Leão concentra poder do Orçamento e não delega na secretária de Estado
Há mais de um ano que Cláudia Joaquim é secretária de Estado do Orçamento, mas o ministro das Finanças ainda não lhe delegou as competências. Os outros três secretários de Estado já as receberam.
João Leão deixou de ser secretário de Estado do Orçamento em junho do ano passado, subindo a ministro de Estado e das Finanças. Porém, até ao momento ainda não delegou as funções na nova secretária de Estado do Orçamento, Cláudia Joaquim, ao contrário do que fez para os outros três secretários de Estado e do que é normal acontecer, tal como Mário Centeno, ex-ministro das Finanças, lhe delegou as competências do Orçamento no início desta legislatura. Formalmente, Leão concentra em si esse poder, ainda que na prática seja Cláudia Joaquim a assinar.
Recuemos ao início da atual legislatura. Mário Centeno ainda era ministro das Finanças e em fevereiro de 2020 publicava um despacho em que delegava em João Leão as competências de secretário de Estado do Orçamento. Poucos meses depois, Centeno sairia para governador do Banco de Portugal e Leão subia a ministro, tomando posse em junho. Só seis meses depois é que começou a delegar competências nos seus secretários de Estados: o primeiro foi a dos Assuntos Fiscais em janeiro de 2021, seguindo-se o das Finanças em fevereiro e o do Tesouro em abril.
Estes três despachos tinham efeitos retroativos a 15 de junho de 2020, dia em que tomaram posse, “ficando por esta forma ratificados todos os atos que, no âmbito das competências ora delegadas, tenham sido praticados” pelos respetivos secretários de Estado. Porém, há uma secretária de Estado que continua há mais de um ano sem essa proteção legal: Cláudia Joaquim, que foi substituir Leão na pasta do Orçamento.
A ausência de um despacho de delegação de competências não só sinaliza a concentração de poder sobre o orçamento em Leão, mas também poderá ter implicações jurídicas. De acordo com José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS Advogados e especialista em direito administrativo, “enquanto não houver delegação, o ministro é o único competente para emitir atos”, ou seja, Leão tem todo o poder formal sobre o Orçamento, e “todo o ato que a secretária de Estado pratique é ilegal enquanto não for ressalvada pela delegação”. Porém, “muitas vezes a delegação é feita com eficácia retroativa e ratifica os atos já praticados”, como aconteceu no caso dos outros secretários de Estado.
Contudo, há ainda uma questão que se coloca, apesar de não ser comum: José Luís Moreira da Silva explica que, segundo o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pode haver a impugnação dos atos inválidos assinados pela secretária de Estado — por exemplo, uma empresa afetada por determinada portaria ou despacho –, e que o Ministério Público tem um ano para desencadear o processo, apesar de tal raramente acontecer. Como está há mais de um ano sem as competências, Cláudia Joaquim corre este risco, ainda que depressa pudesse ser resolvido com a publicação urgente do despacho da delegação por parte de João Leão em Diário da República.
O ECO questionou o Ministério das Finanças sobre o atraso na publicação do despacho de delegação de competências da secretária de Estado do Orçamento, mas não foi possível obter uma resposta até à publicação deste artigo.
Oposição acusa Leão de não se ter libertado do fato de secretário do Orçamento
O Regime da Organização e Funcionamento do XXII Governo Constitucional, o segundo Governo de António Costa, define que os secretários de Estado “não dispõem de competência própria, exceto no que se refere aos respetivos gabinetes”, exercendo apenas as competências nas matérias que lhe sejam delegadas pelo primeiro-ministro ou, como é comum, pelo ministro respetivo.
Para que haja essa delegação de poderes é preciso um ato, neste caso um despacho, segundo o Código do Procedimento Administrativo: “Mediante um ato de delegação de poderes, os órgãos competentes para decidir em determinada matéria podem sempre permitir que o seu imediato inferior hierárquico, adjunto ou substituto pratiquem atos de administração ordinária nessa matéria”, lê-se na lei.
Entre as competências normalmente delegadas a um secretário de Estado do Orçamento está o poder sobre a Direção-Geral do Orçamento, a Unidade de Implementação da Lei de Enquadramento Orçamental ou a ADSE, entre outras entidades, assim como a capacidade de “decisão de contratar e a autorização da despesa inerente” a contratos públicos.
A falta deste despacho é um dos indícios de que João Leão ainda mantém mão firme na execução orçamental, mantendo as competências formais do Orçamento dentro do seu poder, ainda que os despachos, portarias e outros atos legislativos sejam assinados pela secretária de Estado. Há vários exemplos no Diário da República de autorizações de despesa assinados por Cláudia Joaquim.
Num perfil publicado em agosto pelo Jornal de Negócios, Leão era descrito como “o ministro do Orçamento”, “mantendo excessivamente o foco nas questões orçamentais” quando o seu cargo atual é mais lato. O artigo relatava ainda que “fecha-se horas sem fim com Cláudia Joaquim”, com quem terá uma boa relação, “a rever números e estratégias”.
A oposição também critica esta característica do sucessor de Centeno. Joaquim Miranda Sarmento, presidente do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD e “ministro-sombra” das Finanças, tem criticado Leão por ser o “ministro do Orçamento e das cativações”. “O ministro das Finanças ainda não se libertou do seu fato de secretário de Estado do Orçamento. É um fato mal medido“, disse em entrevista à Antena 1/Negócios.
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