Operação Marquês. Quais os argumentos usados pelo juiz Ivo Rosa?

Leia como Ivo Rosa sustentou no despacho uma decisão de não pronúncia para a maioria dos crimes e dos arguidos naquele que é já o processo mais mediático e controverso da Justiça portuguesa.

O juiz Ivo Rosa decidiu esta sexta-feira pela não pronúncia de José Sócrates no que toca a quase todos os crimes de que estava acusado.

Dos 189 crimes imputados a 28 arguidos pelo Ministério Público no seu despacho de acusação, apenas restaram 17 distribuídos pelos cinco arguidos que vão a julgamento.

Do total de 25 crimes de que estava acusado, o ex-primeiro ministro socialista apenas vai a julgamento por seis: três de lavagem de dinheiro e três de falsificação de documento. Ricardo Salgado por três de abuso de confiança, Carlos Santos Silva pelos mesmos de Sócrates, João Perna por um de detenção ilegal de arma e Armando Vara por um de branqueamento de capitais.

O despacho – que conseguiu ultrapassar o volume da acusação (tem 6.728 páginas, mais duas mil que a a decisão do Ministério Público) e mais de um milhão de palavras — prima pela diferença, desde logo, porque pela primeira vez na história da nossa Justiça, uma decisão judicial foi lida e transmitida em direto pelas televisões. Apesar disso, Ivo Rosa não deixou de estar mais de três horas a ler a súmula que tinha preparado, numa sala em que, dos arguidos, apenas estavam José Sócrates, Rui Mão de Ferro e Gonçalo Trindade Ferreira com uma audiência repleta de jornalistas.

Mas afinal, de que se valeu, juridicamente e factualmente, o magistrado Ivo Rosa? Como conseguiu justificar que, dos 189 crimes, apenas 17 vão ser analisados em sede de julgamento (a não ser que a decisão da Relação os ‘reponha’) e que, dos 28 arguidos, apenas cinco irão passar a julgamento? Como conseguiu o juiz de instrução criminal — que ficou com o processo nas mãos depois do seu (único) colega no Ticão, Carlos Alexandre, ter validado praticamente tudo o que o Ministério Público pediu?

Corrupção relativa ao Grupo Lena

  • O magistrado começou logo por explicar o que ‘fez’ aos factos previstos na acusação relativos ao Grupo Lena. E a palavra prescrição fez prever o que aí vinha. Diz o despacho que o crime de corrupção passiva foi efetivado a 25 de janeiro de 2007 e que cinco anos depois já estava prescrito. Ou seja: a corrupção relativa ao Grupo Lena dizia respeito a finais de março de 2011 (três milhões respeitantes a Venezuela), a 2011 (um milhão relativo ao TGV) e 2012 e 2014 relativo aos negócios de Angola, Argélia e Venezuela de mais de um milhão de euros).
  • O juiz faz questão de criticar a tese do Ministério Público, dizendo que esta violou o princípio da legalidade já que a alteração legislativa de 2010, que alargou o prazo de prescrição dos crimes de corrupção de cinco para 15 anos, entrou em vigor a 1 de março de 2011. “Porém, este alargamento do prazo não pode ser aplicado a processos atinentes a factos anteriores”, violando -se assim o princípio da legalidade”, afirma o juiz.
  • “Não se mostra indiciada a existência de uma promessa de vantagem por parte do arguido Joaquim Barroca e de uma aceitação ou solicitação de vantagem por banda de Sócrates, enquanto primeiro-ministro, para a prática de atos relacionados com o concurso TGV e com a diplomacia económica em favor dos interesses do Grupo Lena e do arguido Joaquim Barroca”, diz o despacho;
  • “Não se mostra indiciada a existência de uma ordem ou orientação dada pelo primeiro-ministro Sócrates quanto à definição das regras e condução do procedimento concursal relativo ao TGV”, diz o juiz, notando que a acusação “não identifica um único ato concreto, um membro do Governo, um administrador da RAVE e da REFER ou um membro do júri que tenha sido instrumentalizado” por Sócrates por forma a conduzir o concurso em prol da prossecução dos interesses do consórcio ELOS e em detrimento do interesse público;

Vale do Lobo e Armando Vara

  • José Sócrates estava também acusado de corrupção passiva de titular de cargo político com Armando Vara, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos. Em causa estava o alegado favorecimento do grupo Vale do Lobo no empréstimo de 284 milhões de euros aprovado em 2007 pela CGD a troco do pagamento de um milhão de euros. Já Armando Vara também terá recebido um milhão de euros para garantir a concessão desse empréstimo.
  • A defesa argumentava que este um milhão de euros recebidos por Vara, a partir de contas de Joaquim Barroca nada tinham a ver com contrapartidas recebidas pela aprovação do crédito de Vale do Lobo. Ivo Rosa concluiu que não existia ligação entre isso e a nomeação de Armando Vara para o cargo, como também teria tido influência na atribuição do empréstimo da CGD ao grupo de investidores de Vale do Lobo;

E o que se passou entre Sócrates e Salgado, segundo Ivo Rosa?

  • Ricardo Salgado, dizia a acusação, terá transferido para as contas de Carlos Santos Silva e para o primo de José Sócrates. No total eram quase 30 milhões de euros para que alegadamente Sócrates beneficiasse o GES no que respeitasse à PT. E, mais uma vez, esses crimes prescreveram. No entanto, tal como o que se passou face ao Grupo Lena, os indícios tamb´me não estavam lá. Lá, na acusação. Que falava em acordos entre José Sócrates e Ricardo Salgado entre março de 2006 e junho de 2010. E porquê? Os testemunhos de Teixeira dos Santos, Paulo Campos, António Mendonça e Zeinal Bava.
  • Ivo Rosa considerou que os testemunhos de José Sócrates e de Ricardo Salgado foram credíveis e sustentados por documentos como cartas oficiais e atas da Assembleia-Geral da PT.
  • No que respeitou ao depoimento de Hélder Bataglia, Ivo Rosa desvalorizou. .Bataglia disse a Rosário Teixeira, em 2017, que o então presidente do BES lhe pediu para transferir cerca de 15 milhões de euros para Carlos Santos Silva. Método que foi chamado por muitos da, entretanto muito falada, delação premiada. Bataglia garantiu que não sabia que os fundos tinham como destino José Sócrates, mas concretizou o pedido de Salgado porque não se podia recusar um pedido de Ricardo Salgado.

Uma acusação “delirante” e “fantasiosa

  • O magistrado não poupou críticas à tese do Ministério Público, mesmo com Rosário Teixeira sentado ao lado. Apelidou a mesma de “delirante”, uma “fantasia” e com “pouco rigor e consistência” ao proferir a decisão de enviar para julgamento cinco dos 28 arguidos.
  • Uma tese que mostrava “falta de coerência”, resultando numa “mera especulação”, uma fantasia e apresentava uma “total falta de razoabilidade nos argumentos, sem apontar factos concretos”, em relação à imputação de muitos dos 189 crimes de que os arguidos vinham acusados;
  • A conclusão a que chegou a acusação trata-se apenas “de mera especulação projetada para fora do domínio da racionalidade prática, sem qualquer suporte em concretos argumentos e elementos de prova objetivos”, pode ler-se na decisão sobre o segmento de crimes referentes ao primeiro-ministro, Ricardo Salgado e a PT (Brasil Telecom/Oi)”, disse ainda Ivo Rosa.

 

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