Isabel Barros, vice-presidente da Comissão Executiva da CIP e administradora executiva da Sonae MC, lidera a 2.ª edição do Promova, um programa da CIP para promover mulheres a funções de liderança.
A pandemia aumentou o fosso de género no mercado de trabalho. E não é uma situação exclusiva de Portugal. Há que acelerar a caminhada rumo a um maior equilíbrio de género a nível salarial e de liderança e, nisso, a existência de quotas poderá ser um “mal necessário” para atingir mais rapidamente uma maior equidade.
“As quotas são um mal necessário para conseguirmos alcançar mais rapidamente a equidade. Neste sentido, sou da opinião de que poderá haver espaço para que mais empresas definam os seus targets e desenhem os seus planos para a igualdade. A via da imposição legal não me parece ser a resposta, sobretudo tendo em consideração a realidade do nosso tecido empresarial”, afirma Isabel Barros, vice-presidente da Comissão Executiva da CIP, administradora executiva da Sonae MC, presidente de direção da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) e também a líder da segunda edição do Promova, um projeto da CIP para fomentar a promoção de talentos femininos com potencial de liderança a funções de gestão de topo nas empresas.
Na primeira edição do Promova, 45% das participantes foram promovidas no último ano e 20% ascenderam a cargos de liderança nos conselhos de administração das empresas.
45% das mulheres que participaram na 1.ª edição do Promova foram promovidas e 20% subiram à administração. Quais as expectativas para nova edição?
As mais elevadas. Este programa está desenhado de forma a envolver, desde a primeira hora, as organizações que nele participam, precisamente para que sejam consequentes com o interesse demonstrado. Desde logo, porque é a empresa que se candidata ao Projeto Promova e que indica o nome da participante. Estas participantes são mulheres que já ocupam funções executivas nas empresas e em relação às quais os seus administradores reconhecem capacidades de liderança, que importa desenvolver. Além disso, quando a empresa se candidata, indica também o nome de um mentor, alguém que ocupe um alto cargo executivo, e que estará igualmente envolvido neste projeto, prestando mentoria a participantes de outras empresas. Ou seja, é uma mentoria cruzada. Dito isto, não existe obviamente um compromisso tácito por parte das empresas quanto a uma futura promoção destas mulheres, mas existe um contexto – de interesse da empresa em relação ao desafio da igualdade de género em funções de liderança e de reconhecimento do potencial daquela mulher em ocupar essas funções – que é propício ao desenvolvimento da sua carreira, no imediato ou no futuro. Este programa cria um contexto de verdadeiro sponsorship que é visto como uma boa prática, pois ajuda a criar as condições certas para o desenvolvimento mais rápido das mulheres para cargos de liderança.
A segunda edição tem financiamento exclusivamente privado. Como chegaram a estas empresas? Depois da formação, que iniciativas são desenvolvidas pela Promova para impulsionar a subida na carreira corporativa destas participantes?
Os parceiros desta segunda edição são, na sua maioria, empresas que já estiveram envolvidas na primeira – com participantes e mentores – e que demonstraram interesse em garantir, também financeiramente, a continuidade deste projeto. E, portanto, a todos os nossos parceiros – Randstad, Sonae, ANA aeroportos e EDP – a CIP agradece o interesse e o apoio prestado. Em relação à sua segunda questão, o Promova é um projeto de formação e de desenvolvimento de competências, não só técnicas, mas também comportamentais. Existe uma componente muito importante de coaching e de mentoria, que trabalha precisamente aspetos relacionados com a confiança, o propósito, a determinação. Onde é que eu me vejo daqui a cinco, 10 anos? Isso far-me-á mais feliz? Todo este processo de autoanálise é muito importante e o feedback que obtivemos da primeira edição foi excelente. Existe também uma outra componente neste projeto, que é para nós essencial, e, essa sim, tem um perfil de continuidade que, esperemos, se prolongue por muitos anos, adicionando sempre mais e mais mulheres – e homens também – que é o networking. O networking tem um papel fundamental na procura de novas oportunidades, de parcerias, ou mesmo, tão somente, na troca de experiências e de opiniões. Pretendemos que o Promova continue a ser um ponto de encontro para as alumni.
