hoje que pais de crianças até três anos podem pedir para teletrabalhar, sem que o empregador possa recusar. BE quer que trabalhadores com filhos até 12 anos tenham mesmo direito.
O Bloco de Esquerda quer que os trabalhadores com filhos menores de 12 anos possam optar por exercer as suas funções em teletrabalho ou em regime de trabalho à distância, mesmo contra a vontade do empregador, isto é, sem que este possa opor-se ao pedido. Isto desde que o trabalho em causa seja compatível com a modalidade remota e que a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito. Esta proposta consta do ante-projeto de lei apresentado, esta quinta-feira, pelo Bloco de Esquerda na Assembleia da República, cujo objetivo é alterar o regime jurídico-laboral do teletrabalho, “garantindo maior proteção ao trabalhador”.
A pandemia de coronavírus atirou milhares de trabalhadores para o teletrabalho e pôs a nu, consequentemente, a necessidade de densificar e alterar o enquadramento legal dessa modalidade, entendem os bloquistas.
Por isso, o BE decidiu avançar com um ante-projeto de lei que propõe, além da medida já referida, o alargamento do período em que o trabalhador pode denunciar o acordo de teletrabalho e o reforço do direito a desligar. O partido liderado por Catarina Martins quer, além disso, assegurar que, em teletrabalho, cabe ao empregador pagar as despesas da energia, água e telecomunicações resultantes da prestação do trabalho à distância.
No diploma que deu entrada, estar tarde, no Parlamento, o Bloco de Esquerda coloca em cima da mesa, ao todo, 15 grandes propostas. Nesse pacote consta nomeadamente o alargamento do universo dos pais que podem optar por teletrabalhar, independentemente da vontade do empregador.
Atualmente, o Código do Trabalho determina que o teletrabalho pode ser adotado sem o “sim” da empresa nas seguintes circunstâncias: caso o trabalhador que seja vítima de violência doméstica apresente queixa-crime e saia da casa da morada de família; Ou caso o trabalhador tenha filhos com idades até aos três anos, sempre que a atividade desempenhada seja compatível e a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito.
O Bloco de Esquerda pretende agora alterar esse desenho legislativo, propondo que os trabalhadores com filhos ou outros dependentes a cargo menores de 12 anos (ou independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica) possam também optar pelo teletrabalho ou em regime de trabalho à distância (nomeadamente em horários flexível), sempre que as funções o permitam e haja condições para tal, sem que o empregador possa opor-se à decisão. O mesmo se deveria aplicar, entendem os bloquistas, aos trabalhadores a quem seja atribuído o estatuto de cuidador não principal de pessoa dependente, nos termos da lei.
A respeito da opção pelo teletrabalho, o Bloco de Esquerda quer ainda que o contrato celebrado entre o trabalhador e o empregador seja necessariamente escrito e deixe claro o “modo de instalação e manutenção dos instrumentos de trabalho”, o modo de pagamento das despesas inerentes de consumo e utilização e a periodicidade das deslocações presenciais do trabalhador às instalações da empresa, que deverão ocorrer”, no mínimo mensalmente”.
No mesmo ponto, os bloquistas propõem agravar as coimas aplicadas aos empregadores que não respeitem a decisão pelo teletrabalho dos trabalhadores que tenham direito a escolhê-lo de modo unilateral, passando de contraordenção leve a grave.
E querem ver reforçado o direito a desligar, estabelecendo que o empregador tem de se abster de comunicar com o trabalhador “fora do tempo de trabalho através de ferramentas digitais, como telefonemas, mensagens de correio eletrónico e outras”. A este propósito, o BE acrescenta: “O dever de desconexão por parte do empregador inclui, nomeadamente, disposições práticas para desligar ferramentas digitais para fins de trabalho durante o período de descanso do trabalhador e indicação dos tempos de pausa”.
Por outro lado, o Bloco de Esquerda propõe criar uma nova norma no Código do Trabalho que preveja a possibilidade de o empregador recusar o teletrabalho aos tais trabalhadores com filhos até 12 anos ou vítimas de violência doméstica. Nesse caso, a empresa teria de comunicar a recusa no prazo de 20 dias, por escrito e com “os fundamentos previstos na presente lei, especificando os motivos da incompatibilidade com a atividade desempenhada“.
