Sim ou não no referendo à CPAS? Conheça os prós e contras

Os advogados vão decidir se querem a CPAS em regime exclusivo ou poder optar entre esta e a Segurança Social. A Advocatus foi saber o pensam os advogados do 'sim' e do 'não'.

Os advogados estão a votar eletronicamente, esta sexta-feira, se querem manter a atual Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) como obrigatória ou optar entre esta e o regime geral da Segurança Social. A votação decorre até as 20h00.

A decisão de ir a referendo foi tomada em Assembleia Geral Extraordinária, em março, e votaram 5.465 advogados: 3523 advogado a favor (71%) e 1.384 contra (28%). A discussão sobre o regime de previdência tem sido recorrente ao longo dos anos, mas face ao período de estado de emergência que o país enfrentou, intensificou-se. Durante este período os tribunais estiveram encerrados impedindo que os advogados tivessem direito a qualquer apoio social por parte da CPAS. Uma vez que os advogados não descontam para a Segurança Social, mas antes para a CPAS, estes profissionais não têm direito aos apoios do Estado.

À Advocatus foi sondar as razões dos advogados que querem manter a exclusividade, dos que preferem o regime misto, e até dos jovens advogados que estão a dar os primeiros passos na área.

Um ‘sim’ pela possibilidade de escolher

Os advogados que afirmaram à Advocatus que iriam votar contra a exclusividade da CPAS e a favor da possibilidade de escolha dos advogados para que sistema pretendem contribuir, apontaram a liberdade de escolha, os apoios na doença e parentalidade e o princípio da igualdade e da capacidade contributiva como algumas das razões.

“O meu voto é “Sim” pela liberdade de escolha para um sistema em que sejamos socialmente iguais, um “Sim” pela solidariedade e defesa para com todos os meus colegas, e um “Sim” que faça demolir um sistema obsoleto, arcaico e egoísta, garantindo o exercício do direito constitucionalmente consagrado de que todos têm direito a uma assistência social digna e verdadeira”, referiu o advogado Vasco Moutinho.

"O sim altera um sistema instituído que exige mais a quem pode menos e exige menos (ou nada) a quem pode mais. ”

Lara Roque Figueiredo

Advogada

Também Lara Roque Figueiredo irá votar sim, considerando que abrirá portas aos direitos sociais e contributivos da advocacia e acabará com as injustiças que existem de serem uma classe que não tem apoios na doença e na parentalidade e de serem os únicos portugueses que não contribuem de acordo com os seus rendimentos.

“O sim altera um sistema instituído que exige mais a quem pode menos e exige menos (ou nada) a quem pode mais. O sim abre a porta à alteração profunda do paradigma da CPAS que permite que quem ganha mais possa escolher o que paga e quem ganha menos é obrigado e contribuir para lá da sua capacidade contributiva e que ao mesmo tempo admite que vários advogados e advogadas portugueses sejam “falsos recibos verdes” de outros colegas, e que possam ser despedidos de um dia para o outro sem quaisquer direitos”, explicou a advogada.

Para Rebeca Guimarães Frias, várias são as razões apontadas para o seu voto. Desde logo a advogada considera que já não faz qualquer sentido a classe manter uma caixa privada.

"Voto sim pelo princípio da igualdade e da capacidade contributiva e porque acredito que os advogados têm direito a uma previdência assistencialista compatível com a independência da nossa profissão.”

Tomásia Moreira

Advogada

“Quando esta foi criada, assim como tantas outras entretanto extintas, não existia qualquer instituição como a atual SS. Entretanto, a SS foi criada e, hoje em dia, traz uma grande proteção aos contribuintes, quer na velhice, mas também na maternidade/paternidade, doença, desemprego involuntário, etc. A CPAS, por outro lado, não é capaz de proporcionar o mesmo tipo de proteção, escudando-se em seguros que implicam pagamentos extra por parte dos profissionais”, assegurou.

Outra das razões apontadas por Rebeca Guimarães Frias é que na CPAS não se respeita o Princípio da Capacidade Contributiva, permitindo que, legalmente, quem aufere rendimentos elevados possa apenas contribuir pelo mínimo exigido. “Por outro lado, quem aufere menores rendimentos, está obrigado ao pagamento do mesmo valor“, acrescenta.

O valor de contribuição mínima atual é de 251,38 euros por mês e segundo à advogada é um demasiado oneroso para jovens e para aqueles que auferem rendimentos “modestos”. Rebeca Guimarães Frias acrescentou ainda a obrigação dos in-house descontarem para os dois sistemas, sem possibilidade de isenção de um deles e a situação dos advogados de sociedades que não possuem quaisquer direitos sociais.

Voto sim pelo princípio da igualdade e da capacidade contributiva e porque acredito que os advogados têm direito a uma previdência assistencialista compatível com a independência da nossa profissão”, defende Tomásia Moreira.

Um ‘não’ à mudança

Desde auto-organização à independência e configuração da advocacia, estas são algumas das razões apontadas para manter a exclusividade do regime da CPAS. O advogado Rui Patrício admitiu que irá votar não ao regime misto, apesar de valorizar e respeitar a liberdade individual e o direito de escolha.