Mais formação será suficiente? Um estudo da Fundação José Neves dá conta que os homens ganham 38% a mais do que mulheres com a mesma formação… Como é que se quebra este fosso salarial?
As diferenças salariais existentes têm uma raiz histórica e cultural que não pode ser esquecida. Considero que o facto de hoje se falar com transparência sobre este gap salarial é o primeiro passo para a sua redução. A definição clara de targets e a monitorização dos mesmos é determinante para resolver esta discriminação.
Por outro lado, este gap resulta não só da prática de salários diferentes para uma mesma função mas também das diferenças nas oportunidades de carreira vividas por homens e mulheres. Nesta perspetiva, programas como o Promova, que munem as mulheres de ferramentas que lhes permitam ter uma evolução de carreira sem restrições inerentes ao seu género, contribuem de forma relevante para colmatar este fosso salarial.
As mulheres, a par dos mais pobres, idosos, pessoas com incapacidade e populações migrantes foram os que mais sofreram com os efeitos da pandemia. Os setores de atividade com maior participação feminina foram mais afetados e o papel da mulher como principal cuidadora do lar foi exacerbado, com impactos negativos para o seu desenvolvimento profissional.
As empresas não podem dar-se ao luxo de desperdiçar 50% do talento disponível. Este programa da CIP tem também como objetivo criar uma consciência generalizada sobre o tema e alertar as empresas para a necessidade de analisar e corrigir eventuais enviesamentos de género das suas políticas internas de gestão de pessoas.
O World Economic Forum (WEF), no relatório Gender Gap, alerta que os efeitos da pandemia foram devastadores: será necessária mais uma geração para atingir a igualdade de género, de 99,5 anos para 135,6 anos. Como é que se pode acelerar a redução deste fosso de género?
O período de pandemia que vivemos foi paradoxal no que à igualdade de género diz respeito. Se, por um lado, mais do que nunca este tema foi debatido no contexto público, a verdade é que se assistiu a uma degradação dos frágeis avanços que estávamos a dar neste âmbito. As mulheres, a par dos mais pobres, idosos, pessoas com incapacidade e populações migrantes foram os que mais sofreram com os efeitos da pandemia. Os setores de atividade com maior participação feminina foram mais afetados e o papel da mulher como principal cuidadora do lar foi exacerbado, com impactos negativos para o seu desenvolvimento profissional.
Este é uma problemática muito complexa, cuja resolução exige o contributo de todos e uma abordagem sistémica. De um ponto de vista cultural é necessário trabalhar preconceitos inconscientes que tanto têm prejudicado a afirmação individual e contribuem para a perpetuação de estereótipos de género, nomeadamente relacionados com as áreas de atividades escolhidas por jovens meninas e meninos. Quando olhamos para o futuro vemos uma importância crescente da tecnologia, área onde tradicionalmente as mulheres e gerações mais velhas têm menor formação, o que torna mais difícil caminhar no sentido da igualdade.
As mulheres, a par dos mais pobres, idosos, pessoas com incapacidade e populações migrantes foram os que mais sofreram com os efeitos da pandemia. Os setores de atividade com maior participação feminina foram mais afetados e o papel da mulher como principal cuidadora do lar foi exacerbado, com impactos negativos para o seu desenvolvimento profissional.
Torna-se, assim, urgente um investimento em educação e formação profissional que mitigue esta desvantagem comparativa e crie condições para um crescimento económico sustentável e assente numa estrutura social com equidade. Ao que acresce a necessidade de assegurar políticas públicas que, efetivamente, contribuam para uma sociedade com maior equilíbrio trabalho-família, para que não seja necessário tomar opções entre carreira e família.
Para além disso, é fundamental que as empresas assumam também o seu papel e, nomeadamente, contribuam para formação contínua e de requalificação, implementem sistemas de monitorização que garantam equidade na gestão de carreira, tendo também em consideração o fenómeno da intersecionalidade, e contribuam para a mudança cultural na sociedade com divulgação de role models.
