Governo entrega Programa de Estabilidade com folga para 2022
O Programa de Estabilidade entregue esta quinta-feira pelo Governo é a antecâmara do OE2022 e da política para a retoma pós-Covid. Da UE veio a carta branca para gastar em 2022. Mas será usada?
Em ano de pandemia, o Governo não fugiu ao seu histórico e registou um défice orçamental mais baixo do que o estimado: 5,7% do PIB. As Finanças justificam-no com o melhor desempenho da economia, mas as críticas chegam da esquerda à direita. Esta quinta-feira é entregue o Programa de Estabilidade 2021-2025 em que se define a trajetória das contas públicas e da economia para os próximos quatro anos. Da União Europeia já chegou orientação para não se olhar para o défice no próximo ano. Mas será que essa folga será usada em Portugal?
Tudo caminha no sentido de a União Europeia manter as regras orçamentais suspensas em 2022. A Comissão Europeia deu orientações nesse sentido, vários países vieram logo elogiar essa posição e o Eurogrupo acabou por sinalizar que concorda. Falta a formalização, mas os países já devem preparar o Programa de Estabilidade e o próximo Orçamento do Estado tendo em mente que não têm de cumprir o limite do défice de 3% do PIB ou a regra da redução da dívida pública em 2022, tal como indicaram o presidente do Eurogrupo, Paschal Donohoe, e o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, em discursos.
Na prática, isto significa que os países podem gastar mais e durante mais tempo para colmatar os impactos da crise pandémica, através de mais apoios temporários e deixando os estabilizadores automáticos (como o subsídio de desemprego) funcionar sem restrições, tal como tem prometido o ministro das Finanças, João Leão. O lema na UE continua a ser de evitar que se retire os estímulos de forma prematura, causando mais danos económicos. “Nas circunstâncias atuais, os riscos de fazer pouco superam os riscos de se fazer demasiado“, resumiu Paolo Gentiloni, comissário europeu para a economia.
O Programa de Estabilidade que o Governo vai entregar esta quinta-feira à Assembleia da República (e até ao final do mês à Comissão Europeia) trará uma deterioração do cenário macroeconómico em 2021 e já terá este enquadramento europeu para 2022, mas não se sabe se Leão vai aproveitar ou não a “folga” dada pela suspensão das regras. Nos últimos documentos oficiais do Executivo (OE2021 e PRR), as previsões apontam para um défice abaixo de 3% do PIB em 2022, mas as circunstâncias mudaram significativamente desde então. Porém, mesmo agora, se o Governo nada fizer (em políticas invariantes), o défice pode baixar para os 2,1% (previsão do CFP) ou para os 1,9% (previsão do FMI) no próximo ano, tal como se previa no OE2021 por causa do caráter temporário das medidas.
Ou seja, as Finanças terão mesmo de gastar mais (ou abdicar de mais receita) com novas medidas ou o reforço das existentes para aproveitar a margem para abrir os cordões à bolsa. Os economistas contactados pelo ECO antecipam que o Governo vá optar pela prudência e, por isso, se a pandemia não o exigir, não irá além de um défice de 3% do PIB para evitar ficar com o estigma de “mau aluno”, algo que marcou Portugal na crise anterior.
Filipe Garcia, da IMF, considera que “Portugal percorre um caminho estreito” entre, por um lado, a necessidade de dar apoios por causa da crise pandémica e, por outro lado, dar a imagem de que tem as contas públicas controladas. “É difícil que o Governo tire o pé” da despesa pública neste momento, reconhece. “Porém, há a consciência do Governo de que este alinhamento europeu de autorização para gastar não irá durar para sempre“, diz o analista, assinalando que “quanto pior estiver o rácio da dívida pública, mais vulneráveis estamos a uma subida da taxa dos juros”. Assim, a expectativa de Garcia é que o Executivo continue a optar pela “prudência”, com um défice alto em 2021 mas uma redução para um valor inferior a 3% em 2022, no pressuposto de que a economia volta a alguma normalidade dado o processo de vacinação.
“Portugal tem vivido muito da perceção de ser um país em dificuldades mas cumpridor e este é um capital que se vai tentar preservar“, antecipa o analista da IMF, concluindo que “para 2022 não faria sentido apresentar um valor de défice acima dos 3% do PIB”, mesmo com a indicação de Bruxelas de que pode gastar. “Seria mau dar a sensação de que, se não vai haver penalização, então vamos gastar… Diria que Portugal só tem tido uma postura orçamental prudente para não ter penalização”, argumenta, referindo que essa postura será bom para o resto da economia na medida em que manterá a confiança. Caso a pandemia ainda não esteja controlada em 2022 o Governo pode sempre mudar de planos, nota.
