Está na hora de desenvolver um ecossistema em redor dos residentes não habituais
A próxima década exigirá uma oferta turística bem desenvolvida, mas não será, infelizmente, suficiente para Portugal ter uma economia baseada no turismo.
Recentes reportagens de alguns meios de comunicação social em Portugal sobre o regime fiscal dos residentes não habituais ofuscam importantes vantagens deste regime. Uma das reportagens refere Portugal como paraíso fiscal para estrangeiros, e outra que o regime “custa” 770 milhões de euros aos contribuintes portugueses.
Numa sociedade cada vez mais polarizada, onde as notícias circulam à velocidade da luz, não é fácil parar, investigar e alargar o ângulo de visão.
O que me leva a reagir centra-se num preconceito enraizado na maioria da comunicação e necessidade de alargar as perspetivas antes de fazer um juízo ponderado sobre uma política fiscal, que aliás tem sido um sucesso. Faço-o, não para contradizer ninguém mas para partilhar a minha visão sobre a necessidade de desenvolver um ecossistema de private wealth internacional.
Foram vários os fatores de sucesso que contribuíram para que Portugal tivesse, na última década, uma extraordinária capacidade de atração de pessoas para aqui residirem. Fazer desses fatores o centro deste artigo, esvaziaria o propósito. Aquilo que devemos discutir, é o potencial de Portugal ser um país que gera riqueza e sabe viver e conviver com a riqueza dos que escolhem Portugal para residir.
Não fomos abençoados com recursos naturais. Somos uma economia de pequena dimensão e os nossos principais agentes económicos têm participação ou controlo estrangeiro. A maioria das nossas exportações centra-se em setores detidos por capitais estrangeiros. Por seu lado, o sistema financeiro português demonstrou os seus limites e a falta de profundidade do mercado de capitais revela dependência do investimento estrangeiro.
Nem tudo são, porém, más notícias. As mudanças geopolíticas, sociais, digitalização e até avanços na inteligência artificial podem muito bem vir a favorecer lugares como Portugal no futuro. A próxima década exigirá uma oferta turística bem desenvolvida, mas não será, infelizmente, suficiente para Portugal ter uma economia baseada no turismo. Precisamos de um esforço de requalificação dos recursos para criar em Portugal um ecossistema centrado na “indústria” do private wealth.
O private wealth, em geral, inclui uma ampla gama de stakeholders, desde instituições financeiras, gestoras de patrimónios, fundos de investimento, advogados e agentes fiduciários, promotores e agentes imobiliários e outros prestadores. Nos últimos anos fui assistindo a um aumento de qualidade, mas na minha opinião não é suficiente receber bem – é preciso fazer bem e com objetivos bem delineados.
No passado fim de semana, ao ler o relatório sobre a Visão Estratégica para 2020-2030 fiquei com a sensação que os decisores públicos não valorizam a oportunidade e/ou importância para Portugal do desenvolvimento de um ecossistema desenvolvido em torno dos residentes que são atraídos pelo regime fiscal para residir ou investir em Portugal.
Existe uma série de capacidades por explorar, através de regulamentação favorável à conclusão de negócios, maior oferta de serviços internacionais na gestão de patrimónios e Family offices, bem como quadros de supervisão e tributários reforçados num setor em crescimento mundial. As nossas ligações históricas com a Suíça, Londres e Luxemburgo são cruciais para esse sucesso.
A pedra de toque será compreender a importância económica que este setor representa a nível mundial. Para responder a este desafio, o primeiro passo envolve preparar um relatório económico para tentar identificar monetariamente os benefícios de políticas centradas na atração de talentos e pessoas de elevado património para Portugal. Só então se compreenderá que o “custo” não é uma métrica de uma hipotética despesa fiscal definida nos corredores do Ministério das Finanças, mas muito mais do que isso. O passo seguinte será os nossos decisores públicos e stakeholders juntarem-se para desenvolver o tal ecossistema internacional.
O facto de Portugal estar integrado na UE não deve ser visto com uma limitação. Veja-se como o Luxemburgo e a Irlanda alteraram a sua estrutura económica num período de 30 anos através de políticas governamentais destinadas a desenvolver um ambiente favorável às empresas em setores estratégicos.
Nesta fase, duvido que quem reflete sobre estratégia a longo prazo compreenda que Portugal tem características únicas que permitem ambicionar ser a “Singapura da Europa”. A mim, cumpre apenas tentar convencer que isso é possível.
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