Empresários dizem que novos apoios são insuficientes e a conta-gotas

Os empresários ouvidos pelo ECO criticam os novos apoios anunciados pelo Governo, considerando que são insuficientes. Dão nota positiva, ainda assim, à flexibilização do lay-off simplificado.

Os empresários não estão satisfeitos com o novo pacote de apoios à economia aprovado, recentemente, pelo Governo, para acompanhar a nova fase de luta contra a pandemia. Está previsto, nesse âmbito, designadamente o prolongamento do apoio à retoma progressiva, o alargamento do lay-off simplificado e o reforço dos subsídios a fundo perdido, mas os empresários ouvidas pelo ECO defendem que as medidas são insuficientes e a “conta-gotas”.

Depois de dois meses de confinamento, o país está agora a reabrir. Para acompanhar esta nova fase da crise pandémica, o Executivo de António Costa desenhou um conjunto de medidas, que passa sobretudo pelo reforço, prolongamento e até flexibilização das fórmulas que já têm sido testadas. Assim, o popular lay-off simplificado vai passar a abranger mais empresas, o programa de subsídios a fundo perdido passará a estar disponível para mais potenciais beneficiários e regressa o incentivo à normalização para os empregadores que, saídos do confinamento, estejam preparados para voltar ao “normal” e colocar todos os seus trabalho no ativo, sem lhes cortar os horários.

Os empresários ouvidos pelo ECO confessam, ainda assim, não estar muito satisfeitos com este novo pacote, salientando que estão em causa medidas demasiado burocráticas e que esquecem as grandes empresas. Lamentam também que apenas uma “pequena fatia” da ajuda seja concedida a fundo perdido (1.160 milhões de euros de um total de cerca de sete mil milhões de euros). Por outro lado, destacam como um dos pontos mais positivos a flexibilização do lay-off simplificado, medida que permite às empresas suspenderem os contratos de trabalho ou cortar os horários, ao mesmo tempo que recebem da Segurança Social um apoio para o pagamento dos salários e beneficiam da isenção total das contribuições sociais.

Ao ECO, Vasco Falcão, diretor geral da Konica Minolta Portugal e Espanha, diz considerar que, até ao momento, “as respostas do Governo têm sido curtas, perante um colapso económico de 7,6% no ano passado”. O responsável sublinha, assim, que estes novos apoios são “manifestamente insuficientes”, sobretudo quando comparados com os pacotes de ajuda de outros países. Falcão diz, que os outros “governos estão a gastar como se estivessem em guerra, mas Portugal não”.

E acrescenta que a estratégia orçamental é “demasiado contida para o período” que o país atravessa. “Se olharmos para as medidas, fomos pelo caminho mais fácil e pelo que dá menos trabalho. Diferir pagamentos [ao Fisco] é muito mais fácil que criar regras de apoios diretos”, frisa, avisando que as empresas nacionais ficarão, portanto, em desvantagem em relações às suas concorrentes. Falcão queixa-se, além disso, da dimensão reduzida da fatia dos apoios que será disponibilizada a fundo perdido.

Também para Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), os novos apoios anunciados pelo Governo são insuficientes. E critica, à semelhança de Falcão, sobretudo a magreza da fatia que será concedida a fundo perdido, isto é, 1.160 milhões de euros de um total de sete mil milhões de euros. “Os restantes cerca de seis mil milhões de euros correspondem a um potencial de liquidez que está associado a receita que é flexibilizada, nomeadamente pela alteração no calendário fiscal, quer nas obrigações das componentes declarativas, quer nas obrigações de pagamentos”, enfatiza o responsável.

Na mesma linha, Miguel Pinto, managing director da Continental Advanced Antenna Portugal, diz que tem “pena” que, neste pacote, o valor disponibilizado a fundo perdido “seja tão pequeno”. “Fazia muito mais sentido existir uma maior percentagem a fundo perdido, porque estamos há um ano em cenário de pandemia e isto afetou a economia de uma forma muito significativa“, afirma.

Para César Araújo, fundador da empresa de vestuário Calvelex, estes apoios são “uma mão cheia de nada”. O responsável chama ainda a atenção para a necessidade imperativa de “capitalizar as empresas, tendo em conta que estas tiveram de se endividar para fazer frente à pandemia e salvar postos de trabalho”.

Grandes empresas “estão completamente esquecidas”

O pacote de apoios aprovado pelo Governo inclui, além de apoios a fundo perdido, a flexibilização dos pagamentos ao Fisco, com o pagamento em prestações do IVA e das retenções na fonte de IRS e IRC. Para Albano Fernandes, presidente da AMF Shoes, essa é uma “medida positiva”, sobretudo para as micro e pequenas empresas.

Já Carlos Barbot, presidente da Barbot, tem uma visão diferente. O responsável considera o pacote total insuficiente e propõe, antes, a nível fiscal, uma redução do IRC para ajudar as empresas. “Enquanto as empresas não levantarem dividendos, este imposto deveria ser mais baixo. Não é preciso mais nada. Só quero isso. Durante cinco anos não pagamos IRC“, defende Barbot.

