Lei laboral e salários são chave para desbloquear Orçamento

Bloco e PCP dizem que votam contra a proposta tal como está. PSD atira responsabilidades para o Governo. Marcelo confia que é aprovado, tal como dizem politólogos ao ECO, mas é preciso negociar.

Tem poucos dias de vida, mas corre o risco de cair a 27 de outubro. Será nesse dia que a proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022) será votada na generalidade pelos partidos para ser (ou não) admitido no Parlamento. Antes disso, nas próximas duas semanas, o PS terá de dar garantias à esquerda do que viabilizará na fase de especialidade para que PCP e/ou Bloco se abstenham — para os politólogos o desbloqueador deverá ser a lei laboral e os salários. Caso contrário, o OE é chumbado, um cenário que o Presidente da República afasta, até porque mesmo com eleições antecipadas não se prevê que fosse diferente. O PSD assiste à distância e remete a responsabilidade para o Governo.

Há dois tipos de contas a fazer nos próximos tempos: por um lado, saber quantos milhões é que a “folga” orçamental com que o Executivo constrói sempre os Orçamentos permite acomodar na fase de especialidade; por outro lado, a matemática parlamentar, dado que o Bloco é suficiente para o PS, mas caso seja o PCP a salvar o OE terá ainda de garantir o apoio de mais partidos como o PAN e o PEV. Acresce que há muitas matérias importantes para a esquerda que nem têm reflexo direto no OE, como é o caso da lei laboral, mas que poderão entrar nesta matemática negocial.

Os sinais vindos do Governo são de que é possível ir mais longe do que está na proposta, mas sem se comprometer em nenhuma área e acrescentando que os partidos também têm de fazer um esforço de aproximação. É preciso “estabilidade”, disse Costa. Do lado do Bloco e do PCP só vieram palavras duras: Catarina Martins disse que o OE é uma “enorme desilusão” e um “autêntico balde de água fria” e João Oliveira criticou a “resistência” do Governo em “assumir compromissos” fundamentais e que o OE só dá “respostas marginais”. Porém, ambos deixaram aberta a porta das negociações até dia 27.

Tal como o Presidente da República, os politólogos consultados pelo ECO também consideram que no final o Orçamento será viabilizado. “É difícil pensar que um dos dois partidos não vá viabilizar“, antecipa Paula do Espírito Santo, do ISCSP, argumentando que “as consequências de um Orçamento chumbado seriam muito mais gravosas” se o país estivesse a duodécimos numa altura de retoma económica. André Freire, do ISCTE, considera que o “mais desejável para o país e para todos os partidos de esquerda é que haja um acordo” e adverte que “quem fizer colapsar as negociações será penalizado, dependendo de como as pessoas interpretam a raiz do colapso”.

A aprovação do OE já era a convicção de Marcelo Rebelo de Sousa, a qual reforçou mesmo depois de o Bloco e PCP terem tomado a sua posição: “Tenho para mim que o natural é que, com mais ou menos entendimento ou mais ou menos paciência, o OE acabe por passar na Assembleia“, afirmou o Presidente da República esta quarta-feira, até porque a alternativa (eleições antecipadas e novo OE) “é tão pesada e custosa” e não trará grandes diferenças ao panorama político, subentendeu-se das palavras de Marcelo.

Esquerda quer mais do que as “concessões mínimas” do PS

Tendo em conta as imposições do Bloco e o voto contra no ano passado, o foco das atenções incide mais nos comunistas. A politóloga Paula do Espírito Santo considera que a atitude do PCP é uma “reação” aos resultados das eleições autárquicas onde o partido voltou a perder terreno, “demarcando mais a sua posição face ao PS” para evitar interpretações de “fraqueza”. André Freire, que lembra que o Bloco não viabilizou o OE2021 mas também foi penalizado nas autárquicas, considera que o PCP está a “elevar o nível de exigência” porque o PS apenas “faz concessões mínimas na esperança de que baste o receio de que uma crise grave leve ao regresso da direita”. Também Paulo Trigo Pereira, ex-deputado do PS, criticou na SIC Notícias o Governo “minoritário” sobre a forma como negoceia o Orçamento, “ou seja, chegar à entrega do OE sem ter havido negociações suficientes”.

