“Não há recuperação em guerra com trabalhadores”. Sindicatos da TAP pedem à nova CEO que trave despedimento coletivo
Christine Ourmières-Widener já começou a visitar a companhia aérea e pretende conhecer os funcionários. Sindicatos vão expressar preocupação e avisar que a retoma está em risco devido aos cortes.
A nova CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, toma posse esta segunda-feira, mas já passou a sexta-feira passada a conhecer as instalações da companhia aérea. Prometeu marcar, nos próximos dias, reuniões com os trabalhadores que já sabem o que lhe vão pedir: para travar os despedimento coletivo que está prestes a acontecer.
“É bem-vinda, tal como os demais, e o que lhe pedimos é que tenha humildade, no sentido de perguntar o que não sabe já que vem para uma empresa com uma cultura muito própria num país que não é o seu“, diz André Teives, porta-voz da Plataforma de Sindicatos dos Trabalhadores de Terra do Grupo TAP, ao ECO, sobre a chegada da gestora francesa.
A cultura própria a que se refere são os 76 anos de existência de uma empresa com uma “forte implementação sindical e — infelizmente — muito politizada”, mas também do “espírito de responsabilidade” dos trabalhadores, que ficou demonstrado pela capacidade de serem fechados acordos de emergência que abrangem todas as classes profissionais. “O que pretendemos é que esse capital muito importante não seja deitado fora por decisões impensadas e sem auscultar todos. Pode contar com os sindicatos para fazer um trabalho sério e que obvie o que está anunciado que é o despedimento“, acrescenta Teives.
"Quem chega e não conhece a empresa apenas sabe aquilo que é público e que todos dizem desde Lisboa até Bruxelas: que existe um plano e que tem de ser cumprido.”
A TAP está prestes a avançar com um despedimento coletivo de cerca de 190 pilotos, tripulantes de cabina, trabalhadores da M&E Portugal e trabalhadores da Sede, após ter dado por terminadas as negociações individuais com os trabalhadores que tinha selecionado para saírem. O mesmo pedido é feito por Paulo Manso, presidente do Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (SITEMA), que insta Christine Ourmieres-Widener a que ponha fim ao “clima tóxico” que se vive.
O sindicato denuncia que há já companhias aéreas, como a American Airlines, a verem-se obrigadas a cancelar voos devido à falta de técnicos de manutenção de aeronaves. “A TAP não se pode dar a este luxo”, sublinha Manso. “Sabemos que existem desafios e estamos focados em contribuir para a sua resolução, numa atitude séria, responsável e pragmática”.
Desafio foi também a palavra escolhida por Christine Ourmières-Widener da primeira vez que se dirigiu à empresa. Numa mensagem em vídeo, a que o ECO teve acesso, a francesa reconhece as dificuldades que se avizinham e diz que a reestruturação é “prioridade”. É um desafio que, acredita, vão “superar juntos”.
"A mensagem [da CEO] é positiva e de esperança, mas que terá de se traduzir em atos de reconhecimento aos trabalhadores e de incremento da velocidade porque achamos a TAP muito parada em comparação com outras companhias.”
José Sousa, secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (SITAVA), diz que o discurso não surpreende pois “quem chega e não conhece a empresa apenas sabe aquilo que é público e que todos dizem desde Lisboa até Bruxelas: que existe um plano e que tem de ser cumprido“. Também ele considera que a redução do número de trabalhadores põe em causa a capacidade de a empresa acompanhar a retoma do turismo pelo que considera que o despedimento deve ser travado.
“A nossa expectativa é baixa até porque a composição do conselho não é, no nosso ponto de vista, consensual e que descanse os trabalhos. O que gostaríamos que acontecesse era, desde logo, que acabasse a guerrilha e que a nova gestão deixasse de considerar os trabalhadores os responsáveis pelas desgraças que têm acontecido. Mesmo que não o digam, na prática é o que acontece”, diz Sousa.
O plano de reestruturação para a TAP prevê cortes de custos com a massa salarial de 1,4 mil milhões de euros e na operação de mais 1,3 mil milhões de euros. O SITAVA acusa, no entanto, a empresa de estar a reduzir somente do lado do trabalho, enquanto a redução dos gastos operacionais se devem somente à diminuição da atividade. “Não há nenhuma empresa que recupere em guerra com os trabalhadores. Para sair da situação crítica em que a TAP está é precisa uma dinamização dos trabalhadores para que estes ‘vistam a camisola’“, considera.
"O que pretendemos é que esse capital [humano] muito importante não seja deitado fora por decisões impensadas e sem auscultar todos.”
Os trabalhadores já são bem menos do que no início da pandemia. No trading update do primeiro trimestre de 2021, a TAP revelou que, no fim de março, empregava 7.526 pessoas, o que compara com os 9.143 funcionários no período homólogo. “Tenho esperança que o despedimento coletivo aplicado aos tripulantes de cabine ainda possa ser revertido porque o número que há neste momento já não se justifica devido à dimensão da retoma“, diz Henrique Louro Martins, presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC).
Retoma essa que Louro Martins considera que a TAP não está aproveitar. Apesar de fazer uma avaliação “positiva” às palavras da nova CEO, avisa que têm de se traduzir no incremento da velocidade da atividade da TAP que continua “muito parada” em comparação com outras companhias aéreas, nomeadamente nos aeroportos do Porto e Faro. Em simultâneo, pede ainda “atos de reconhecimento” aos trabalhadores.
É que, além das saídas, quem ficou está a trabalhar com o salário reduzido em 25% (em média) em linha com o que foi acordado nos acordos de emergência que substituíram os acordos de empresa. Além das saídas voluntárias, abandonaram a empresa outros 1.200 contratados a prazo desde o início da pandemia. Assim, o que o presidente do SNPVAC espera da nova gestão “é que trace para a TAP um caminho viável e sustentável, mas também que respeitem os acordos de emergência que exigem já grandes sacrifícios“.
"Sabemos que existem desafios e estamos focados em contribuir para a sua resolução, numa atitude séria, responsável e pragmática.”
Para já, é preciso saber quais as imposições que a Comissão Europeia vai fazer dado que o plano de reestruturação ainda não recebeu ok final das autoridades da concorrência. Este passo é condição para os apoios públicos à empresa: após ter recebido 1,2 mil milhões de euros em 2020, o Governo estima que o cheque para este ano fique entre os 970 milhões e os 1.164 milhões de euros.
A implementação do plano de reestruturação e a recuperação da empresa serão os principais trabalhos de Christine Ourmieres-Windener. A gestora irá, aliás, fazer parte de um novo órgão criado, a Comissão de Monitorização dos Auxílios de Estado, que será presidido pelo administrador Patrício Ramos Castro e contará também com o novo CFO, João Weber Gameiro.
Além dos novos CEO e CFO — o COO será Ramiro Sequeira que regressa ao cargo após ter ocupado a presidência executiva de forma interina –, a TAP tem um novo chairman. Manuel Beja, que foi até há poucos anos o diretor de recursos humanos da Novabase, é o presidente do Conselho de Administração e representante do Estado em substituição de Miguel Frasquilho.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Não há recuperação em guerra com trabalhadores”. Sindicatos da TAP pedem à nova CEO que trave despedimento coletivo
{{ noCommentsLabel }}