Um estudo da Deloitte, “Women @ Work: A Global Outlook”, traça um outro cenário desanimador para as mulheres durante a pandemia: a carga horária aumentou, cerca de metade diz ter vivido situações de assédio ou comportamentos não inclusivos no emprego. A maioria está a planear deixar o atual emprego em dois anos e cerca de um quarto deixar de vez a vida ativa. É também essa a realidade portuguesa?
Não dispomos de dados que nos permitam perceber, por exemplo, se as mulheres portuguesas pensam deixar, a curto e médio-prazo, o emprego ou a vida ativa. Sabemos sim que nenhum país do mundo atingiu a plena igualdade de género e, infelizmente, a pandemia trouxe redobrados desafios para as mulheres de um ponto vista global. Esta não é uma problemática isolada espacialmente.
Essa é uma questão onde, acredito, o contexto – cultural, familiar, salarial, económico – terá obviamente uma influência considerável. O que sabemos – existem já vários estudos sobre o tema – é que as mulheres, no mundo e também em Portugal, foram especialmente afetadas pelo contexto de pandemia. Desde logo, pelo efeito de sobreposição de várias responsabilidades: com o emprego, com a família, com a casa. E aqui, mais do que questões de paridade de género no contexto laboral, emergem, principalmente, as questões culturais que continuam a sobrecarregar as mulheres com as responsabilidades familiares e domésticas, o que tem necessariamente consequências na autodeterminação e desenvolvimento pessoal e profissional. É um caminho que estamos a fazer, mas que demora o seu tempo.
“Trabalhar à distância criou ainda mais invisibilidade para as mulheres que já não sabiam valorizar-se e a fazer network. As mulheres tiveram de provar ainda mais o seu valor em relação aos seus colegas homens. Com a desculpa da pandemia, muitas empresas não deram promoções ou aumentos de salários, e os que deram, foi mais a homens que pediram e souberam valorizar-se mais facilmente”, disse à Pessoas uma mulher que há mais de 20 anos trabalha na área de tecnologias. Partilha desta visão?
A visibilidade e o networking são ferramentas muito importantes que têm de ser trabalhadas proativamente e com intencionalidade. Durante a pandemia o networking foi naturalmente muito afetado por todas as restrições à sociabilização que vivemos, mas foi ainda mais difícil para as mulheres poderem fazê-lo porque a seu cargo ficou também a maior parte do trabalho doméstico e de cuidado da família.
Genericamente o que se verifica é um caminho de progressão mais difícil e não equitativo para as mulheres, por exemplo com diferenças nas avaliações e salários, que como já vimos foi agravado pela pandemia. Na base estão os preconceitos baseados em estereótipos de género, que existem em todas as pessoas e locais de trabalho e que, se deixados ao acaso, criam condições para multiplicação de situações de discriminação e iniquidades.
As mulheres só são promovidas a posições de liderança “quando estas não são atrativas para os seus pares masculinos. Existe ainda o fenómeno de nome glass cliffing, que corresponde à promoção feminina apenas quando uma organização está em maus lençóis. Em poucas palavras é receber um pomar de maçãs podres”, disse igualmente uma mulher que trabalha na área tech. Como comenta?
Estes fenómenos do glass clifing e glass ceiling são conhecidos, porém na minha opinião devemos evitar as generalizações. Acredito que a desigualdade de género no mercado de trabalho resulta mais de preconceitos inconscientes do que de um favorecimento intencional dos homens e que estes podem, e devem, ser um agente ativo de combate a esta desigualdade e discriminação. O que é importante é garantir que existem as condições necessárias de apoio ao desenvolvimento de carreira das mulheres, por exemplo, desenvolver um sistema de sponsorship, com participação também dos homens, para mulheres no caminho ou recém-chegadas a cargos de liderança e apostar em formação distintiva como é o caso do Promova. Por outro lado, é fundamental formar as lideranças atuais em preconceitos inconscientes e de género, tornar as barreiras sistémicas e micro agressões visíveis e abordar o tema como sendo, porque é, um tema de negócio: medir e implementar medidas corretivas.
