Relatório do Novo Banco aponta falhas ao Banco de Portugal, critica Bruxelas, Ramalho e Lone Star e arrasa devedores
O relatório preliminar sobre o Novo Banco aponta falhas ao Banco de Portugal, critica Bruxelas, Ramalho e Lone Star e arrasa devedores.
Quatro meses depois do início das audições, está aí o relatório (ainda que preliminar) da comissão de inquérito ao Novo Banco, da autoria do deputado do PS, Fernando Anastácio. O documento tem mais de 400 páginas e mais de 100 conclusões, sendo apontadas falhas ao Banco de Portugal em todo o processo. Mas os reparos duros não ficam por aqui. A Comissão Europeia, a gestão de António Ramalho e o acionista Lone Star também são alvo de críticas. E sobram ainda os grandes devedores, que são arrasados no relatório.
“Banco de Portugal falhou em toda a linha”
Em relação ao Banco de Portugal, a crítica à falta de atuação antes da derrocada do BES é direta. “A forma como o Banco de Portugal exerceu os seus poderes de supervisão relativamente ao GES-ESFG caracterizou-se por falta de intervenção ou decisão tardia, perante problemas que identificou e soluções que equacionou, mas que nunca chegou a implementar”, diz o relatório.
Para dar força a este ponto, o relatório descreve várias situações em que os problemas foram detetados, mas o Banco de Portugal nunca chegou a resolver:
- A deslocalização da holding para Portugal, naquilo que os serviços entendiam que “seria medida adequada para responder às dificuldades criadas à supervisão pelas más práticas da gestão do GES- ESFG”. Porém, administração do Banco de Portugal, após dois anos sem nada decidir, “decidiu não a implementar”.
- Aperto da supervisão ao grupo, subindo o patamar de consolidação da ESFG, medida que foi ponderada pelos serviços do Banco de Portugal e “era uma medida exequível”. Contudo, aponta o relatório, “não foi implementada pela administração do Banco de Portugal, em prejuízo da possibilidade de um controlo mais efetivo da atividade a ESFG”.
- A elevada exposição a Angola, que em 2013 representava metade dos fundos próprios do BES violando normas prudenciais, “obrigava o supervisor a impor medidas para reduzir tal volume de exposição”. Falha: “não houve qualquer intervenção por parte do BdP a este respeito”.
- Foi uma “má opção do supervisor” não afastar administradores do BES, nomeadamente Ricardo Salgado. “Os normativos existentes na legislação ao tempo em vigor que o permitiam”, aponta o relatório.
Na apresentação do relatório preliminar, Fernando Anastácio não teve meias medidas e disse que a “supervisão falhou em toda a linha”.
Comissão Europeia condicionou Novo Banco
Segundo o relatório, a Comissão Europeia, através da autoridade da concorrência DG-Comp, “foi determinante no condicionamento de todo este processo”, desde a resolução do BES em 2014 até ao momento da venda do Novo Banco em 2017.
No momento da resolução do BES, impôs compromissos que “viriam a condicionar fortemente o futuro do Novo Banco, porquanto eram limitativos da operação”.
Estas condicionantes refletiam-se nestas dimensões: “o banco de transição ter de ser vendido dentro de um prazo de 24 meses sob pena da revogação da licença bancária e da liquidação do banco; o banco não poder pagar depósitos acima do valor de mercado; o banco ter de se desfazer de rapidamente de ativos por forma a minimizar as necessidades de capital”, explica o relatório.
Em relação ao processo de venda ao Lone Star, são apontadas várias críticas desde a proibição de ter membros na administração do Novo Banco – restrição que tentou ser compensada com a criação de uma comissão de acompanhamento – até à venda acelerada de crédito malparado, que “teve como resultado a colocação do Novo Banco numa posição de fragilidade negocial perante potenciais compradores especializados na aquisição de carteiras de ativos bancários problemáticos”.
Lone Star e gestão de Ramalho visados
O acionista americano Lone Star e a administração do Novo Banco, liderada por António Ramalho não saem bem na fotografia da comissão de inquérito.
Em relação ao fundo americano que detém 75% do banco, “não foi possível apurar quem são efetivamente os responsáveis diretos pelas decisões” da Lone Star, sendo que Evginy Kazarez, António Ramalho e Byron Haynes, apesar de terem sido questionados sobre o tema, “não habilitaram” a comissão com “informação suficiente” para este esclarecimento. “Seria importante esse conhecimento para restabelecer e fortalecer a confiança da opinião pública, quanto ao NB ter um acionista comprometido e empenhado com o projeto”, aponta o relatório preliminar.
