“Can’t be done?” David Simas diz que o espírito português é “why not?”

David Simas é filho de imigrantes portugueses nos EUA. O "espírito português" levou-o de porta em porta até à Casa Branca. Foi assistente do presidente Barack Obama. Hoje, dirige a Fundação Obama.

Há “oito ou nove anos” que David Simas, 51 anos, não pisa solo português. Mas ainda tem cá bastante família. Do lado da mãe, são os tios e primos no Alentejo, em Abela, perto de Santiago do Cacém. Do lado do pai, conta com familiares “mais distantes” em Faial da Terra, na ilha de São Miguel, Açores. Na última vez que veio a Portugal, integrava a comitiva de Barack Obama, então presidente dos EUA.

Advogado de vocação, o filho de António e Deolinda Simas — “imigrantes de Portugal” –, é hoje presidente executivo (CEO) da Fundação Obama, uma organização criada pelo antigo chefe de Estado norte-americano e que se dedica a descobrir e empoderar jovens líderes, da gestão de empresas à política. Nasceu no Estado de Massachusetts e fala melhor inglês do que português. Mas nem por isso deixa de ser um português que brilha lá fora. Agora a partir de Chicago, antes a partir de Washington DC.

É preciso recuar na história para compreender as origens e o percurso de David Simas. António e Deolinda conheceram-se em Moçambique e casaram em Santiago do Cacém. Em 1968, em pleno Estado Novo, rumaram aos EUA em busca de mais “oportunidade” e de uma vida melhor. Imbuídos do “espírito português” — que Simas caracteriza como o sentimento de que, com esforço e trabalho, tudo é possível –, aterraram em Boston e viram neve pela primeira vez. Dois anos depois, a 5 de janeiro, nascia o pequeno David.

David Simas percebeu cedo que queria ser advogado: “Quando eu era muito novo, a minha mãe trabalhava numa fábrica a fazer talheres, como garfos, colheres e facas. Infelizmente, houve uma falha numa máquina e ficou severamente ferida, perdendo [dois] dedos da mão. Tenho uma memória maravilhosa do advogado dela, um homem chamado Orlando de Abreu, que era imigrante português e que se tinha tornado advogado nos EUA”, conta.

Para o “rapazinho pequeno” que era, o advogado “era gigante de tantas maneiras”. Tornou-se um modelo: “Lembro-me de pensar: ‘É aquilo que eu quero fazer, é aquilo que eu quero ser, é aquilo que quero representar.’ Era o campeão da minha mãe e foi a faísca inicial que se manteve comigo.” Assim foi.

De porta em porta, até à porta da Casa Branca

Como o filho de imigrantes portugueses chegou à Casa Branca, tornando-se vice-assistente do presidente Obama, essa é outra história.

Em 2008, Simas era vice-chefe de gabinete do governador do Massachusetts, Deval Patrick. Decorria a campanha das Presidenciais e ambos marcaram presença num comício de Obama em Boston. Momentos antes de o então senador e candidato democrata subir ao palco para discursar (“yes, we can!“, lembra-se?), Obama privou por alguns momentos com Patrick, que lhe apresentou Simas. Seria a primeira interação entre os dois. “Literalmente, não o voltei a ver até estar a trabalhar na Casa Branca, bem mais do que um ano depois”, recorda.

Na terça-feira de 4 de novembro de 2008, Obama derrotou John McCain, conquistando a presidência dos EUA. “Quando Barack Obama foi eleito”, conta David Simas, “disse ao Deval Patrick: ‘Adorava servir de qualquer forma na nova Administração em Washington’. Ele telefonou a uma mulher que agora é minha colega, Valerie Jarrett [conselheira sénior de Obama], e disse ‘tenho um colega que adorava servir'”.

A 19 de janeiro de 2009, um dia antes do juramento de Obama, o telefone de Simas tocou. “Estava em Washington, como outros dois milhões de pessoas, para ver o juramento. Atendi e era um homem que disse que o seu nome era David Axelrod. David Axelrod era o chief adviser de Barack Obama, por isso respondi: ‘Sim, certo, e eu sou o Barack Obama!’. Porque é que David Axelrod me estaria a ligar a mim?”, questionou-se.