O líder da empresa de tintas frisa, por outro lado, que não há medidas no novo pacote para a indústria, nem para as médias e grandes empresas. “As grandes empresas estão complemente esquecidas, neste novo pacote de estímulos“, afirma. A única medida para as médias e grandes empresas será uma nova linha de crédito de 300 milhões de euros, para as empresas ao turismo, que tenham perdido mais de 25% da faturação devido à pandemia.

César Araújo, da Calvalex, concorda e diz considerar que Portugal “discrimina as empresas que empregam mais de 250 trabalhadores e têm menos 50 milhões de faturação“. Portugal tem de parar de pensar apenas nas micro, pequenas e médias empresas, defende. “Se queremos a máquina preparada para a retoma, as medidas devem ser aplicadas a todas as empresas que estão a sofrer. A crise também afeta as grandes empresas“, destaca.

Além destas críticas, os empresários ouvidos pelo ECO apontam também como ponto negativo o peso burocrático das medidas agora anunciadas. Miguel Pinto, da Continental Advanced Antenna Portugal, avisa que a burocracia provoca atrasos na chegada dos apoios ao terreno. Isto quanto “é importante que os apoios cheguem rapidamente às empresas”.

Uma opinião partilhada por César Araújo, da Calvelex, que pede “menos burocracia e mais eficácia”. Também Luís Miguel Ribeiro, da AEP, sublinha o “imperativo de colocar no terreno de forma imediata todas estas medidas”.

Apesar das críticas, Miguel Pinto sublinha que “é ótimo” que se reforce, de modo geral, as verbas para ajudar as empresas e entende que “há uma maior vontade do Executivo em segurar a capacidade produtiva, que é viável no futuro e que não podemos deixar cair“. “No pós pandemia, vamos precisar que a economia ande o mais depressa possível para tentar mitigar os efeitos da pandemia e os efeitos do desemprego”, antecipa.

Os empresários mostram-se satisfeitos, além disso, com a flexibilização do lay-off simplificado, medida que há muito defendiam. O Governo anunciou que este regime será disponibilizado também às empresas “cuja atividade, não estando suspensa ou encerrada, foi significativamente afetada pela interrupção das cadeias de abastecimento globais ou pela suspensão ou cancelamento de encomendas”, bem como aos sócios-gerentes.

Para César Araújo, da Calvelex, esta medida é “indispensável” e nunca deveria ter sido alterada (desde julho de 2020 que o acesso ao lay-off simplificado estava mais restrito). Também para managing director da Continental Advanced Antenna Portugal e para o presidente da empresa de calçado AMF Shoes a flexibilização agora anunciada é bastante positiva.

Empresários estão desiludidos com PRR

Os apoios anunciados pelo Governo dirigem-se sobretudo às necessidades mais imediatas das empresas, enquanto os desafios do futuro (próximo) deverão ser respondidos com recurso também a uma outra ferramenta: o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Nesse âmbito, está prevista a disponibilização a Portugal 13,9 mil milhões de euros em subvenções ( afundo perdido) e de 14,2 mil milhões de euros em empréstimos, embora o país pretenda usar apenas 2,7 mil milhões de euros (um corte para metade face à estimativa inicial).

Os empresários ouvidos pelo ECO salientam, contudo, que o PRR, como está, é muito mais amigo do Estado do que do setor privado e exigem o reforço da aposta na indústria, na internacionalização e na requalificação dos portugueses.

De notar que o primeiro-ministro já rejeitou essa dicotomia entre o setor público e o privado, tendo sublinhado que estão previstos 4,6 mil milhões de euros em apoios diretos para as empresas, o que corresponde a cerca de 33% do PRR. E o ministro da Economia sublinhou que, numa comparação com os drafts dos planos já conhecidos de outros países, Portugal até dedica uma percentagem superior do PRR às empresas.

Nas contas da AEP, essa fatia é menos, no entanto, generosa. Calcula a associação que, do total de 13.944 milhões de subvenções, só 24% são alocadas diretamente às empresas, o que “é manifestamente insuficiente”. “É fundamental que se antecipem verbas provenientes da bazuca”, insiste o presidente da AEP.

E face a esta “discrepância” entre o público e o privado, Miguel Pinto, da Continental Advanced Antenna Portugal, diz-se desiludido. “A parte que vai para as empresas é muito pequena, quando comparada com a parte que vai para as instituições públicas“. Isto apesar de ser certo que “quem cria riqueza são as empresas e os trabalhadores”.

O presidente da AMF mostra-se também preocupado com a forma como esse dinheiro vai chegar às empresas. “O dinheiro está muito canalizado para as grandes obras, mas não são esses investimentos que vão fazer com que a economia arranque, que vão dar músculo ao tecido empresarial“, observa Albano Fernandes.

O responsável acrescenta, rematando: “Fico com a ideia de que vamos gastar o dinheiro muito rápido, sem ser bem estruturado. Não está a ser preparado [um plano] para criar músculo na indústria. As empresas têm de se capitalizar, têm de se preparar para conseguirem competir a nível europeu”.

É importante salientar que os apoios mencionados foram aprovadas na semana passada em Conselho de Ministros, mas ainda nem foram promulgados por Marcelo Rebelo de Sousa, nem foram publicados em Diário da República. Ou seja, ainda não estão efetivamente disponíveis para as empresas.

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