Fundo de Recuperação não pode ser “dinheiro de helicóptero”
“Se este dinheiro for utilizado para financiar políticas existentes, não levará a lado nenhum. Mas se forem postas em prática novas políticas, então terá sido bem investido”, diz Juncker.
O ex-presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker entende que o plano de recuperação para fazer face à crise da Covid-19 “aponta na direção certa”, mas adverte contra a aplicação dos vastos fundos num modelo de lançar “dinheiro do helicóptero”.
Numa entrevista concedida à Lusa em Bruxelas, no escritório que mantém na sede da Comissão Europeia, à qual presidiu entre 2014 e 2019, Juncker, agora conselheiro especial do executivo comunitário liderado por Ursula von der Leyen, argumenta que o ambicioso pacote «NextGenerationEU» só faz sentido se a “enorme quantidade de dinheiro” (750 mil milhões de euros) for aplicado em “novas políticas”.
“Penso que a decisão que foi tomada pelo Conselho Europeu no ano passado aponta na direção certa. Temos uma enorme quantidade de dinheiro a ser posta à disposição dos Estados-membros. Os montantes envolvidos refletem a necessidade de a União Europeia agir de forma coletiva e unida”, começa por observar.
No entanto, Juncker, que foi também presidente do Eurogrupo, entre 2005 e 2013, considera crucial o dinheiro ser bem aplicado, e diz por isso esperar “que este dinheiro não seja ‘dinheiro de helicóptero’, espalhado assim”, sem discernimento.
O ‘dinheiro de helicóptero’ (helicopter money) é um conceito de política monetária expansionista criado em 1969 pelo Prémio Nobel Milton Friedman e consiste na transferência direta de dinheiro para os agentes económicos individuais, recorrendo à parábola de lançar dinheiro de um helicóptero.
Para Juncker, o plano de recuperação só poderá produzir bons resultados se todos os meios que contempla forem dedicados “a reformas estruturais, no sentido nobre do termo, e programas orientados para o futuro que aumentem as hipóteses de crescimento da União Europeia”.
“Se este dinheiro for utilizado para financiar políticas existentes, não levará a lado nenhum. Mas se forem postas em prática novas políticas, sobretudo a pensar nas gerações mais jovens, então terá sido bem investido”, considera.
Se este dinheiro for utilizado para financiar políticas existentes, não levará a lado nenhum. Mas se forem postas em prática novas políticas, sobretudo a pensar nas gerações mais jovens, então terá sido bem investido.
Para que o plano de recuperação se concretize no verão, como previsto, é necessário não só que os 27 Estados-membros vejam os respetivos Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) aprovados pela Comissão e pelo Conselho, mas também que todos os países completem o processo de ratificação da decisão de recursos próprios, pois só então o executivo comunitário poderá ir aos mercados emitir dívida comum para angariar os 750 mil milhões de euros do pacote (800 mil milhões de euros a preços correntes).
E até ao momento oito ainda não o fizeram, mas Juncker garante não estar preocupado. “Não, não estou preocupado. Penso que todos os Estados membros se assegurarão, pelos seus próprios esforços parlamentares, de que tudo estará a postos para permitir que a Comissão mobilize esse dinheiro”, afirma.
Questionado sobre se não receia que um ou outro Estado-membro utilize a (não) ratificação da decisão como forma de chantagem sobre a UE para obter outros ganhos, um cenário que não é novo do projeto europeu, Juncker responde: “Aconselho-os vivamente a não o fazerem”.
“É uma desculpa demasiado fácil para maus comportamentos nacionais colocar toda a responsabilidade na Comissão Europeia. Esta é uma responsabilidade do Parlamento — do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais –, dos governos nacionais e da Comissão. De todas estas instituições. Tanto as instituições europeias como as nacionais têm de agir em conjunto”, de modo a que o plano de recuperação efetivamente ajude a Europa a superar a crise da Covid-19.
Em 14 de abril passado, a Comissão Europeia adotou “uma estratégia de investimento diversificada para mobilizar cerca de 800 mil milhões de euros, a preços correntes, até 2026”, para financiar o «NextGenerationEU», peça central da resposta da UE à pandemia da Covid-19, contando ter toda a “máquina montada” em junho, para em julho ir aos mercados.
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