Decisão do Constitucional abre a porta à reintegração de trabalhadores dispensados no período experimental

Alguns dos trabalhadores que foram dispensados no período experimental vão poder pedir a sua reintegração ou, em alternativa, uma indemnização, com base no acórdão agora divulgado pelo TC.

Os juízes do Palácio Ratton consideram que o alargamento do período experimental de 90 para 180 dias é inconstitucional no caso dos trabalhadores que estejam à procura do primeiro emprego, mas já tenham sido contratados a termo anteriormente. Esta decisão abre a porta a que quem tenha sido dispensado após os primeiros 90 dias desse período possa pedir agora a sua reintegração ou, em alternativa, uma indemnização ao empregador, entendem os advogados ouvidos pelo ECO.

O Tribunal Constitucional (TC) decidiu “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que consagrou o período experimental alargado a 180 dias, na parte que se refere aos trabalhadores que estejam à procura do primeiro emprego, quando aplicável a trabalhadores que anteriormente tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outros empregadores, por violação do princípio da igualdade”.

No acórdão, os juízes sublinham que esses 90 dias de contrato a prazo já serviram para o trabalhador adquirir experiência, pelo que “não se encontra para estes trabalhadores uma justificação objetiva, substancialmente convincente, para o tratamento igual ao dos trabalhadores sem aquela experiência“.

A decisão agora conhecida vem, assim, mudar a vida aos jovens que estão à procura do primeiro emprego sem termo, mas já têm alguma experiência. Desde logo porque se passa a aplicar, de forma imediata e automática, a estes trabalhadores o período experimental máximo de 90 dias, e já não de 180 dias, como aconteceu no último ano e meio, explica ao ECO José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS Advogados.

“Qualquer um dos trabalhadores abrangidos pela inconstitucionalidade da norma só pode ter 90 dias de período experimental, considerando-se que tudo o que exceda esse prazo não pode já ser considerado período experimental, mas período normal de trabalho”, sublinha o advogado. Esta mudança aplica-se, desde já, “a todos os contratos pendentes, pelo que o período experimental inicialmente de 180 dias se vê automaticamente reduzido aos 90 dias”, acrescenta.

“Estes trabalhadores ficam, ao abrigo da norma cuja redação é repristinada, adstritos a um período experimental de 90 dias“, confirma Luís Branco Lopes, Of Counsel da Antas da Cunha Ecija & Associados.

Por outro lado, os advogados ouvidos pelo ECO sublinham que a decisão do TC tem efeitos retroativos, pelo que se deve passar a considerar que a “norma em causa [o alargamento do período experimental] nunca produziu quaisquer efeitos desde o seu início”, frisa Moreira da Silva, detalhando: “O Tribunal Constitucional poderia ter limitado a retroatividade da decisão, mas não o fez“.

Também Tiago Duarte, sócio da PLMJ, defende que “tudo se passa, assim, como se estas normas inconstitucionais nunca tivessem estado em vigor”, já que o TC não afastou “de modo expresso” a retroatividade. “Por força do regime previsto no artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa, entendemos que a decisão do Tribunal tem efeitos retroativos“, acrescenta Luís Branco Lopes.

Tal significa, segundo os especialistas, que os trabalhadores que tenham estado à procura do primeiro emprego, já contando com alguma experiência, e que tenham sido dispensados após os primeiros 90 dias de período experimental poderão agora pedir a sua reintegração na empresa ou uma indemnização.

“Somos do entendimento que existe, de facto, um risco sério de essa denúncia (no 100.º dia [por exemplo]) ser inválida e considerada como despedimento ilícito, gerando o direito do trabalhador a, entre o mais, ser reintegrado ou, em alternativa, ser indemnizado (à razão de uma indemnização entre 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade)”, explica o advogado Luís Branco Lopes.

Questionado sobre essa possibilidade, também Luís Moreira da Silva admite que esses trabalhadores poderão pedir a sua integração. Já José Pedro Anacoreta, sócio da PLMJ, é mais cauteloso. Diz, antes, que a “situação teria de ser analisada caso a caso, pois podem existir várias situações que condicionam a apreciação jurídica do caso”.

Esta decisão do Palácio Ratton é, de resto, particularmente importante porque, durante o período experimental, o trabalhador pode ser “dispensado” sem que tenha direito a qualquer indemnização por parte do empregador. Se a denúncia ocorrer nesse período, pode acontecer, além disso, sem aviso prévio ou justa causa.

Os 180 dias fixados na revisão de 2019 do Código do Trabalho continuam, contudo, a aplicar-se aos demais trabalhadores (sem experiência) à procura do primeiro emprego e aos desempregados de longa duração, bem como aos trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que impliquem uma especial qualificação.

Quanto aos dois primeiros grupos, o Bloco de Esquerda já fez saber que o Parlamento deve “avançar já” na correção dessa situação, considerando que estes trabalhadores — “só por serem jovens ou desempregados de longa duração” — não devem estar sujeitos ao dobro do período experimental do que está previsto para a generalidade dos trabalhadores (90 dias).

Foi em setembro de 2019 que BE, PCP e PEV entregaram ao TC um pedido de fiscalização sucessiva a três normas do Código do Trabalho: o alargamento do período experimental para 180 dias para jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração, a generalização dos contratos de muito curta duração (que passaram a estar disponíveis para todos os setores e não apenas para o turismo e agricultura) e a cessação da vigência das convenções coletivas por extinção da associação sindical ou da associação de empregadores outorgantes.

A decisão dos juízes do Palácio Ratton foi conhecida esta segunda-feira. No que diz respeito à caducidade das convenções coletivas, dizem entender que o “legislador tem liberdade para regular a matéria em causa, sem que tenha atingido o núcleo essencial do direito à contratação coletiva“, tendo decidido não declarar a norma inconstitucional. O mesmo acontece com os contratos de muito curta duração, “não dando por verificada [o TC] a violação dos princípios de proporcionalidade e de igualdade”. Já quanto ao período experimental, a resposta não é tão simples, como já foi explicado.

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