Temos (na CIP) um podcast mensal – o Promova Talks – que junta mulheres, e também homens, para discutirem os desafios que ainda se colocam à paridade de género no emprego e à ascensão das mulheres a cargos de liderança. Este é um tema que queremos discutir durante todo o ano, e não apenas no Dia Internacional da Mulher, para que esteja continuamente presente no espaço e na opinião pública.
Muitas empresas têm promovido mensagens de empoderamento feminino e dos benefícios de um ambiente laboral mais inclusivo, mas na prática há muito poucas mulheres na liderança de empresas. Não é altura da ação acompanhar a conversa pública?
De acordo com os dados, por exemplo do Women on Board, não podemos ter uma visão negativa, pois o número de mulheres em lugares de liderança em empresas em Portugal tem vindo a crescer. O walk the talk está a acontecer, as empresas já estão a fazer o caminho. Mas, claro, que seria bom conseguirmos ir mais rápido e, por isso, estamos a apostar neste projeto que ajuda as empresas a acelerar o processo.
Que iniciativas está a CIP a recomendar aos seus associados?
A função da CIP é sensibilizar os seus associados para questões que consideramos serem importantes para o desenvolvimento dos seus negócios e, logo, da economia, e, sempre que possível, criar ferramentas que lhes permitam endereçar determinados desafios. Foi isso que fizemos com o Promova. Este é um projeto que é amplamente divulgado junto dos nossos associados e no qual podem participar. Temos, inclusive, um podcast mensal – o Promova Talks – que junta mulheres, e também homens, para discutirem os desafios que ainda se colocam à paridade de género no emprego e à ascensão das mulheres a cargos de liderança. Este é um tema que queremos discutir durante todo o ano, e não apenas no Dia Internacional da Mulher, para que esteja continuamente presente no espaço e na opinião pública.
Para além disso a CIP está a participar na preparação de uma Norma para a igualdade salarial entre homens e mulheres, que poderá ser um instrumento fundamental para que as PME possam implementar medidas que anulem eventuais enviesamentos de género.
Um sistema de quotas é algo que para si faz sentido? Há quem defenda que lança sombra sobre o mérito das futuras mulheres gestoras…
As quotas são um tema que traz sempre muita discussão. Posso-lhe garantir que nenhuma mulher ou homem gostaria de defender quotas, mas quando olhamos para os factos, para a desigualdade que existe e que se agrava, algo tem de ser feito, sob pena de demorarmos mais de um século a alcançar a paridade. As quotas são um instrumento de regulação e podem ajudar a reduzir o tempo necessário para equilibrar algo que não está bem, nem é desejável. Na base de tudo, estará sempre o mérito, não acredito que se trate de discriminação positiva, trata-se sim de eliminar preconceitos inconscientes que todos temos, mas que provocam um tratamento desigual.
A CIP está a participar na preparação de uma Norma para a igualdade salarial entre homens e mulheres, que poderá ser um instrumento fundamental para que as PME possam implementar medidas que anulem eventuais enviesamentos de género.
Esta é já uma obrigação legal para empresas cotadas. Faria sentido estender este tipo de exigências legais a outras companhias? Forçar a mudança pela via legislativa?
Na definição de medidas legislativas, como as quotas, é crítico ter em consideração a realidade das empresas a quem se destinam. Temos um tecido empresarial muito heterogéneo e a velocidade a que as empresas grandes conseguem fazer mudanças organizativas é diferente do que é possível numa pequena e média empresa. Como já referi, acredito que as quotas são um mal necessário para conseguirmos alcançar mais rapidamente a equidade. Neste sentido, sou da opinião de que poderá haver espaço para que mais empresas definam os seus targets e desenhem os seus planos para a igualdade. A via da imposição legal não me parece ser a resposta, sobretudo tendo em consideração a realidade do nosso tecido empresarial.
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