Garantias aos créditos em moratória são “melhor que nada”, mas empresas pedem apoio “mais agressivo”

Sem poder prolongar as moratórias bancárias, o Governo anunciou, em alternativa, que vai avançar com garantias sobre uma parte desses créditos. Empresários pedem apoios "mais agressivos".

O Estado vai dar garantias públicas sobre 25% do crédito sob moratória das empresas que integrem os setores mais castigados pela pandemia e firmem acordos com os seus respetivos bancos no sentido da reestruturação das dívidas. As empresas ouvidas pelo ECO consideram que a medida é positiva e “melhor do que nada“, mas pedem que o Governo seja “mais agressivo” nos apoios.

De acordo com o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, o Governo estima que “grande parte das empresas” não terá dificuldades em ultrapassar o fim das moratórias bancárias, mas admite que há setores que têm sido mais prejudicados pela crise pandémica e nos quais a retoma está a ser mais lenta.

Para esses, está já pensada uma nova medida de apoio: o Estado vai garantir 25% do crédito sob moratória das empresas que integrem esses setores e firmem até setembro com os respetivos bancos acordos de reestruturação das dívidas, “assegurando mais alguma carência e beneficiando de uma extensão de prazo no final do empréstimo“, explicou o responsável pela pasta da Economia, esta terça-feira.

O objetivo é libertar liquidez para facilitar a recuperação das atividades económicas através do alívio das obrigações em questão. As destinatárias desta medida são as empresas não financeiras, viáveis e que, independentemente da sua dimensão, cumpram os seguintes critérios: ter operações estabelecidas em Portugal; Ter, pelo menos, uma operação de crédito em moratória; Ter a atividade principal nos setores mais afetados — “toda a fileira do turismo“, uma parte do comércio não alimentar, cultura e entretenimento e de “alguns segmentos da indústria transformadora“, detalhou Siza Vieira –; Ter tido, à data do financiamento, a situação financeira regularizada; Registar quebras da receita operacional iguais ou superiores a 15% no ano de 2020, face a 2019, sem terem retomado ainda os níveis de 2019.

Este apoio foi preparado também porque o Executivo assegura que não tem a “faculdade de pura e simplesmente prorrogar as moratórias“, nem consideraria tal prolongamento adequado. Já em conversa com o ECO, Ricardo Tavares, da Associação Portuguesa de Bares, Discotecas e Animadores, diz considerar que essa prorrogação das moratórias, pelo menos, até à primavera do próximo ano seria essencial, já que só nessa altura os estabelecimentos deverão começar a faturar. “Os empresários nem têm o verão para trabalhar. Não sei como vamos fazer com os pagamentos” dos créditos, sublinha.

Especificamente sobre a solução anunciada pelo Governo, Ricardo Tavares salienta que parece estar em causa “um presente envenenado“, já que a maioria dos empresários do setor que representa já teve de fazer restruturações dos créditos e isso “nunca é vantajoso”. O setor dos bares e das discotecas tem sido um dos mais castigados pela pandemia, uma vez que se mantém encerrado por imposição do Executivo para conter a propagação do vírus.

Outro setor que está a ser muito afetado pela crise pandémica é o turismo. A Tomaz do Douro, por exemplo, registou quebras acima de 75%. Ao ECO, Célia Lima, diretora de marketing da empresa de cruzeiros no Douro, diz que a garantia pública anunciada por Siza Vieira vem ajudar, mas não “resolve os problemas todos”. “Sabemos que mais à frente vamos ter que pagar. Isto não é a fundo perdido, mas é sempre uma ajuda”.

Também a Associação da hotelaria, restauração e similares de Portugal (AHRESP) dá nota positiva à medida anunciada pelo Governo, frisando vem ao encontro das suas solicitações, mas defende que “a carência de capital adicional e a extensão do prazo do empréstimo devem ser concedidas de forma automática, sem que haja lugar a negociações e eventuais rejeições por parte dos bancos”.

Empresários dizem que 25% é pouco

Noutra área da atividade, César Araújo, presidente da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção (ANIVEC), também salienta que “por muito pouco que seja, já é uma boa medida face à crise que estamos a viver“. O responsável defende que as garantias deveriam cobrir 50% e não apenas 25% dos créditos sob moratória e considera que “o Estado deveria ser mais agressivo, no bom sentido da palavra, nos apoios que está a dar às empresas mais afetadas pela pandemia”.

O presidente da ANIVEC salienta ainda que a indústria do têxtil e do vestuário “tem sofrido bastante com a pandemia” e que “deve ser incluída nos setores mais afetados”. Para o líder da associação, estas medidas de apoio à reestruturação das empresas “não podem ter uma conotação negativa junto do Banco de Portugal sob pena de, num futuro próximo, esse impacto poder vir a prejudicar as empresas que obtiveram os apoios”.

Na mesma linha, Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), defende que as garantias públicas deveriam cobrir “no mínimo 50%” do crédito sob moratória, “para partilharmos esforço e risco”. “25% é pouco atendendo à [fraca] apetência para o risco por parte da banca”, salienta o responsável, referindo que essa percentagem mais distendida traria também “melhores condições para as empresas”.

Ainda assim, “os 25% são melhores do que não ter garantia pública“, atira Luís Miguel Ribeiro, que, tudo somado, considera que as medidas anunciadas pelo Governo “são razoáveis“, atendendo à falta de abertura por parte das instituições europeias para o prolongamento das moratórias. O responsável da AEP deixa, contudo, um alerta: “É preciso saber em que condições os bancos vão estar disponíveis para fazer essas reestruturações [das dívidas]. Penso que as medidas são interessantes, mas o que fará a diferença são as condições como as empresas vão aceder a elas.

Também Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da Associação Portuguesa da Indústria do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Sucedâneos (APICCAPS), frisa: “A medida é globalmente positiva, mas temos alguma expectativa em relação à sua concretização, até porque faltam pormenores técnicos que serão decisivos para uma avaliação mais definitiva“. O responsável considera que a solução adotada pelo Governo é “muito oportuna”, antecipando que a recuperação plena do setor do calçado só irá acontecer em 2023.

No setor dos eventos, Jorge Ferreira, diretor executivo da BestEvents — que organiza feiras nacionais e internacionais dedicadas aos casamentos — também considera que a medida anunciada por Siza Vieira é positiva. “Acaba por ser sempre uma ajuda principalmente nesta fase de indecisão: as empresas estão a contar fazer um casamento amanhã e, entretanto, surge uma medida nova que obriga o setor a cancelar tudo”.

O responsável acrescenta que “todos os apoios do Governo são sempre bem-vindos” e salienta que não é possível pedir “mundos e fundos”. Ou seja, “É melhor esse apoio que nenhum“, diz Jorge Ferreira. E Elmar Derkitsch, diretor-geral do Lisbon Marriott Hotel, também dá nota positiva às garantias anunciadas pelo Governo, ressalvando que não é o responsável direto pela gestão das moratórias.

Esta terça-feira, o ministro da Economia explicou, também, que a alocação da dotação das garantias pelos bancos será feita em função do peso relativo de crédito em moratória nos setores mais afetados, sendo que as garantias reais que existam vão manter-se, assim como, “em princípio”, a taxa de juro atualmente em vigor nos empréstimos em moratória.

O Governo estima que os setores mais afetados pela pandemia tenham em moratória cerca de oito mil milhões de euros de crédito e que cerca de dois terços desse stock precisarão do apoio em causa. Ou seja, o Estado deverá dar garantias até 1,32 mil milhões de euros, considerando os 25%.

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