“O que está em causa é muito mais do que cada um poder escolher. O que está em causa, na verdade, é o futuro da CPAS, pois o fim da exclusividade será o princípio do fim da CPAS e um passo para a sua integração e diluição na Segurança Social, e sou contra essa solução estatizante, populista e má para advogados e solicitadores e até, a prazo, para a própria segurança social; e em causa está também, em certo sentido, a independência e a configuração da advocacia”, explicou o penalista.

"Sou contra essa solução estatizante, populista e má para advogados e solicitadores e até, a prazo, para a própria segurança social.”

Rui Patrício

Advogado

Mesmo que a CPAS possa carecer de várias melhorias e sendo muito importante e “legítima” a discussão do tema, o advogado lamenta que se tenha chegado a este ponto, que do seu ponto de vista é “precipitada”, “superficial” e “demagógica”.

Já Rogério Alves defende que nunca haverá possibilidade de escolha, “essa é uma falsa questão”. “Se escolherem o ‘sim’, a CPAS morrerá. Esta CPAS é uma solução muito melhor do que o regime geral da SS porque defende a nossa independência, tem funcionado bem, tem vindo a aperfeiçoar-se na questão dos benefícios sociais. Pretende acumular benefícios”, diz o ex-bastonário Rogério Alves.

Também o advogado José Luís Moreira da Silva vai votar não, pois entende que não é possível uma opção entre CPAS e SS. “Uma opção significaria, na realidade, o fim da CPAS, pelo que a pergunta devia ser a escolha de um sistema ou de outro”, sublinhou.

“Pela minha parte entendo que a CPAS é mais capaz do que a SS para uma profissão como a de advogado, por ser uma profissão liberal, baseada na independência. A auto-organização é fundamental para garantir essa independência. Senão hoje é a CPAS e amanhã é a própria Ordem. Muitos dos proponentes têm uma visão dos advogados como funcionários e como tal não percebem a necessidade da auto-organização da profissão. Se formos por este caminho será o fim da advocacia com a conhecemos hoje”, acrescentou.

"Pela minha parte entendo que a CPAS é mais capaz do que a SS para uma profissão como a de advogado, por ser uma profissão liberal, baseada na independência.”

José Luís Moreira da Silva

Advogado

Na terça-feira, a CPAS enviou um comunicado a alertar para o facto da pergunta colocada “não ser séria e o sistema propugnado não ser possível ou viável, para além de ilegal e inconstitucional, violando os princípios gerais da universalidade, da igualdade, da solidariedade, da equidade social, da diferenciação positiva, da coesão intergeracional e da unidade, princípios estatuídos na própria Lei de Bases da Segurança Social”.

“Um eventual regime opcional, nos termos em que a questão objeto do referendo está colocada, só seria aplicável para o futuro, isto é, àqueles que se viessem a inscrever como advogados a partir da entrada em vigor da alteração dos Estatutos, criando uma inaceitável divisão entre profissionais do mesmo ofício, privando a CPAS de uma parte de contribuições futuras, impossibilitando qualquer cálculo atuarial e colocando em risco as pensões em pagamento e as pensões atualmente em formação”, explica o mesmo comunicado.

O que pensam os jovens advogados?

A camada mais jovens dos advogados também foi auscultada pela Advocatus e os dois profissionais deixaram a sua posição sobre o atual regime da CPAS e asseguraram que vão votar. Uma posição pessoal que não vincula as firmas em que inserem.

“A CPAS necessita de se reinventar e servir adequadamente a maior parte dos seus beneficiários. Caso contrário, estará condenada a ser integrada na SS. Creio que o principal problema é uma clara assimetria entre os interesses dos advogados. Atualmente, no mínimo, qualquer advogado tem de pagar à CPAS, independentemente do valor que ganhem ao final do mês. Também existe uma errada perceção do regime da CPAS, que não é um regime assistencial total, sendo principalmente um regime de reformas ao qual se têm vindo a agregar outros benefícios ao longo dos anos sendo que seria necessário fazer muito mais neste campo”, refere Fábio Seguro Joaquim.

Para Pedro Baptista Lima as suas principais preocupações com a CPAS são também relativas às “injustiças” no que respeita às regras contributivas. “Num sistema que se pretende justo e solidário, o atual regime deve, a meu ver, ser repensado numa lógica coletiva, em que a realidade pessoal e económica de cada um é necessariamente diferente, em virtude da multiplicidade de condições que atualmente o exercício da classe profissional assume”, explicou.

Segundo o advogado, hoje é dia não é possível falar de uma classe homogénea e por isso considera ser fundamental repensar o atual sistema por referência às “múltiplas realidades da classe profissional”, sob pena de permanecerem “num regime desfasado das necessidades de todos e cada um, que se encontra destinado ao insucesso”.