João Loureiro, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, concorda com a visão de que o Governo tem mantido a “disciplina orçamental” em 2020 e 2021 e que tal continuará em 2022. “O Governo manifestou a vontade de não acumular dívida pública“, diz, recordando a opção de aproveitar apenas uma pequena parte dos empréstimos disponíveis no Programa de Recuperação e Resiliência. Ainda assim, o economista admite que o exercício de previsão do Programa de Estabilidade “tem um elevado grau de incerteza” pelo que acaba por ser um “formalismo” que tem de ser cumprido, mas que é mais um “exercício teórico”.
Mas do ponto de vista económico faria sentido ter um défice maior no próximo ano? João Loureiro diz ter “dúvidas” uma vez que as “economias estão estagnadas mas não é pelos motivos convencionais” como a procura reprimida por falta de confiança. A causa (a pandemia) é temporária e o economista antecipa que os consumidores não precisam de “nenhum empurrão”, além do levantamento das restrições, para aumentar a despesa. “Assim que a economia for libertada, não necessita de estímulo adicional“, prevê, assinalando que “o potencial do país não vai desaparecer, mas pode demorar algum tempo até haver recuperação”.
Filipe Garcia considera que depende de qual for o tipo de despesa, nomeadamente se é para aumentar os salários da função pública sem ligação à produtividade ou se é para dar mais benefícios fiscais ao investimento para criar dinamismo à economia. Para o analista “não há grandes motivos para apresentar um défice tão alto, após a retirada dos apoios temporários“, argumentando que a prudência orçamental do Estado é positiva para os restantes agentes económicos, os quais são afetados (em termos de custo de financiamentos, por exemplo) quando a confiança dos mercados financeiros no país é afetada.
OE 2022 trará “programa de retoma da economia”. Flexibilidade orçamental pode ir até ao final da legislatura
Em termos políticos, a perspetiva de não se ter de controlar o défice no próximo ano deverá ajudar nas discussões para o Orçamento do Estado, um momento que tinha sido definido por muitos observadores políticos como de rotura para a atual maioria parlamentar de esquerda. Com mais margem para gastar e com o Plano de Recuperação e Resiliência já em marcha, o Executivo terá uma maior capacidade de negociação com o PCP e até com o Bloco de Esquerda, caso regresse à mesa das negociações. Em entrevista ao ECO, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, disse que será “um Orçamento que tem de relançar e retomar a nossa economia”, mostrando-se convencido de que haverá “espaço de diálogo” com os parceiros à esquerda.
A mensagem política do Governo para 2022 tem sido de esperança na retoma. Em entrevista à RTP3, o ministro das Finanças anunciou que o OE2022 terá um “programa focado na recuperação da economia” que passará por “forte investimento público”, com a ajuda do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), e por “medidas de recuperação económica e social”. Este Orçamento terá uma “estratégia de recuperação da economia e dos efeitos sociais da crise, na área da saúde e noutras áreas importantes”, garantiu. Além disso, deixou o compromisso de não aumentar impostos, ao contrário do sugerido pelo FMI (para os mais ricos) e pela OCDE (para o ambiente e património).
O Governo poderá mesmo contar com maior flexibilidade orçamental por parte das regras europeias até ao final da legislatura — no calendário “normal”, as próximas legislativas serão em outubro de 2023 –, o que contrasta com a legislatura anterior que ficou marcada pela consolidação orçamental e o primeiro excedente da democracia. Isto porque a Comissão Europeia deixou explícito que os países com uma retoma mais lenta, como é o caso de Portugal, vão gozar de uma maior flexibilidade. Apesar de a média do PIB europeu chegar ao nível pré-pandemia a meio de 2022, essa previsão esconde uma divergência significativa entre países, nomeadamente os do Sul e os do Norte por causa da dependência do turismo. No caso de Portugal, as previsões apontam para que recupere totalmente no final de 2022.
Assim, em 2023, mesmo com as regras orçamentais reativadas, a Comissão compromete-se a usar “toda a flexibilidade” que está no Pacto de Estabilidade e Crescimento. “As situações específicas de cada país irão continuar a ser tidas em conta após a desativação da cláusula geral de escape”, assumiu a Comissão, referindo-se à cláusula que permitiu que as regras orçamentais estivessem suspensas em 2020 e 2021 e, em princípio, em 2022, para todos os países europeus. Falta agora saber se o Governo quererá apelar a uma maior flexibilidade também em 2023, sendo que as previsões do Programa de Estabilidade já devem dar pistas sobre qual a vontade do PS.
Até porque, apesar de toda a flexibilidade, a União Europeia não descarta a mensagem de que os países mais endividados devem ter uma política “mais prudente” e que os apoios devem ser temporários e não definitivos (permitindo uma redução rápida do défice quando forem retirados). Isto é, no médio e longo prazo, países como Portugal terão sempre de implementar medidas para baixar o rácio da dívida pública para níveis mais sustentáveis, mesmo que as regras orçamentais mudem na sequência desta crise. A Comissão Europeia pretende arrancar ainda este ano com o debate sobre o futuro das regras.
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