Mariana e Teresa abrem Excel para fazer Ajuste de Contas nos salários
Na Finlândia, o Governo quer criar lei para promover a transparência salarial. Duas criativas portuguesas muniram-se de uma folha Excel para promover transparência salarial no setor da comunicação.
É o Ajuste de Contas na hora de falar sobre transparência salarial. Na Finlândia, o Governo está a planear avançar com legislação que permita aos profissionais saber quanto recebem os seus colegas, caso suspeitem de discriminação salarial, procurando com isso reduzir as disparidades de rendimento entre homens e mulheres. Em Portugal, apesar de as mulheres terem níveis mais altos de escolaridade — mas ganham apenas 73-78% do que os pares masculinos –, discutir abertamente o valor dos salários é ainda “tabu“. Na área da comunicação, duas criativas portuguesas, Teresa Pinho e Mariana Reis, estão, com uma folha Excel, a fazer o Ajuste de Contas com a realidade salarial do setor.
“Em Portugal, embora se note que começa a haver mais abertura para falar sobre os níveis salariais, este ainda é um tema tabu. Talvez seja um fator cultural, mas ainda não é comum falar-se de abertamente sobre salários”, reconhece Paula Baptista, managing director da Hays Portugal, à Pessoas.
E há mesmo um silêncio sobre o tema nas empresas, refere Ricardo Carneiro. “Continua a ser um tema tabu em Portugal”, diz o diretor da área de recrutamento e seleção especializado na Multipessoal. “A única exceção prende-se com as multinacionais, sobretudo na área da consultoria (ex. Big 4), nas quais os salários estão de certa forma tabelados e raramente há lugar a exceções, levando a que os colaboradores saibam quanto ganham os seus colegas do lado e os superiores”.
Mas a transparência salarial nas empresas é “importante” e “não só para combater a desigualdade salarial que existe”, refere Paula Baptista — apontando para os resultados recentes do Inquérito da Hays sobre Diversidade e Inclusão no mercado de trabalho em Portugal, que indicam que “47% dos homens foi aumentado em comparação com 40% das mulheres” –, mas também “porque é preciso promover uma cultura de transparência dentro das organizações.”
Já tivemos a Geração à Rasca, já tivemos a Geração dos 500, talvez esteja na altura de termos uma geração transparente que fale do problema que existe e parece persistir: salários precários, desiguais e ocultos. Isto é ainda mais verdade na indústria criativa onde a paixão por grandes ideias é o que move os criativos, mas infelizmente a paixão não paga contas.
A diferença salarial de género em Portugal tem vindo a diminuir nos últimos anos, de 16,6% em 2015 recuou para 15,7% no ano seguinte, para 14,8% em 2017 e para 14,4% em 2018. Em 2019, os dados mais recentes, essa disparidade era de 14%, lembrou a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) a 11 de novembro, dia em que se assinala o Dia Nacional da Igualdade Salarial. Ou seja, uma disparidade salarial de 14% que significa, por ano, a uma perda de 51 dias de trabalho remunerado para as mulheres.
Desde 2019 que a CITE está a trabalhar na criação da Norma Portuguesa para a Igualdade Remuneratória entre Mulheres e Homens, no âmbito do Projeto Equality Platform and Standard, financiado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, através do Programa Conciliação e Igualdade de Género do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu – EEA Grants 2014-2021.
E o tema da disparidade salarial já mereceu críticas de Marcelo Rebelo de Sousa. “Tem sido uma luta nos salários. As mulheres recebem menos do que os homens em média, em quase todas as profissões. Isto não faz sentido e fará cada vez menos sentido”, disse o presidente da República, na estreia do programa “Mulheres de coragem”, em Belém.
Geração à Rasca faz Ajuste de Contas
Teresa Pinho e Mariana Reis chamaram a si o tema da transparência salarial, pelo menos na área da comunicação e publicidade. E o resultado foi Ajuste de Contas. “Já tivemos a Geração à Rasca, já tivemos a Geração dos 500, talvez esteja na altura de termos uma geração transparente que fale do problema que existe e parece persistir: salários precários, desiguais e ocultos. Isto é ainda mais verdade na indústria criativa onde a paixão por grandes ideias é o que move os criativos, mas infelizmente a paixão não paga contas”, comenta Teresa Pinho à Pessoas.