"Acho que deve existir liberdade de escolha mediante a ponderação das condições de exercício profissional de cada um ou por quaisquer outras ordens de razão. ”

Fábio Seguro Joaquim

Advogado

Já o advogado João Filipe Graça, considera que o principal problema da CPAS é a sua sustentabilidade, mas também previsibilidade. “Um regime previdencial, estruturado a curto ou médio prazo (20 anos), não pode almejar perpetuar-se em tempos de incerteza, principalmente para quem inicia a sua carreira profissional e se depara com o anseio de um sistema previdencial que, para além da sua necessária robustez na vertente previdencialista, terá que oferecer, também, o mínimo de assistencialismo condigno e compatível com a dignidade da pessoa humana nas horas de maior angústia”, referiu.

Sobre qual consideram ser o melhor regime de previdência, ambos defendem que são sistemas diferentes e não pode haver uma comparação direta. “A comparação não pode ser feita com o regime geral da SS mas antes com o regime especial dos trabalhadores independentes, que está muito distante de oferecer a proteção do regime geral infelizmente”, assegurou Fábio Seguro Joaquim.

Na sua opinião, este assunto deve ser abordado numa lógica coletiva pelo que o que escolheria – CPAS ou SS – poderiam não corresponder aos interesses dos outros colegas de profissão. “O meu desejo seria de ver a CPAS servir adequadamente os seus beneficiários, caso contrário a integração na SS é inevitável“, acrescenta.

Para Fábio Seguro Joaquim é preciso diferenciar duas questões: a liberdade de escolha entre regimes e a integração direta num regime específico. “Acho que deve existir liberdade de escolha mediante a ponderação das condições de exercício profissional de cada um ou por quaisquer outras ordens de razão. Mas no fim de contas o que se pretende é que os advogados tenham direito a uma verdadeiro regime de previdência que seja justo”, notou.

O advogado João Filipe Graça considera que não existem regimes de previdência perfeitos. “A atual situação pandémica veio demonstrar as debilidades de um sistema previdencial assente apenas no previdencialismo, facto que se conjugou, por outro lado, com a indisponibilidade, expressa, da adaptação da CPAS para assistir aos advogados em situações de dificuldade, em plena pandemia (mesmo com relatórios da CPAS que apontavam para a sustentabilidade do sistema)”, explicou.

Não obstante as debilidades que o regime geral dos trabalhadores independentes da SS também manifestou em tempos de pandemia, o advogado acredita que sempre existiu uma maior adaptabilidade deste sistema quando comparado com a CPAS. “A disponibilidade, ou falta dela, na adaptabilidade de um sistema previdencial é uma característica que não pode ser menosprezada”, acrescentou.

"Num sistema que se pretende justo e solidário, o atual regime deve, a meu ver, ser repensado numa lógica coletiva, em que a realidade pessoal e económica de cada um é necessariamente diferente, em virtude da multiplicidade de condições que atualmente o exercício da classe profissional assume.”

Pedro Baptista Lima

Advogado

Já Pedro Baptista Lima considera que não há ainda estudos suficientes que permitam responder fundamentadamente se prefere ficar na CPAS ou mudar para a SS. “O primeiro passo para a mudança parte precisamente de um consenso generalizado quanto à sua necessidade, sendo que, na minha opinião, ninguém estará melhor preparado para a proceder às revisões que o sistema reclama do que os respetivos beneficiários, conquanto haja uma debate transparente e aberto a todos, por forma a tornar um sistema que se pretende tão robusto, quanto justo e solidário para todos”, explicou.

Desta forma, o advogado considera que há hoje um consenso generalizado em pelo menos duas matérias: na necessidade de alargar a componente assistencialista do CPAS e na de se criar um sistema contributivo assente nos rendimentos efetivos de cada um.

“Na medida em que o sistema comporte estas alterações sem afetar a sua sustentabilidade, não vejo porque motivos deveremos mudar para a Segurança Social ao invés de rever o CPAS em conformidade com as apontadas deficiências“, conclui.

Ainda assim, João Filipe Graça está seguro que o regime previdencial da Segurança Social parece ser o “regime mais sedutor” para os advogados mais novos, “desde logo pela simples relação de “desgaste” vivenciado na CPAS”.

“Recorde-se a exigência de contribuições suportadas por advogado-estagiários (algo que atualmente não se verifica, mas que foi efetivamente suportada por muitos estagiários, hoje advogados, em Portugal), mas que demonstrou uma reforma pouco cuidada a um sistema previdencial que não pode ser alheio a uma realidade económica e geográfica tão díspar de quem iniciava uma carreira profissional. Este facto não pode ser menosprezado e denota potenciais visões que, em nome da robustez financeira, podem ser aplicadas, facto que não pode deixar de ser conjugado com a diminuta capacidade de adaptabilidade do sistema em contexto de situações de emergência. Se a robustez financeira é pressuposto de existência da CPAS, a sua adaptabilidade em situações de emergência é condição para a respetiva perpetuação na assistência aos seus beneficiários”, explicou.

(Notícia atualizada com novas informações no dia 2 de julho às 10h00)

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