O empregador teria, contudo, de provar que o pedido de teletrabalho “acarreta encargos de ordem financeira e técnica desproporcionados”, se a recusa tivesse como fundamento a indisponibilidade de recursos e meios para o teletrabalho. Do lado do trabalhador, ficaria fixado, sugerem os bloquistas, a possibilidade de enviar o processo para “para apreciação pela entidade competente na área da igualdade no trabalho e no emprego, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de recusar e da apreciação do trabalhador”.
Outra das medidas principais propostas agora pelo Bloco de Esquerda é o esclarecimento de quem deve pagar as despesas inerentes ao teletrabalho. O Governo entende que cabe ao empregador pagar os custos com telefone e internet, mas nada mais. Já os bloquistas propõem a seguinte alteração à lei laboral: “Cabe ao empregador assegurar a respetiva instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas, nomeadamente os custos fixos gerados pelo uso de telecomunicações, água, energia, incluindo climatização, e outros conexos com o exercício das funções”. Não se diz, contudo, como deve ser feito ou calculado esse pagamento.
Em declarações aos jornalistas, o deputado José Soeiro sublinhou que essa abertura quanto ao cálculo serve também para permitir a sua adaptação às diversas situações e setores. O bloquista sugeriu que esse apuramento pode partir das faturas do trabalhador ou pode ser fixado um subsídio para o efeito, ambas soluções “válidas”. Não propõem, contudo, inscrever na lei especificamente nenhuma dessas soluções, considerando que os trabalhadores ficam suficientemente protegidos com as alterações apresentadas.
Quanto às despesas de teletrabalho devidas aos trabalhadores que estiveram em regime remoto no último ano, José Soeiro frisou que cabe ao Governo atuar e fazer com que o que está disposto hoje no Código do Trabalho seja respeitado pelas empresas. Tal pode passar, propôs, por uma atuação mais enérgica da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
No mesmo ante-projeto de lei, o BE propõe também que se clarifique na lei laboral a obrigação do empregador continuar a pagar o subsídio de refeição aos teletrabalhadores, que se defina os conceitos de teletrabalho e trabalho à distância e que se alargue de 30 para 90 dias o período em que o trabalhador pode denunciar o acordo de teletrabalho. Os bloquistas pretendem, porém, que a empresa continue a dispor apenas de 30 dias para reverter essa decisão pelo trabalho remoto.
O partido liderado por Catarina Martins defende, além disso, que a violação reiterada do direito a desligar deve constituir assédio. O ante-projeto de lei apresentado esta quinta-feira prevê a sua entrada em vigor 30 dias após a sua publicação, não produzindo efeitos retroativos.
Além do BE, também o PS, PCP, PAN e PSD vão apresentar, nas próximas semanas, propostas para alterar o Código do Trabalho no que diz respeito ao teletrabalho. Já o Governo diz que está a aguardar a apresentação do Livro Verde do Futuro do Trabalho — o que deverá acontecer ainda este mês — para iniciar essa discussão, não se comprometendo com alterações legislativas.
Aos jornalistas, José Soeiro disse que, apesar da preparação do Livro Verde, cabe aos partidos e ao Governo a formulação de propostas de alteração à lei, esperando que se faça no Parlamento o caminho que permite que essas mudanças se concretizem. “Temos muita vontade de entrar neste processo legislativo com toda a abertura para proteger os trabalhadores. Agora sem conhecer formulações exatas dos outros partidos, é difícil dizer exatamente em que matérias estaremos de acordo“, afirmou o deputado.
A adoção do teletrabalho é atualmente obrigatória, ao abrigo do estado de emergência e para conter a propagação do vírus pandémico. Isto sempre que as funções sejam compatíveis e haja condições para tal, independentemente do tipo de vínculo laboral e de haver ou não acordo entre as partes.
(Notícia atualizada às 18h24)
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