Ninguém ganha com eleições antecipadas

Atirar a toalha ao chão e pôr fim à geringonça não vai ajudar o PCP a reconquistar eleitorado. Esquerda pode ser penalizada e ala mais à direita do Parlamento poderá beneficiar da situação.

Comunistas e bloquistas recusam viabilizar o Orçamento do Estado para 2022 e atiram o país para eleições antecipadas. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ameaçou e reiterou que, perante um chumbo do documento iniciará “logo, logo, logo a seguir o processo de dissolução” da Assembleia da República. E se até quarta-feira não houver um “golpe de magia”, a pergunta que se coloca é quem ganha com a realização de eleições antecipadas? Os politólogos ouvidos pelo ECO são perentórios em afirmar que não será a esquerda. Eventualmente, a direita. Mas o mais certo é ninguém ganhar.

“A realização de eleições vai gerar um impasse no país e uma perda de tempo do ponto de vista da retoma programa“, diz André Freire. De acordo com a proposta de Orçamento do Estado, a economia nacional deverá crescer 5,5% no próximo ano, com um importante impulso dos fundos europeus, cuja execução fica parcialmente comprometida com o país a funcionar em duodécimos. “Os partidos de esquerda dificilmente beneficiarão desta culpa por as negociações não chegarem a bom porto. Nem mesmo o PS vai capitalizar com isto, porque demonstra incapacidade de encontrar soluções em conjunto”, acrescenta o professor de ciência política do ISCTE.

“O PS não ganha também porque as eleições antecipadas vão desencadear-se num contexto de fatores exógenos que não favorecem o partido no poder“, frisa António Costa Pinto, dando como exemplo o escalar dos preços do petróleo ou a dinâmica nos mercados internacionais das matérias-primas que vão gerar inflação. E os partidos à esquerda “também não capitalizam”, vaticina o investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor convidado do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.

“O PCP tinha avisado” que iria chumbar o OE caso as suas reivindicações não fossem satisfeitas, recorda Adelino Maltez. E se o Governo se lamenta pelo facto de “nunca terem ido tão longe no diálogo com o PCP” e que houve um “esforço enorme” para se aproximar dos pedidos dos comunistas, isso não foi suficiente. “A alma dos comunistas estava em contradição por ser um dos dois pés de uma geringonça a três“, acrescenta o professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, onde é professor catedrático do grupo de ciências jurídico-políticas.

Atirar a toalha ao chão e pôr fim à geringonça não vai ajudar o PCP a reconquistar eleitorado, defendem os politólogos. “O PCP vai continuar a declinar um pouco e o bloco de Esquerda também”, diz António Costa Pinto. “O PCP já está a declinar há várias eleições“, lembra André Freire. Para os politólogos não é um problema de ter dado a mão ao Governo de António Costa, mas antes um “problema estrutural” do partido, mais uma vez evidenciado pelo resultado nas eleições autárquicas.

“O facto de o eleitorado de esquerda ter gostado desta solução e de se antecipar que esta pode ser uma oportunidade de alteração de Governo para a direita isso pode, ao contrário do que se pensa, penalizar o PS”, diz Costa Pinto.

Os politólogos admitem que a ala mais à direita do Parlamento poderá de facto beneficiar desta situação até porque PSD e CDS estão a disputar a liderança e isso poderá colar, de certa forma, as suas campanhas internas a uma pré-campanha eleitoral. “Se alguém beneficia disto será a direita”, diz André Freire, admitindo a possibilidade de vir as ser formado um Governo de direita “com PSD, liderado por Rui Rio ou Paulo Rangel, e com CDS e Iniciativa Liberal em coligação pré-eleitoral e se necessário o Chega também pode fazer parte da solução, mas não em coligação. Uma solução estilo Açores”, explica o professor de Ciência política do ISCTE.

É quase certo que o PS vai pedir uma maioria absoluta para poder governar, dizem os politólogos. “Mas as pessoas não estão para aí viradas”, diz André Freire. “À semelhança do que aconteceu em grandes cidades como Lisboa e Coimbra, as pessoas podem não mudar o sentido de voto, mas haver uma maior desmobilização à esquerda“, antecipa. “O PS pode voltar a ter uma maioria relativa, mas a esquerda no seu conjunto vai ser penalizada, isto tendo em conta as sondagens”, acrescenta, admitindo que “o PAN talvez possa conquistar mais votos nas novas eleições tendo em conta a capacidade de negociação demonstrada”.

Um PS minoritário voltar-se para o PSD para formar um Governo de bloco central é uma cartada afastada por todos. “É um mito”, diz mesmo Adelino Maltez. “Só numa conjuntura de grande crise seria possível”, admite Costa Pinto, sublinhando que essa solução “conduziria a um maior fracionamento e ascensão de partidos antissistema”.

Mas então quem ganha? “Fica tudo na mesma, com com mais X% para uns e menos X% para outros”, resume Adelino Maltez, sublinhando que o destino de António Costa está traçado. “Quem com ferro mata, com ferro morre“, diz recordando o facto de ter chegado a primeiro-ministro sem ser a força política mais votada — quem ganhou as legislativas de 2015 foi o PSD sob a liderança de Pedro Passos Coelho — e que foi por iniciativa do PCP na própria noite eleitoral ter lançado as bases da geringonça. Agora é o mesmo PCP que determina o seu fim.

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