A resposta do outro lado deixou-o embevecido: “Ele disse ‘Não, eu acabei de estar com Barack Obama’. E eu disse: ‘Oh… o que posso fazer por si?”

À chamada, seguiu-se uma entrevista na Casa Branca, logo no dia seguinte ao da inauguração. “Eu estava em choque. Completamente mal preparado. Os nervos, a ansiedade… De repente, o que eu sei é que, no dia a seguir à inauguração, tinha o compromisso de entrar na Casa Branca, na ala oeste, pela primeira vez na minha vida, para ser entrevistado para um emprego sobre o qual não sabia nada, com uma pessoa que não conhecia. Na Casa Branca!”, recorda o advogado.

Apesar dos nervos, a entrevista terá corrido bem. Uma semana depois, era contratado para vice-assistente do presidente: “Começava aí a minha jornada no Mundo Obama.” Fast forward, em dezembro de 2016, tornava-se CEO da Fundação.

“É um exemplo extraordinário de uma porta que abre outra porta, que abre outra porta. Em cada porta, havia uma relação com um indivíduo, de quem se fica amigo e que nos apresenta a outra pessoa”, reconhece. Afinal, nem sempre uma carreira é planeada de antemão.

David Simas (à esquerda), com o presidente dos EUA, Barack Obama (à direita), a 18 de maio de 2016.EPA/MICHAEL REYNOLDS

O país da “energia limpa” e da Web Summit

Hoje, David Simas recusa falar de política. E menos ainda de geopolítica. Já lá vai o tempo, desabafa. Ambiciona regressar a Portugal dentro de um ou dois anos. Não acompanha regularmente a atualidade portuguesa, mas sabe o suficiente para considerar Portugal “um local extraordinário”.

“É fascinante de ver. Lembro-me de crescer e os meus pais me contarem histórias sobre crescer no tempo de Salazar. E o que Portugal era, não era democracia. O meu pai contava-me histórias sobre a polícia secreta [a PIDE] e de como decidiu emigrar porque não acreditava que conseguiria ter uma vida boa, com oportunidade”, diz. Mas o país mudou. Para David Simas, Portugal é agora “um local de inovação e criatividade”. Dá como exemplo a Web Summit: “Se há 20 anos me dissessem que uma das maiores feiras de tecnologia do planeta seria em Lisboa, eu diria ‘é crazy‘”, remata.

Olha para o país como estando na vanguarda da “energia limpa e renovável”, mas também do turismo, da educação, da tecnologia. Conhece pessoas que decidiram fazer de Portugal “a sua segunda casa”. Recupera a expressão do “espírito português”, que aprofunda: “É algo que os meus pais sempre me falaram acerca da mistura de: trabalhas muito e tens orgulho no trabalho que fazes; valorizas a educação; tratas as pessoas com respeito fundamental e dignidade, independentemente de quem são e de onde vêm. Estas são qualidades universais que fazem parte de ser ‘um português’.”

Desafiado a apresentar uma receita para acelerar o crescimento de Portugal, Simas fala apenas no “geral” e pede “ênfase na educação”. “Se não tens educação, nem a tua força de trabalho e a tua população, na era da informação isso é uma receita para não crescer”. Para Simas, Portugal está consciente de quais são as suas “vantagens comparativas” e tem construído estratégias à volta delas. “A linha costeira e a posição de Portugal abriram oportunidades em torno da energia limpa. O facto de poder haver uma ponte entre Europa, África e América do Norte faz com que, estrategicamente, seja um fantástico hub, especialmente em torno da tecnologia. Penso que tem sido uma característica central de onde Portugal tem crescido”, explica.

Aponta ainda para o que diz ser a grande diferença entre Washington e Silicon Valley. Enquanto, na capital dos EUA, se diz constantemente que algo “não pode ser feito” porque “nunca foi feito”, no hub tecnológico da Califórnia a pergunta mais frequente é “why not?“. É um bom exemplo de “espírito de exploração contínua” que “tem de ser central em todas as pessoas”. “Não sei quais os ingredientes pelos quais o país [Portugal] se tem saído bem. Mas há um espírito de possibilidade, de ‘why not?‘”, em detrimento do “can’t be done, atira Simas.

