Da lei laboral aos impostos, os 7 recados de Centeno ao Governo

Centeno usou o boletim económico de junho do Banco de Portugal para revelar o seu "programa económico" para "garantir a solidez da recuperação". Das moratórias à lei laboral, passando até pelo SNS.

Se em outubro do ano passado Mário Centeno usou o boletim económico do Banco de Portugal para elogiar o seu passado enquanto ministro das Finanças, desta vez o governador usou o seu palco mediático para deixar uma série de recomendações, avisos e comentários sobre os principais temas que pairam sob a economia portuguesa e até sobre o Serviço Nacional de Saúde, cuja gestão financeira também passou pelas suas mãos.

Na conferência de imprensa do boletim económico de junho — no qual reviu em forte alta o crescimento do PIB para 4,8% em 2021 e 5,6% em 2022 –, Centeno apresentou a sua estratégia para “garantir a solidez da recuperação” económica em Portugal, a qual não consta do boletim em si. Da legislação laboral ao sistema financeiro, passando pelas contas públicas, a estabilidade fiscal, o SNS, o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), entre outros temas.

O governador do Banco de Portugal deixou claras as suas posições, apesar de não aprofundar os temas, norteando o seu “programa” na “aposta nas empresas e nos trabalhadores”. Começando na legislação laboral, Mário Centeno, que é especializado em mercado de trabalho, disse que as “alterações” à lei laboral “não beneficiarão à recuperação”, assinalando que o foco deve estar na criação de emprego e na “transição segura” entre postos de trabalho. Este aviso chega depois de nas últimas semanas António Costa, na moção com que se recandidatou a secretário-geral, ter defendido que o PS “deve assumir a revisão da legislação laboral”, algo que é exigido pela esquerda desde 2016.

A saída das moratórias — cuja vigência termina em setembro, mas que poderão ser parcialmente prolongadas para certos setores — também merece reparos por parte do ex-ministro das Finanças: é preciso apoiar as empresas nesse processo, mas sem aumentar a dívida e “sem criar pressão na despesa pública no futuro”. “Não se pode pedir ao Estado que faça apenas e que as empresas não tenham também esse contributo”, disse, referindo que as empresas também têm de fazer um esforço de recapitalização. A receita de Centeno passa por um apoio que deve ser dado “de forma temporária, mas com impacto imediato e simples”, incentivando à capitalização e envolvendo o setor bancário. O Governo e o Banco de Fomento estão neste momento a trabalhar nesse mecanismo de quase capital, o qual deverá ser revelado em breve.

Para as empresas que mesmo assim estejam perto da falência, Centeno recomendou também que se simplifique mais os mecanismos de recuperação empresarial. Para o governador do Banco de Portugal, o PER (Processo Especial de Revitalização) tem de ser “mais eficaz” e, ao mesmo tempo, é necessário um “novo regime de insolvência” para as empresas que sejam inviáveis.

Investimento público deve ser “executado de forma responsável”. Pede “redução gradual” dos impostos

Se as primeiras recomendações estavam direcionadas para o Ministério do Trabalho (Ana Mendes Godinho) e o da Economia (Siza Vieira), Mário Centeno não se inibiu de dar indicações ao seu sucessor, João Leão, atual ministro das Finanças, a começar pela gestão das finanças públicas nos próximos anos. Desde logo, é preciso “retomar a trajetória de redução da dívida pública em percentagem do PIB e é importante retomar o equilíbrio das contas públicas atingido em 2019“, o qual foi alcançado pelo próprio Centeno.

Para atingir esses objetivos, o atual governador do BdP recomenda que haja uma “contenção na despesa corrente”, pede estabilidade fiscal acompanhada de uma “redução gradual da componente estrutural dos impostos” e alerta para que não se assuma “riscos contingentes que limitem a atuação da política orçamental no futuro”. “A ideia de que as garantias do Estado podem ser as PPP [parcerias público-privadas] do futuro deve ter sida em conta“, avisou, referindo-se a uma medida que ele próprio implementou quando ainda estava no Ministério das Finanças no início da crise pandémica. “Os apoios do Estado que perduram no tempo levam a perdas para o Estado que perduram no tempo”, acrescentou, notando que deve-se “preservar a capacidade de intervenção futura”.

Centeno deixou ainda um aviso sobre um tema que assombrou o seu mandato como ministro das Finanças: a execução do investimento público, a qual ficou significativamente aquém do planeado. A Leão diz que “existem limites físicos à execução do investimento que devem estar presentes sob pena das taxas de execução dos programas de investimento — muito ambiciosas e importantes para o país — serem baixas“.

O governador considera é necessário dar prioridade ao PRR, o qual terá uma “dimensão muito relevante na aceleração do investimento”, sendo que é preciso ter “expectativas ajustadas e realistas”. Para Centeno o investimento público “deve ser planeado, financiado e executado de forma responsável; de outra forma, cria responsabilidades futuras que as economias não rentabilizam”.

Nem o SNS escapou às lições de Centeno: é preciso “criar mecanismos de responsabilização sobre a gestão”, implementar uma “gestão centralizada das urgências hospitalares” e aumentar a “eficiência de recursos humanos e materiais”. Foi o próprio enquanto ministro das Finanças que criou a estrutura de missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde, mas os problemas mantêm-se. Questionado sobre o porquê do banco central se estar a pronunciar sobre o SNS, Centeno justificou-o com a “centralidade desta temática na sociedade portuguesa” e deu um exemplo do problema: basta “contrastar” as urgências do Porto e de Lisboa para perceber que “diferentes modelos dão resultados diferentes”.

Supervisão financeira tem de ser “mais exigente”

Por fim, o governador do BdP não esqueceu a sua atual área de intervenção: a supervisão financeira, apesar de os maiores bancos serem acompanhados de perto pelo Banco Central Europeu. Mário Centeno disse que a “credibilidade e a estabilidade financeira” é uma “condição necessária para que a recuperação aconteça” e que para tal é preciso “cumprir compromissos”.

Porém, assumiu que a supervisão tem de ser “mais exigente” e que os riscos têm de ser reduzidos do balanço dos bancos, nomeadamente através da redução do crédito malparado, sendo que acredita haver instituições capitalizadas e com liquidez e rentabilidades suficientes para fazer esse processo. Além disso, Centeno notou a importância da “previsibilidade no enquadramento da atividade financeira” — e não “alterações constantes”, vincou — e da “eficiência crescente do mercado financeiro”.

Nem tudo são rosas. Fase final da retoma é a “mais difícil”

Num boletim económico com um tom otimista, dado que revê significativamente em alta o crescimento da economia, o governador do Banco de Portugal deixou avisos a todos os agentes económicos. “Não nos podemos iludir: nas recessões muito profundas, mesmo quando a recuperação é muito rápida (há muito poucos episódios como este), o percurso da última fase das recuperações é sempre mais difícil“, avisou.

Mário Centeno explicou que “isto acontece por uma razão essencial” que é a ocorrência dos “fenómenos de reafetação de recursos de forma mais intensa” nessa altura, algo que “nesta crise ainda praticamente não aconteceu”. “A crise é temporária e os apoios públicos foram dirigidos à preservação da estrutura produtiva preexistente, mas para que a economia possa ultrapassar [o nível de atividade anterior] é inevitável que aconteça fenómenos de reafetação de recursos na economia“, declarou, notando que as medidas no futuro terão de ter isso em conta.

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