“É o direito que serve a política, não é a política que serve o direito”

  • Paulino Brilhante Santos
  • 2 Junho 2021

Esperamos é que desta “Operação Marquês” e do seu inesperado desfecho - por agora - não saia mais uma fúria legislativa precipitada. Seria “pior a emenda do que o soneto”.

Esta afirmação altamente perigosa para o Estado de Direito Democrático não foi proferida por José Sócrates mas por Sua Excelência o Senhor Presidente da República e tem, claramente, que ser contextualizada, dado que obviamente não consideramos o Chefe do Estado antidemocrático ou, menos ainda, como um líder autoritário. Tomada à letra, permitiria justificar todos os desmandos de regimes agora chamados de populistas, que entendem que a democracia é meramente um sistema de realização ritual de eleições, de preferência manipuladas, como o regime de Jair Bolsonaro, de Donald Trump – que acabou em tragédia -, e outros ainda piores como os de Nicolás Maduro e de Vladimir Putin.

Por isso, não entendo o clamor contra o Juiz Ivo Rosa que se limitou a aplicar a lei conforme em consciência a entendeu. Seria dispensável demolir com adjectivos fortes as provas do Ministério Público quanto a crimes prescritos. A prescrição é uma excepção peremptória e como tal, obsta ao conhecimento dos factos e matéria de direito, neste caso da eventual prática de um crime. Por isso, temos dúvidas que de um crime de corrupção prescrito se possam basear acusações de crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documentos que nem sequer constavam inicialmente da acusação contra José Sócrates. Acresce que os cidadãos, por mais frustrados que estejam, terão de reconhecer que caberia ao Ministério Público provar a culpabilidade dos arguidos na “Operação Marquês” e evitar a prescrição dos crimes e não o contrário, por muito fortes que fossem os indícios contra os arguidos.

O que tanto este triste caso José Sócrates como o caso do aumento dos apoios sociais, que deu origem à frase do Senhor Presidente da República que tomámos de empréstimo como título deste artigo, têm em comum, quase 50 anos depois do 25 de Abril, é a genérica falta de respeito pela Constituição. Ainda falta alguma coisa para que Portugal possa ser uma democracia liberal e um Estado de Direito Democrático. Já agora, não existe, pura e simplesmente, qualquer outra forma de democracia que não a democracia liberal, e o Estado de Direito Democrático deve balizar toda a acção política. Os políticos podem alterar a lei. Mas, uma vez estando a lei em vigor, devem cumpri-la e fazê-la cumprir, permitindo ainda a sua aplicação por um poder judicial independente. Serão os casos de injustiça social e os casos de injustas absolvições de arguidos em processos gravíssimos de corrupção, um cancro que mina a democracia? Certamente! Mas, num Estado de Direito Democrático, a lei é a lei ou dura lex sed lex como diziam os romanos há mais de 1500 anos.

Esperamos é que desta “Operação Marquês” e do seu inesperado desfecho – por agora – não saia mais uma fúria legislativa precipitada. Seria “pior a emenda do que o soneto”. O problema não nos parece estar nas leis, mas antes na sua aplicação, tal como no caso do aumento dos apoios sociais, o problema não estava nem está na Constituição, mas outrossim em embates políticos e até em birras políticas nos quais a Constituição terá sido e poderá continuar a ser brandida como arma de arremesso.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • Paulino Brilhante Santos
  • Sócio da Valadas Coriel & Associados

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