A chave deste processo está, na opinião de Paulo do Espírito Santo, na lei laboral e no aumento dos salários, dois dos temas vincados pelo líder parlamentar do PCP quando anunciou o voto contra. “Se o PCP conseguir essa batalha, pode haver viabilização pela abstenção”, antecipa a politóloga. Freire concorda que a questão da subida dos salários e da lei laboral seja o tema principal e recorda que o PS foi contra as medidas da troika que agora não quer reverter. “O PS está confrontado com a necessidade de oferecer contrapartidas”, diz o politólogo, uma vez que “PCP e Bloco precisam de mostrar que o seu apoio traz vantagens ao seu eleitorado”.

O objetivo de ambos os partidos é “trazer à praça pública o Orçamento e um vincar a posição e a sua força” de forma a mostrarem que “não estão ali a compor uma viabilização”, explica a professora do ISCSP, antecipando que pelo menos um dos dois partidos “dará alguma luta, mas chegará a algum consenso no final”. André Freire concorda, mas coloca “a bola do lado do PS”, partido que “se comporta como se tivesse maioria absoluta”. “A parada pode subir”, avisa, argumentando que os socialistas não podem dizer que é uma “concessão” algo que está no programa eleitoral do PCP e Bloco, mas que também está no do PS.

Na ausência de acordo, o cenário de eleições antecipadas é o mais provável, antecipa o politólogo, tal como referiu Marcelo Rebelo de Sousa, mas alerta que “há riscos sérios de as coisas não correrem bem se houver um colapso das negociações“. Freire diz que o que aconteceu em Lisboa nas autárquicas, e noutras grandes cidades do litoral em que houve uma vitória da direita, é um “sinal de disponibilidade do eleitorado para uma viragem“. “Se os partidos de esquerda não se conseguirem entender, o eleitorado de esquerda pode ficar desmobilizado e o de direita mobilizar-se-á mais e não terá estes problemas de se entenderem”, perspetiva.

Outra hipótese seria o Governo ficar a governar em duodécimos, o que significaria que a despesa pública de cada mês não pode exceder 1/12 da despesa total do OE 2021, com exceção das prestações sociais de Segurança Social e as despesas com aplicações financeiras, de acordo com a lei. Isto significaria, segundo disse o Presidente da República, que o Executivo não poderia executar os investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), no valor de três mil milhões de euros em 2021, falhando as metas e objetivos contratados com a Comissão Europeia. Além de ficar também por implementar o alívio fiscal no IRS, o aumento extraordinário nas pensões e a subida de 0,9% dos salários da função pública.

Porém, esta é uma solução que não agradava a Costa no ano passado: o primeiro-ministro disse que era “essencial não governar aos bochechos, em duodécimos. “O país não ficar a depender de governações a solavanco e duodécimos”, defendeu. Nessa altura, também Bloco e PCP disseram que não era uma boa ideia.

PSD mantém-se à distância

Sem surpresas, os social-democratas fizeram uma primeira reação negativa à proposta do Orçamento por causa da estratégia do Governo, mas remeteram a indicação do sentido de voto para mais tarde, após discussão interna que deverá ocorrer ainda esta semana. Rui Rio só deverá fazer o anúncio na próxima semana, segundo fontes parlamentares ouvidas pelo ECO, mas a ameaça de chumbo à esquerda não deverá mudar a posição do maior partido da oposição.

Até porque os social-democratas não esqueceram as palavras de António Costa no ano passado em entrevista ao Expresso: “No dia em que a sua subsistência depender do PSD, este Governo acabou“, declarou. Na altura, também perante a iminência de um chumbo do OE e a especulação sobre duodécimos em 2021, o PSD deixou claro que só se Costa pedisse desculpa é que podia salvar o Orçamento.

Mas agora nem isso parece levar o partido a reconsiderar a sua posição, após o fôlego ganho nas autárquicas, dado que o partido não faz parte do processo de negociação, o qual cabe ao Governo e aos seus parceiros parlamentares. André Freire corrobora esta interpretação: “Seria indesejável para o PSD negociar com o PS. As eleições antecipadas são do seu interesse”, diz.

Neste momento, ao que o ECO apurou, também não houve da parte do Governo nenhuma conversa ou negociação com os social-democratas relativa ao Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022).

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