Para já, a Fundação Obama não tem atividade em Portugal. Não significa que não venha a ter. O CEO está convicto de que, em breve, a organização encontrará “líderes portugueses” para participar no programa. Por isso, “sim, vamos ter” presença em Portugal, assegura.

Um potencial candidato terá de exibir qualidades muito próprias de liderança, em linha com as que são defendidas pela Fundação Obama. “Por exemplo, quando começamos a ouvir alguém a dizer ‘eu fiz isto, eu fiz aquilo, eu liderei isto, eu liderei aquilo’, para mim, é quase o contrário da definição de se ser um líder. É uma ego-driven narrow self-centered view of potential“, defende — o que, na tradução livre para português, significa qualquer coisa como “uma visão estreita e egocêntrica” do potencial humano.

Um bom líder, daqueles que a Fundação procura, chega a uma comunidade e “ouve primeiro”. Percebe as necessidades. E empodera os outros, para que “canalizem o seu próprio potencial”. “Um líder está a guiar, a esculpir, a assistir”, declara. Deve ainda ser capaz de lidar bem com opiniões diferentes das suas e criar mecanismos para se autoavaliar na sua própria liderança. “Quando identificamos jovens homens e mulheres com potencial, estas são características que procuramos. E, quando as encontramos, criamos normas e um ambiente que as impõe”, diz o CEO.

Não sei quais os ingredientes pelos quais o país [Portugal] se tem saído bem. Mas há um espírito de possibilidade, de ‘why not?’

David Simas

CEO da Fundação Obama

Instituições, a base da democracia

Depois de Obama veio Donald Trump. E o mandato do 45.º presidente dos EUA suscitou em David Simas uma reflexão sobre o papel das instituições na democracia. Afinal, o controverso presidente republicano desafiou todas as normas, das escritas às implícitas, mas as instituições “aguentaram-se, para já”.

A conversa é desencadeada por uma pergunta: o que quatro anos de Trump ensinaram sobre não tomar a democracia como garantida? Responde Simas: “Tenho refletido muito na necessidade de as instituições, em qualquer sociedade, serem organizadas em torno de normas e de comportamentos e de processos que são abertos ao pluralismo, a uma diversidade de perspetivas, mas que são limitadas em torno de comportamentos e de abordagens”. Há uma espécie de “tensão”.

Assim, para o advogado e ex-vice-assistente de Obama, liderança também implica não identificar os outros apenas pelo “espetro político”. Nesse aspeto, o atual presidente dos EUA, Joe Biden, traz para a equação algo que outros presidentes também trouxeram, diz Simas: “Ele tem generosidade de espírito. Não vai questionar os motivos ou intenções das pessoas que discordam dele”, sublinha.

É por aí, segundo Simas, que se começa a sanar a democracia. “Apenas isso cria abertura para a democracia. Esse ato simples, de duas pessoas numa sala dizerem ‘eu não concordo contigo, OK, mas eu não vou julgar ou fazer nenhuma assunção sobre o que eu acredito que sejam os teus motivos ou até intenções. Vou tirar tempo para tentar compreender-te o máximo possível e dar-te o benefício da dúvida’. Assumir o melhor, até prova em contrário”, diz. Isso é “o sangue da democracia”. “Quando se deixa de fazer isso, como é que vamos negociar? Falar? Como é que evitamos tornarmo-nos inimigos ideologicamente?”, questiona. Na ótica de Simas, essa postura é essencial para que se encontrem soluções para problemas comuns.

Os 30 minutos marcados no Zoom não chegam para falar de tudo o que é relevante. E, sobre a pandemia e a partilha das vacinas (ou falta dela), Simas prefere não comentar. Mas fica a promessa de um encontro com este correspondente, cara a cara, logo que a pandemia se aligeirar, permitindo a Simas regressar ao Portugal das suas origens. O Portugal que o vê brilhar, mas lá ao longe, do outro lado do Atlântico.

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