O “five-day workweek” morreu (e ninguém avisou)

A "revolução pandémica" mudou a nossa forma de trabalhar e a maneira como olhamos para o trabalho (e o equilibramos com a vida em geral).

O hábito de trabalhar de segunda a sexta está tão enraizado que tudo aquilo que existe à nossa volta está moldado à sua imagem (e complementaridade): funcionamento de serviços, pacotes de férias e até preços de eventos como casamentos (que, quando celebrados em dias úteis, têm desconto).

A propósito do tema, cruzei-me com um especial que a Vox preparou — além de me ter servido de inspiração ao título deste artigo, confesso, chamou-me a atenção. Os argumentos de “hábito” — enraizado, é certo, após décadas de greves e protestos de ativistas laborais, cansados de trabalhar 14 horas diárias –, aparecem diretamente contrapostos a um dos grandes objetivos norte-americanos de, no século XIX, tentar “ganhar o tempo perdido”, aponta o professor de história Erik Loomis, consultado pela publicação.

A estas revoluções, junta-se agora a revolução pandémica: 16 meses depois do início, há cada vez mais trabalhadores a questionarem o seu papel e a requererem mais tempo para si, em claro alinhamento com, por um lado, o trauma de uma pandemia e, por outro, a disrupção a que assistiram — a que todos assistimos — ao longo do último quase ano e meio, em matéria de trabalho e de como muitos de nós podemos fazê-lo, com qualidade, produtividade e sem perder tempo em deslocações — sem sequer nos encontrarmos com quem e onde quer que seja. Parte dessa transformação questiona o tempo de trabalho e, daí, a questão da “workweek“, dos dias semanais trabalhados.

O paradigma está a mudar tanto que as transformações já começaram a sentir-se: a Feedzai, unicórnio português com sede em Coimbra e escritórios nos Estados Unidos, anunciou que vai testar, durante o mês de agosto, uma dinâmica de trabalho de quatro dias semanais, dando a possibilidade aos colaboradores de poderem desfrutar de três dias inteiros de tempo para dedicarem às suas vidas pessoais. A experiência servirá de “teste sobre como funciona para determinamos qual será o próximo passo”, explica Dalia Turner, VP of People da tecnológica, dando como exemplo o “bom feedback da Islândia e de outros países”. “Penso que será desafiante avançarmos sozinhos como empresa, mas estamos intrigados com a ideia”, afirma. A escolha do mês de agosto não é casual: com muitas pessoas de férias durante esse período, correm-se menos riscos. Porém, a semente de mudança está no primeiro passo. E isso a Feedzai demonstrou.

Não sou economista por isso é, para mim, difícil olhar para este tema e entender, de imediato, razões económicas que levem a refutar, de imediato, a possibilidade de, como prática, muitos de nós podermos, no futuro, trabalhar quatro em vez de cinco dias por semana sem prejuízo, nem de salários nem de produtividade.

Quero debruçar-me, porém, sobre a ideia que serve de base a esta possibilidade: numa sociedade cada vez mais virada para dentro — além de dormirmos e comermos em casa, trabalhamos, educamos, consumimos e confinamos nesse espaço –, valeria a pena pensar numa “4-day-workweek” de um ponto de vista não apenas das empresas e de uma possível quebra de produtividade mas, também, do ponto de vista da satisfação de cada um dos seus trabalhadores, força de trabalho (e de energia) tantas vezes exausta, frustrada, presentista e que, no fim do dia, é facilmente substituível? Sim, deixar de pensar que alguém que quer trabalhar quatro dias por semana é preguiçoso (olhar para exemplos como o da Islândia, do Japão ou de Espanha); antes, considerar que, por poder dedicar-se a outras atividades e descanso nos seus tempos livres, consegue ser mais criativo, produtivo e feliz no trabalho. E, com isso, todos ganham: a família, o patrão, a empresa, o negócio, as pessoas com quem se cruza, as pessoas com quem consome e, no fim da linha, a sociedade e a economia como um todo.

As experiências feitas em empresas no Japão ou na Nova Zelândia, em anos recentes, reportam melhorias na felicidade dos trabalhadores, o que tem influência direta na sua (melhor) performance laboral. No caso da Islândia, os testes foram feitos através de uma redução de 40 para 35 ou 36 horas semanais de trabalho, sem corte salarial, e em setores além de escritórios (profissionais de saúde, polícias e outras profissões foram incluídas nestas experiências). Os resultados, publicados em junho pela britânica Autonomy, revelam um melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, diminuição dos níveis de stress e uma melhor sensação de bem-estar. Não surpreende, verdade? É que, no fim do dia, toda a gente quer horários e agendas mais vivíveis?

Trabalhar quatro dias por semana pode não parecer fazível, possível, economicamente sustentável. Mas quem dizia, há um ano e meio, que estaríamos a viver e a trabalhar numa pandemia, com tudo o que ela nos obrigou a perspetivar, a repensar e a… trabalhar de forma diferente? Talvez valha a pena olhar outra vez para aquela típica pergunta que, tenho a certeza, já todos ouvimos: “Tens só uma vida: trabalhas para viver ou vives para trabalhar?”

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