Unanimidade no BCE enfrenta teste com estímulos em risco

Unanimidade quanto à nova estratégia do BCE promete ser desafiada já nesta reunião. Nem todos os governadores têm as mesmas perspetivas quanto à retoma e isso é uma ameaça aos estímulos.

Unanimidade. Foi desta forma que o Banco Central Europeu aprovou a revisão de estratégica que vai permitir que a inflação, o principal foco de atuação da autoridade monetária da Zona Euro, possa subir de forma mais expressiva sem haver uma mudança na política monetária. Mas essa unanimidade na estratégia promete ser desafiada já nesta reunião do banco central. É que nem todos têm a mesma perspetiva sobre a retoma pós-pandemia.

Se antes o BCE definia uma meta de “abaixo, mas perto de 2%”, agora “a estabilidade de preços é assegurada mais eficazmente com um objetivo de 2% para a inflação a médio prazo”. Ou seja, a inflação pode subir mais do que antes, que é na prática o que está a acontecer atualmente, com os preços a registarem fortes aumentos na comparação com 2020, o ano da pandemia.

Esta mudança veio dar mais margem de manobra a Christine Lagarde, mas até a presidente do BCE está ciente de que essa folga não trará reuniões de política monetária tranquilas, a começar por esta. “Nunca tive a expectativa nem a ilusão de que teremos uma unanimidade em todas as decisões que tomamos”, admitiu Lagarde ao Financial Times.

“Esta reunião é importante, já que o BCE vai ter de clarificar o seu roteiro na sequência do seu anúncio de revisão estratégica a 8 de julho”, diz Franck Dixmier, global CIO de fixed income da Allianz Global Investors. “Assume o palco principal já que deverá ser diferente, controversa e com implicações tangíveis” em termos de política monetária, defende o Commerzbank.

A expectativa é de que a falta de consenso no conselho de governadores fique já explícita. Isto porque nem todos os governadores dos vários bancos centrais têm a mesma perspetiva quanto à retoma da economia, num contexto que continua a ser ainda de grandes incertezas por causa das variantes da Covid-19. Isto apesar do acelerado ritmo de vacinação contra o vírus abrir boas perspetivas.

Relativamente à taxa de juro, e às perspetivas para esta, deverá manter-se tudo igual, mesmo com algumas vozes críticas. “É possível que o BCE anuncie que não irá aumentar as taxas até que a inflação e outros indicadores (tais como a inflação subjacente, salários ou preços das casas) sejam coerentes com o novo objetivo”, diz o BPI. “Este ajustamento sugerirá que o BCE poderá manter uma política acomodatícia durante mais algum tempo”, nota.

"[Esta reunião do BCE] assume o palco principal já que deverá ser diferente, controversa e com implicações tangíveis em termos de política monetária.”

Commerzbank

O problema estará nos estímulos. A presidente do BCE já antecipou que programa de emergência lançado para fazer face à pandemia, que prevê a compra de 1,85 biliões de euros de dívida pública poderá continuar. E, de facto, a nova política para a inflação dá maior apoio para que este programa se mantenha, mas nem todos os governadores querem que tal aconteça.

Lagarde admitiu, recentemente, que as compras do BCE possam assumir “um novo formato” em breve, mas defende que continuem. Os governadores de países mais endividados, que necessitam deste programa para manterem os custos de financiamento baixos após o forte aumento da dívida por causa da pandemia, também querem. É o caso de Mário Centeno, mas também de Ignazio Visco, de Itália.

Do outro lado está a Alemanha. Não está sozinha, é certo, mas tem sido mais vocal na sua oposição à estratégia do BCE. Isabel Schnabel, membro do conselho do BCE, já veio dizer que a inflação poderá convergir com a meta do BCE “mais cedo do que algumas pessoas esperam”, o que forçará ao banco central a agir.

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