“Foi por esse motivo que criámos o Ajuste de Contas, uma iniciativa dentro do projeto “Quem é Quem” — projeto que procura dar a conhecer os criativos portugueses — que tem como objetivo incentivar a transparência salarial“, sintetiza a criativa portuguesa, atualmente, e depois de uma temporada a trabalhar na Ogilvy de Paris, está na AKQA de São Paulo.
O projeto é simples. “Nada mais é do que uma folha de Excel acessível a todos onde a comunidade criativa pode partilhar o seu salário de forma aberta e anónima através de um inquérito, dando uma visão alargada dos preços praticados no mercado”, descreve Mariana Reis, a outra metade da dupla criativa e coautora deste projeto pessoal das duas publicitárias.
Apesar de anónimo, no inquérito consta informações como o nome da agência para onde os criativos prestam serviços, qual o seu vínculo com a agência, bem como valores de remuneração líquida e bruta que auferem. Nas mais de 400 entradas que constam no Excel há contributos de várias zonas do mundo.
Ajuste de Contas é uma ferramenta que empodera os trabalhadores a perseguirem essa mudança. Porque incentiva revisões de salário; gera conversas sem tabus com colegas e patrões; revela quem paga melhor e pior na indústria; e preparam candidatos a entrevistas de empregos a negociar um salário justo.
“A transparência salarial é benéfica em qualquer área, mas numa indústria sem ordem nem sindicato, a transparência é fundamental. Se a isto juntarmos o facto de que a nossa prestação ou qualidade enquanto trabalhadores é altamente subjetiva, cria-se uma tempestade perfeita que dá margem a que os empregadores ofereçam salários desadequados”, reforça Mariana Reis.
Inicialmente o Ajuste de Contas foi pensado exclusivamente para a comunidade criativa. Mas rapidamente ampliou o foco. “Com a aceitação da indústria, alargámos o target e partilhámos os valores de todos os que trabalham na área da comunicação, desde criativos a marketeers, accounts até produtores. Já contamos com mais de 400 partilhas”, conta Teresa Pinho. “Já recebemos submissões de trabalhadores de outras áreas que não têm ligação à indústria publicitária, por isso, quem quiser replicar esta iniciativa esteja à vontade. No final do dia, é um problema abrangente a outras, senão a todas os setores profissionais.”
Uma “mera” folha de Excel com um objetivo ambicioso: “Provocar mudança”. “E queremos que essa mudança seja feita em conjunto. O Ajuste de Contas é uma ferramenta que empodera os trabalhadores a perseguirem essa mudança. Porque incentiva revisões de salário; gera conversas sem tabus com colegas e patrões; revela quem paga melhor e pior na indústria; e preparam candidatos a entrevistas de empregos a negociar um salário justo”, justifica Mariana Reis.
No final do ano, os dados recolhidos serão usados para criar um index com os valores salariais praticados pela indústria. “Mas mais importante ainda, iremos comparar as remunerações com o custo de vida em cada localidade, para percebermos o grau de precariedade vivido na área da comunicação. Afinal de contas, como é que um criativo sénior com 9 anos de experiência leva para casa 1.000€, mas um T1 em Lisboa está por volta dos 650€?”, questiona Teresa Pinho.
Finlândia discute transparência salarial
Na Finlândia parece que o tema deixou de ser tabu. E a discussão está a ser promovida pelo próprio governo. Tem em cima da mesa uma lei que vai permitir aos colaboradores de uma empresa saber quanto ganham os seus colegas, caso suspeitem que existe uma discriminação salarial. O executivo quer aprovar a lei antes das eleições de abril de 2023, mas o tema não está a reunir consenso. Os sindicatos de trabalhadores querem ainda mais transparência e maior organização patronal do país defende que a medida vai criar mais conflitos no local de trabalho.
No ano passado, as mulheres finlandesas ganhavam menos 17,2% do que os homens, segundo um ranking de igualdade salarial publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Esse mesmo relatório coloca a Finlândia na 37.ª posição, muito atrás dos seus pares, com a Noruega na 8.ª posição, a Dinamarca na 9.ª e a Suécia na 12.ª.
Em quase todos os países da OCDE, e em todos os níveis de escolaridade, as mulheres entre os 25 e os 64 anos ganham menos do que os homens. A nível global, ganham apenas 76%-78% dos rendimentos dos seus pares masculinos.
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