Histórica Garagem Liz, em Lisboa, vai ser transformada num mega Continente
A Câmara de Lisboa aprovou a instalação de um Continente na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, num edifício classificado como Imóvel de Interesse Público.
Uma das maiores artérias da cidade de Lisboa vai ganhar um mega Continente. O supermercado vai nascer na Avenida Almirante Reis, na histórica Garagem Liz, edifício que está classificado como imóvel de interesse público e do qual a Sonae MC é arrendatária. A proposta entregue pela retalhista, que prevê a instalação de um Continente, foi aprovada esta quinta-feira em reunião camarária, sabe o ECO.
Mesmo no fim da Avenida Almirante Reis, onde se inicia a Rua da Palma, está a Garagem Liz, um edifício construído em 1933, classificado como Imóvel de Interesse Público. O imóvel, com uma área total de 2.546 metros quadrados (distribuída por dois andares). Propriedade de privados, o edifício tem como inquilinos a Sonae MC (que nada tem instalado no imóvel), a Garagem Auto Lis (que sai ao fim de mais de 50 anos) e a Cervejaria Barca Bela.
O ECO falou com os sócios da Cervejaria Barca Bela, que dizem ter sido “convidados a sair” há cerca de cinco anos. Contudo, ao contrário dos restantes inquilinos — que acabaram por ter de sair –, estes empresários tinham a lei do lado deles e conseguiram ficar. Hoje, aquele restaurante ocupa três lojas. “Em 2002 fizemos obras e adquirimos a pastelaria. Foi tudo de acordo com o senhorio. E valeu para ficarmos cá mais uns anos”, dizem.
Esta quinta-feira, foi levada a reunião camarária uma proposta para converter este edifício num mega Continente. O projeto acabou aprovado com os votos a favor do PS, PSD e CDS e os votos contra do PCP e Bloco de Esquerda.
O documento refere ainda que, pelo facto de o imóvel ser considerado de Interesse Público, foi necessária a aprovação da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), “que emitiu, por três vezes, o seu parecer, nas duas primeiras fases, a 02/09/2019 e a 13/08/2020, com pareceres favoráveis condicionados (do ponto de vista técnico), e depois, a 26/11/2020, emitindo parecer favorável condicionado”.
O Departamento de Gestão da Mobilidade também se pronunciou, tendo emitido dois pareceres desfavoráveis — a 28 de julho de 2020 e a 27 de novembro de 2020 — e um terceiro favorável, a 8 de março de 2021. O Departamento de Higiene Urbana também deu “luz verde” ao projeto, assim como a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, onde o imóvel está localizado.
Projeto prevê estacionamento e escritórios no piso superior
De acordo com a proposta a que o ECO teve acesso, em causa está a “alteração de uso da antiga ‘Garagem Liz’ para um novo estabelecimento comercial (supermercado), propondo a substituição das caixilharias exteriores, mantendo o desenho do alçado original, a demolição da compartimentação interior existente (…), com a reconstrução da cobertura”. A ideia é o supermercado no piso térreo e um parque de estacionamento e escritórios no piso superior.
Na Memória Descritiva do projeto pode ler-se que o projeto em questão passa, basicamente, por uma “obra de alteração no interior do edifício que não implicará qualquer modificação na estrutura de estabilidade”, a não ser a instalação de um elevador. Além disso, não haverá “qualquer modificação na cércea, na forma da fachada ou da cobertura”.
O objetivo é “reconfigurar a organização interior para a instalação de um espaço comercial e de serviços no piso térreo, com as respetivas áreas de venda e de suporte às operações, como armazenagem, espaços sociais para os funcionários e escritórios, bem como outros espaços de arrumos e instalações sanitárias de utilização geral pelos utentes e clientes”.
Haverá ainda uma “zona interior dedicada exclusivamente às ações de carga e descarga, com capacidade de estacionamento de veículo de transporte de mercadorias, para abastecimento dos espaços comerciais e de serviços, para que não ocorram situações de conflito na via pública”. A memória descritiva refere que “não serão utilizados veículos pesados de média ou grande dimensão”.
CML diz que projeto passa a ter “relevância social e económica”
Em declarações ao ECO, a vereadora do PCP na CML, Ana Jara, aponta várias informações omissas no projeto. “Este processo é esvaziado de detalhes sobre uma série de questões… garantia de preservação do património classificado, arrendamento dos lojistas atuais, impacto de uma grande superfície no comércio local”, diz, justificando o voto contra que foi dado na reunião de Câmara.
Outra das preocupações tem a ver com o trânsito naquela avenida, que é uma das mais concorridas da cidade de Lisboa. A entrada para o supermercado está prevista acontecer pelas traseiras do edifício, o que levanta dúvidas quanto à descarga de mercadorias que será feita diariamente. “As ciclovias, a ‘cidade em 15 minutos’ [em termos de fáceis acessos e pouco trânsito]… nada disto será vertido quando se licencia um supermercado deste tamanho num edifício tão icónico dentro desta avenida“, afirma Ana Jara, acrescentando que “isto vai ter repercussões no comércio local”.
Para a vereadora comunista, deve olhar-se para este edifício com foco nas “questões sociais e locais”, naquilo que “a Câmara entende que deve ser uma cidade” e “não no que o promotor quer”. “O edifício deveria ser cuidadosamente restaurado e ter um uso mais do ponto de vista social”, defende, acrescentando: “Para que a cidade de 15 minutos comece a acontecer é necessário começar a programar os seus usos”.
Questionada pelo ECO, fonte oficial da CML refere que o projeto “permite reabilitar e salvaguardar o património cultural edificado”. “Acresce que os pequenos supermercados de bairro, de várias insígnias, permitem o acesso a pé aos moradores, o que tem especial interesse sobretudo para os mais idosos que ficam com uma oferta comercial mais variada e acessível”.
Sobre os impactos para o tráfego na zona, a autarquia comenta que “a questão das cargas e descargas foi devidamente acautelada” de forma a que “não ocorram situações de congestionamento na via pública”. Trata-se de um “projeto que permite reabilitar mais um edifício com interesse patrimonial, que passa a ter uma utilização com relevância social e económica e que dará a origem a mais postos de trabalho na cidade de Lisboa“.
O ECO questionou também a Sonae MC para perceber mais detalhes sobre o projeto, nomeadamente o investimento previsto e datas para as obras, mas a empresa respondeu apenas que “está sempre disponível para avaliar novas localizações para as suas lojas, mantendo a identidade e a história dos edifícios que adquire ou arrenda” e que neste momento “é ainda prematuro dar mais informação sobre este tema”.
Os terrenos onde a Garagem Liz está pertenciam à Condessa de Geraz de Lisboa. No final de 1887, foi inaugurado naqueles terrenos o Teatro Circo Real Coliseu de Lisboa e, em 1917, o edifício foi arrendado à Administração dos Correios e Telégrafos, lê-se no site da DGPC. Em 1926, o edifício foi demolido e em 1933, a empresa J. Caldas entregou na CML o pedido de construção da Garagem Liz.
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