Indústria retoma a todo o gás, mas teme escassez de matéria-prima

Do calçado à metalurgia, o tecido industrial português está a retomar a atividade, mas a escassez e inflação das matérias-primas aliada à carga fiscal "elevada" está a condicionar recuperação.

Depois de 14 meses a sofrer com os impactos da pandemia, os vários setores começam a ver a “luz ao fundo do túnel”. A metalurgia, calçado, mobiliário e têxtil estão a retomar a atividade: as exportações aumentaram, estão a produzir mais e têm mais encomendas. Mas são confrontados com alguns constrangimento como a escassez e inflação das matérias-primas e o aumento do preço do transporte marítimo.

Regra geral, os setores começam a recuperar da pandemia e março foi um “bom mês” para a metalurgia e metalomecânica, mobiliário e calçado. No terceiro mês do ano, a indústria portuguesa de calçado exportou 133,3 milhões de euros, o que representa um crescimento de 20,3% face ao período homólogo, enquanto as exportações da metalurgia cresceram 45% no terceiro mês do ano e “março foi o melhor mês de sempre” ao alcançar 1.960 milhões de euros.

À semelhança da metalurgia, mas com um crescimento menos significativo, o setor do mobiliário continua a mostrar resiliência e mesmo com a pandemia a assombrar o tecido industrial, a procura por móveis cresceu 5% no primeiro trimestre e “março foi o melhor mês de sempre”.

Do lado do têxtil e vestuário, um dos setores mais afetados pela pandemia, as exportações voltaram a crescer. Os últimos dados disponibilizados pelo INE apontam para um crescimento de 26,5% em março deste ano face ao período homólogo e uma subida de 4% face a março de 2019. A contribuir para este bom resultado do trimestre, há a destacar o aumento verificado nas exportações de têxtil lar e roupas mais descontraídas já que muitos estão em casa em regime de teletrabalho.

No entanto, o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Mário Jorge Machado, lembra que as matérias têxteis e vestuário em tecido continuam em terreno negativo. O líder da associação recorda que a roupa mais direcionada ao trabalho e eventos registou uma quebra em janeiro e fevereiro de 24% quando comparado com o ano passado.

Com as exportações de calçado a crescer 20% em março, a Apiccaps está confiante com a retoma e destaca que em março as empresas estavam em níveis relativamente próximos aos que registavam em 2019. “Os sinais são positivos e estamos no melhor período desde o início da pandemia o que nos permite ter alguma esperança redobrada, mas sentimos que ainda temos um longo caminho para percorrer“, conta ao ECO, Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (Apicapps).

Escassez e inflação das matérias-primas está a condicionar a retoma

As encomendas estão a cair, mas a escassez e aumento dos preços das matérias-primas está a ser um problema para a grande maioria do tecido industrial português. O presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro, alerta que a escassez de matérias-primas está a “condicionar fortemente a produção da indústria” e que são muitos os setores afetados. “Há empresas que tiveram mesmo de interromper a atividade, os preços (de transporte, mas também da matéria-prima em si…) dispararam com a pandemia e o problema está a ganhar forma de bola de neve”.

A escassez de chips, por exemplo levou já à paragem de gigantes industriais como a Autoeuropa, a Bosch, Inforlandia e JP Sá Couto. E o problema não terá solução para breve, como já alertaram os responsáveis máximos da IBM e da Intel.

O vice-presidente da Aimmap, Rafael Campos Pereira, corrobora a ideia do líder da AEP e destaca que a escassez e a inflação das matérias-primas está a criar constrangimentos. “Temos empresas que estão com dificuldade porque têm muitas encomendas, mas depois não têm matérias-primas para transformar”.

No caso da metalomecânica, o setor viu o valor do cobre custar três vezes mais e o alumínio e o aço quase a duplicarem o preço. Para além da escassez nas matérias-primas, o setor da metalurgia alerta para a falta de micro processadores, aumento do preço do transporte marítimo e a falta de contentores. Para o vice-presidente da Aimmap, isto são dificuldades que “se somam a uma carga fiscal elevada e ao custo energético que é dos mais elevados da Europa”.

Um cenário semelhante ao mobiliário que viu a madeira, o cartão para as embalagens e os produtos de acabamento aumentaram os preços, no caso do metal para as ferragens o preço triplicou e nos aglomerados existem dificuldades de abastecimento para além do aumento do preço”.

À semelhança da metalurgia e mobiliário, as empresas de vestuário e têxtil também estão a assistir ao aumento de preços das matérias-primas “muito significativos”. O presidente da ATP conta que o setor assiste também à inflação e escassez de produtos químicos utilizados nos processos de transformação, nomeadamente os produtos derivados de petróleo.

Há empresas que tiveram mesmo de interromper a atividade, os preços (de transporte, mas também da matéria-prima em si…) dispararam com a pandemia e o problema está a ganhar forma de bola de neve.

Luís Miguel Ribeiro

Presidente da AEP

“Em alturas de pré pandemia, o barril de petróleo custava cerca de 40 a 50 dólares e neste momento está entre os 60 e 70, a juntar aos problemas nas cadeias de abastecimento”, destaca Mário Jorge Machado. Acrescenta ainda que os preços dos contentores disparou: antes o preço normal de um contentor vindo da China rondava os 2.000 euros e neste momento ascende a 12.000 mil euros. A conjugação de todos estes fatores é a tempestade perfeita”, salienta.

Luís Miguel Ribeiro alerta ainda para o facto de a “situação estar a travar a recuperação que algumas empresas estavam a conseguir – nomeadamente nas exportações – e insiste na urgência de a Europa ficar “menos dependente de alguns mercados, como o asiático”. E recorda que o “Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) pode ser um auxílio importante para a indústria neste momento difícil”. No entanto, os empresários ouvidos pelo ECO sentem-se desiludidos com PRR.

Por outro lado, o cluster do calçado está numa situação um pouco diferente, tendo em conta que não enfrenta o problema na escassez de matérias-primas, mas sim no aumento dos preços. A grande parte das matérias-primas que o setor usa estão disponíveis em Portugal, mas as matérias-primas que o setor importa estão “consideravelmente caras” tendo em conta que acrescentaram outros custos a nível do transporte. “Isso é um sinal de preocupação”, alerta a Apiccaps.

Em ano de pandemia, o consumo mundial de calçado teve um quebra de 22% e na Europa essa quebra foi mais significativa. No entanto, segundo a Apiccaps, os “números apontam para uma ligeira recuperação na ordem dos 2% este ano”.

Os sinais são positivos e estamos no melhor período desde o início da pandemia o que nos permite ter alguma esperança redobrada, mas sentimos que ainda temos um longo caminho para percorrer.

Paulo Gonçalves

Diretor comunicação da Apiccaps

Apesar de o calçado já estar a assistir a uma retoma gradual, o presidente da Apiccaps, Luís Onofre, lembra que as análises ainda “são prematuras”, tendo em conta que o setor está dependente da evolução da pandemia e do processo de vacinação. No entanto, Luís Onofre realça que “todos os sinais indicam que as empresas portuguesas de calçado têm conseguido resistir e começam a revelar os primeiros sinais de confiança”.

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