Em relação à gestão de António Ramalho, há um rol de observações críticas:
- A grave situação herdada do BES, em matéria de análise de risco, rating e de procedimentos de decisão sobre a concessão ou reestruturação de crédito veio, paulatinamente, a evoluir em sentido positivo, sem prejuízo que, ainda ao longo dos anos de 2015 a 2017, continuaram a existir lacunas e insuficiências na decisão e implementação destes procedimentos.
- Existiram falhas nos procedimentos de avaliação de contrapartes e de partes relacionadas, assim como na análise de conflitos de interesses.
- Inexistiram normativos internos no Novo Banco orientados para a realização sistemática de uma análise das entidades compradoras que participaram em processos de venda, incluindo vendas agregadas de ativos, de forma a concluir acerca de eventuais conflitos de interesse ou outros constrangimentos à realização das operações.
- De acordo com informação prestada pelo Novo Banco, nas análises de contraparte não foram identificadas pessoas relacionadas com o Novo Banco ou com a Lone Star. Porém, não foram efetuadas análises de partes relacionadas ou de conflitos de interesses.
- O Novo Banco dispõe de normativos internos que regulam a área de recuperação de crédito, que têm vindo a evoluir e a sofrerem adaptações ao longo dos anos e têm permitido a execução de uma política de recuperação de crédito em linha com as práticas do setor bancário. Contudo, foram identificadas algumas situações que poderão ser qualificadas como hesitações e/ou atrasos, em matéria de recuperação de crédito, relativamente a grandes devedores, nomeadamente nos casos do grupo Moniz da Maia e Ongoing, o que aumentou as dificuldades na recuperação desses créditos.
Os prémios atribuídos à administração não foram esquecidos: “constituem um risco reputacional muito elevado para a instituição bancária”, aponta Fernando Anastácio.
Moniz da Maia fez “figura”, Vasconcellos sem “adesão à realidade”
Os grandes devedores ocuparam uma parte importante do relatório, mas sempre com Fernando Anastácio a mostrar-se bastante crítico e, em algumas situações, até irónico.
Como aconteceu com Luís Filipe Vieira, em que o deputado relator deixa esta observação:
“Como apontamento final, não posso deixar de salientar um momento dos trabalhos da comissão. A dado momento, no decorrer da sua audição, Luís Filipe Vieira, diz o seguinte: ‘só estou aqui porque sou Presidente do Sport Lisboa e Benfica’. A deputada que, naquele momento, lhe colocava questões, explicou-lhe que estava ali porque era um dos maiores devedores do Novo Banco. Como algumas coisas são efémeras! No momento que escrevo este texto, Luís Filipe Vieira já não é o presidente do Sport Lisboa e Benfica, mas a pertinência das razões pelas quais está aqui continuam a existir e ainda com maior atualidade e pertinência”.
Sobre Vieira, é dado destaque ao seu “relacionamento próximo com Ricardo Salgado e com o BES”, tendo o presidente da Promovalor deixado uma imagem de “grande dependência em relação ao Grupo BES, assumindo o próprio, nas suas declarações, em certos casos, uma atuação ‘em nome’ ou uma incapacidade de ‘dizer não’ a Ricardo Salgado ou ao BES”.
Moniz da Maia (Sogema) e Nuno Vasconcellos (Ongoing) também não escapam.
Segundo Fernando Anastácio, Moniz da Maia “adotou postura pouco colaborante, sistematicamente a refugiar-se em respostas evasivas, evitando responder de forma objetiva, plena e direta às questões que lhe eram colocadas”.
“Dirão alguns: que atitude, incompetência, nada sabe …, como é que alguém assim pode gerir empresas. Dirão outros: foi esperto, fez a figura que fez, mas evitou falar sobre o muito que sabia”, escreveu o deputado, que tirou a sua própria conclusão: “Perdoem-me a inconfidência, mas estou com os segundos”.
Também Nuno Vasconcellos se mostrou “pouco colaborante” com a comissão de inquérito, “apresentando uma versão da história que não tem adesão à realidade dos factos, desresponsabilizando-se das suas ações e da sua condição de devedor”, concluiu o relatório preliminar.
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