Bruxelas quer “salários mínimos adequados”, mas portugueses vão continuar longe dos 2.202 euros do Luxemburgo

Bruxelas quer que o salário mínimo garante condições de vida decentes a todos os trabalhadores, mas não pretende uniformizar valores entre os Estados-membros. Portugal está hoje a meio dessa tabela.

A luta por “salários mínimos adequados” é um dos princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, cujo plano de ação será discutido, a 7 e 8 de maio, na Cimeira Social do Porto. A Comissão Europeia até já propôs uma diretiva nesse sentido, em que garante, ainda assim, que não quer prejudicar a autonomia dos Estados-membros e parceiros sociais. Por isso, Bruxelas rejeita avançar com qualquer medida que dite a uniformização dos diferentes valores de salário mínimo hoje registados na Europa, tabela na qual Portugal ocupa um dos lugares do meio. Os trabalhadores portugueses continuarão, deste modo, longe de conseguir atingir os valores praticados na Holanda (1.685 euros mensais) ou no Luxemburgo (2.202 euros mensais).

Foi a 28 de outubro de 2020 que a Comissão Europeia propôs a diretiva dos “salários mínimos adequados”, de modo a garantir que todos os trabalhadores que recebam a retribuição mínima garantida têm acesso a condições de vida decentes. No entender do Executivo comunitário, os salários mínimos podem reduzir as desigualdades remuneratórias, reforçar a procura interna nos países, mitigar o fosso salarial entre géneros e até proteger os empregadores que pagam salários decentes da concorrência.

“O que propomos é um enquadramento para os salários mínimos, com respeito pelas tradições nacionais e pela liberdade dos parceiros sociais. Melhorar as condições de vida e de trabalho não só protegerá os nossos trabalhadores, mas também os empregadores que pagam salários decentes e criará a base para uma recuperação justa, inclusiva e resiliente“, defendeu Ursula von der Leyen, na altura da apresentação da diretiva.

Segundo a Comissão Europeia, a diretiva proposta sinaliza, assim, que todos os Estados-membros — mesmo os que hoje não têm salário mínimo fixado na sua legislação – deverão tomar medidas para fomentar a negociação coletiva, bem como melhorar a fiscalização dos salários mínimos, garantindo, por exemplo, que os agentes associados a contratos públicos cumprem esse patamar, desenvolvendo instrumentos de recolha de estatísticas que serão reportadas anualmente à Comissão Europeia e estabelecendo sanções efetivas e proporcionais para a violação da retribuição mínima.

No que diz respeito especificamente à negociação coletiva, Bruxelas salienta que esta é uma das chaves dos salários mínimos adequados. Aliás, nos países onde a negociação coletiva tem mais força, refere a Comissão Europeia, tende a haver uma menor fatia de trabalhadores com salários baixos e salários mínimos mais altos. Por isso, ao abrigo da referida proposta, os Governos dos Estados-membros onde a cobertura da negociação coletiva é inferior a 70% terão criar incentivos adicionais para a alargar, por via legislativa ou por acordo com os parceiros sociais.

Além disso, os 21 Estados-membros que hoje têm fixados, na sua legislação, salários mínimos nacionais — como Portugal — deverão definir critérios claros e estáveis para a definição desses valores, assegurar que os parceiros sociais são incluídos nesse processo e garantir o acesso efetivo dos trabalhadores a esse limite legar, reforçando a fiscalização e disseminando o informação.

Ainda assim, o Executivo comunitário deixa claro que o propósito desta diretiva não é uniformizar os salários mínimos europeus, nem cristalizar um mecanismo para a sua definição. Antes, é reforçar a adequação das retribuições mínimas praticadas, no Velho Continente, através do estabelecimento de critérios claros.

A Comissão Europeia rejeita, deste modo, estar a pedir que os Estados-membros puxem os salários mínimos para corresponderem a 60% da remuneração média bruta e esclarece, em alternativa, que o que se propõe é que os países definam critérios nacionais baseados no poder de compra, nos níveis gerais das remunerações, na taxa de crescimento dos salários brutos e da produtividade do trabalho.

Na diretiva, diz-se que os Estados-membros deverão usar, pelo menos, um desses indicadores como guia para a retribuição mínima garantida, mas não fica determinado, à partida, qual deles deverá ser selecionado. “Estes indicadores ajudarão os Estados-membros a avaliar se o salário mínimo é justo comparativamente com os salários de outros trabalhadores do mesmo país”, explica o Executivo comunitário.

Esta diretiva proposta pela Comissão Europeia terá agora de passar pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu para se tornar realidade. Uma vez aprovada, os Estados-membros terão dois anos para a transpor para a sua legislação nacional.

É importante detalhar que, atualmente, 21 dos Estados-membros da União Europeia têm fixados salários mínimos por lei. Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália e Suécia são a exceção. Nesses países, a retribuição mínima é definida não por via legislativa, mas através da negociação coletiva.

Entre os referidos 21 países com salários mínimos definidos por lei, os valores praticados variam, de acordo com o Eurostat, entre os 332 euros mensais da Bulgária e os 2.202 euros do Luxemburgo. Portugal aparece a meio da tabela, com 776 euros de salário mínimo a 12 meses (a 14 meses, 665 euros).

A diretiva em questão não colocará todos esses trabalhadores no mesmo nível, rejeitando-se a ideia de um salário mínimo igual em todos os 27. Tal significa que, pelo menos por esta via, os trabalhadores portugueses continuarão longe do salário mínimo luxemburguês, por exemplo. Até 2023, a meta do Executivo de António Costa é aumentar a retribuição mínima para 875 euros (750 euros a 14 meses), o que deverá manter Portugal no grupo de países que ocupam o meio da tabela e onde o salário mínimo varia entre 700 euros e 1.100 euros, a par, por exemplo, de Espanha.

De notar que os salários são, de resto, um dos princípios do Pilar Europeu Dos Direitos Sociais, um texto não vinculativo desenhado para promover os direitos sociais na Europa e que foi proclamado em Gotemburgo, na Suécia, em novembro de 2017, pelas três instituições da União Europeia: Conselho, Comissão e Parlamento.

Nesse documento, defende-se o direito a um salário justo, que permita a satisfação das necessidades dos trabalhadores e das suas famílias, e salienta-se a importância de fixar os salários de forma transparente e previsível.

O plano de ação para a implementação desse pilar será discutido na Cimeira Social do Porto, que acontecerá esta sexta-feira e sábado. O documento destaca três grandes objetivos para a próxima década: atingir uma taxa de emprego de, pelo menos, 78% na UE; assegurar que, pelo menos, 60% dos adultos fazem formação anualmente; E reduzir em pelo menos 15 milhões o número de pessoas em risco de exclusão social ou de pobreza.

Esta Cimeira Social do Porto é um dos momentos mais importantes na presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, que termina em junho. Os salários mínimos são um dos pontos centrais da presidência lusa, que tem feito “muito esforços” no sentido de um acordo sobre esta matéria, de acordo com o comissário europeu do Emprego e com o Governo português.

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