Falências já estão a aumentar e teme-se que o pior esteja para vir
O número de dissolução de empresas também baixou nos períodos iniciais de crises anteriores, aumentando significativamente meses depois. Em 2021 já é visível um aumento das falências em Portugal.
O aviso foi dado pela presidente do Banco Central Europeu (BCE): “Iremos ver mais falências“, disse Christine Lagarde após a reunião do Eurogrupo em maio, argumentando que os apoios públicos continuarão a ser necessários. O histórico das falências de empresas mostram que também nas crises anteriores as falências não “rebentaram” no momento exato da crise. Os últimos números relativos aos primeiros quatro meses de 2021 já mostram uma subida.
“Iremos ver mais falências. Têm sido muito baixas e irão certamente aumentar“, afirmou Lagarde na conferência de imprensa do Eurogrupo em Lisboa, admitindo que terá de ser dada “especial atenção” aos NPL (crédito malparado) e às provisões dos bancos nos próximos meses. Essa é uma preocupação partilhada por outras instituições, como é o caso do Conselho das Finanças Públicas e o Banco de Portugal que estima que um em cada quatro restaurantes (25%) chegue ao final do ano em falência técnica.
Esta tem sido uma preocupação latente desde que a crise pandémica começou no início do ano passado. Mas em crise anteriores o número de empresas em dissolução também não disparou logo quando a recessão começou. Em 2008, a queda do Lehman Brothers ocorreu em setembro, mas as falências só dispararam em dezembro. Em 2011, na crise das dívidas soberanas, Portugal fez um pedido de ajuda externa em abril, mas as falências tiveram o seu pico em novembro, como mostra o gráfico.
Pico de falências ocorre meses depois da chegada da crise
Durante a crise pandémica, em 2020, ano em que o PIB caiu 7,6%, o número de falências até foi menor do que em 2019, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) atualizados esta semana, o que é explicado pelos apoios públicos (além dos estabilizadores automáticos como o subsídio de desemprego) que não existiram em crises anteriores. “A crise teve contornos excecionais e houve apoios públicos sem paralelo nas outras recessões”, diz Pedro Braz Teixeira ao ECO. Paula Carvalho, do BPI, confirma que “o baixo número de falências, bem como os números do emprego explicam-se pela dimensão dos apoios públicos e privados, incluindo as moratórias“.
A questão agora passa por saber se haverá um aumento significativo das falências ou não nos próximos meses. Os dados mostram que já no final de 2020 e principalmente no início de 2021 houve um aumento da dissolução de empresas. O histórico mostra que há sempre um pico por essa altura, mas o deste ano foi o maior desde 2018, ainda assim longe dos números registados em 2008 ou 2011 e ligeiramente abaixo dos valores “normais” registados em anos de expansão económica. É de notar também que a constituição de novas empresas também caiu significativamente durante a pandemia e ainda não recuperou os valores pré-Covid.
Paula Carvalho não faz uma previsão sobre a evolução das falências em Portugal, argumentando que dependerá de fatores como “o ritmo de reativação da economia, nomeadamente do turismo, o faseamento do fim das ajudas e o andamento do processo de vacinação, com o seu impacto nos níveis de confiança e na contenção dos contágios“. Já Pedro Braz Teixeira considera ser “provável” um aumento dos próximos meses: apesar de a retoma “estar em curso”, o Estado português apoiou menos as empresas do que outros países e a capitalização já era “muito frágil” antes da pandemia.
Porém, como “em Portugal a falência é evitada a todo o custo”, o que pode acontecer é um aumento significativo das “empresas que estão no limbo”. Para o economista, o “fim das moratórias em setembro é um momento de clarificação”. Comparando com crises anteriores, a crise pandémica até se resolveu de “forma mais rápida” do que as crises financeiras anteriores em que a retoma é “mais lenta” porque “tipicamente há um excesso de endividamento” que se tem de corrigir durante anos, o que prejudica o consumo. “Uma crise de duração mais curta e com a retoma mais rápida é muito menos penosa para as empresas”, conclui Braz Teixeira.
Há ainda outro fator que é a demora dos tribunais, a qual poderá ter sido agravada pelas restrições da pandemia, e o processo extraordinário de viabilização de empresas (PEVE), um novo mecanismo para salvar empresas suscetíveis de ser viáveis que foi criado pelo Programa de Estabilização Económica e Social (PEES). Em fevereiro, ao Expresso, a Associação Portuguesa de Direito da Insolvência e Recuperação (APDIR) alertava para o aumento das falências entre as PME e apontava crítica ao PEVE, o qual “não serve”.
Banco de Portugal estima que 6% das empresas estejam em “falência técnica” no final de 2021
Este é um tema que também merece a atenção do Banco de Portugal, até porque a falência em massa de empresas teria consequências graves nas contas dos bancos. No boletim económico de maio, os economistas do banco central estudaram o impacto da pandemia na capitalização das empresas e concluíram que “embora as medidas implementadas tenham permitido gerir os choques de liquidez enfrentados pelas empresas, a sua persistência poderá traduzir-se em necessidades de reforço dos capitais próprios“.
De acordo com os cálculos do BdP, num cenário de ausência de distribuição de dividendos e de injeções de capital, “estima-se que no final de 2021 cerca de 6% das empresas portuguesas possam registar capitais próprios negativos, o que representa um aumento de dois pontos percentuais face aos valores registados antes da pandemia“. Este é o cenário se não houver mais medidas de apoio ou injeções de capital nas empresas, o que está a ser pensado pelo Governo ao nível do Banco de Fomento.
O risco de falência é particularmente visível nas empresas que já tinham fragilidades financeiras antes da pandemia ou que atuam nos setores mais afetados. Para as microempresas, que já estavam enfraquecidas antes da Covid-19, a percentagem sobe para os 10% e no caso do alojamento, restauração e similares aumenta para 26%. No caso dos transportes será de 12%.
“É importante referir novamente que o facto de se estimar que uma empresa passe a registar capitais próprios negativos não implica que a empresa entre em insolvência ou liquidação“, ressalvava o banco central, notando que esse cenário só se materializa quando a empresa “não seja viável e não consiga reforçar os capitais próprios”. “Não obstante, existe uma correlação positiva forte entre o rácio entre capital próprio e ativo e a sua probabilidade de incumprimento”, assinala.
É aqui que entra a questão das apelidadas “empresas zombie”: “muitas empresas permanecem em atividade vários anos consecutivos com capitais próprios negativos“, recordava o BdP, revelando que “no final de 2019, 15% das empresas tinham capitais próprios negativos há pelo menos três anos”. Para os economistas do banco central “a acumulação de dívida não permite resolver os desequilíbrios financeiros, pelo contrário, tenderá a agravá-los, a menos que ocorra um aumento significativo da capacidade de geração de fluxos de caixa”, pelo que é necessário um reforço do capital.
Contudo, há um “desafio crucial” que passa pela “avaliação de viabilidade das empresas, de modo a otimizar a afetação de recursos na economia portuguesa”. Que empresas devem ou não ser ajudadas? Esta é uma questão que também tem vindo a ser discutida a nível europeu, sendo que a Comissão Europeia tem defendido o envolvimento do setor privado, que tem “expertise” sobre o assunto, tal como referiu um fonte europeia antes do Eurogrupo.
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