"Temos muito para resolver, no entanto não podemos ficar à espera que a COP do próximo ano resolva tudo o que não ficou resolvido nesta", diz José Eduardo Martins, sócio da Abreu Advogados.
José Eduardo Martins, sócio da Abreu Advogados, já leva um longo historial de Cimeiras do Clima das Nações Unidas. A primeira em que participou foi a COP 6 em Haia “que falhou as regras definidas para o Protocolo de Quioto e para operacionalizar o mecanismo de desenvolvimento limpo”.
20 COP depois, olha para Glasgow como “mais um resultado insuficiente, numa COP insuficiente”, disse em entrevista ao Capital Verde. “A ilusão de partida não era muita, pelo que a desilusão à chegada também não é imensa”, avalia.
Olhando já para a próxima COP 27, no Egito, José Eduardo Martins diz que “temos muito para resolver, no entanto não podemos ficar à espera que a COP do próximo ano resolva tudo o que não ficou resolvido nesta”.
Depois há o eterno problema do compromisso. “A China, a Índia e uma série de países verdadeiramente ricos e emissores de carbono não estão disponíveis para mudar a sua trajetória porque, ou não vivem em democracia, como é o caso da China, ou não têm uma opinião pública forte, como acontece com a Índia”, remate.
Que avaliação faz do texto final do Pacto Climático de Glasgow?
É mais um resultado insuficiente, numa COP insuficiente. No entanto, para quem está habituado a acompanhar o percurso do que tem sido a vida das Conferências das Partes que todos os anos vão concretizando um pouco mais a Convenção-quadro assinada no Rio de Janeiro em 1992, a ilusão de partida não era muita, pelo que a desilusão à chegada também não é imensa.
O texto é obviamente insuficiente e revela aquilo que quem acompanha estes temas sabe há muito tempo: algumas das COP são mais animadoras quando as coisas estão piores e outras são mais desanimadoras. A primeira em que participei foi a COP 6 em Haia que falhou as regras definidas para o Protocolo de Quioto e para operacionalizar o mecanismo de desenvolvimento limpo.
Depois disso, passaram-se tantos altos e baixos que a perspetiva que se tem que ter não é simplesmente dizer que o pacto fica muito aquém das necessidades, porque isso qualquer um sabe: que este pacto nunca vai permitir a redução de 1.5ºC no tempo em que é necessário; que nunca atingirá a neutralidade carbónica até 2050 como era desejado pela União Europeia e que o mundo terá de fazer um esforço de adaptação muito maior do que aquele que estava a pensar. Todas as pessoas que lidam realisticamente com estes temas sabem disto.
À semelhança do que acontece com as alterações climáticas, nós estamos neste momento perante um problema global, que é a pandemia de COVID-19, para a qual temos uma solução imediata, e nem com essa solução este problema se está a resolver porque vivemos num sistema de ordem mundial que se baseia na soberania dos Estados, o que faz com que na maior parte dos países da Europa estejamos a aplicar a terceira dose de uma vacina que ainda nem chegou a 2/3 do mundo. São estas desigualdades e ordens mundiais que se refletem também nas COP e afetam as suas conclusões.
O que ficou mesmo a faltar no documento?
O que ficou a faltar no documento é um pouco o que falta em todos os acordos multilaterais do ambiente e deve-se ao facto de nós vivermos, e ainda bem que assim é, numa ordem mundial baseada na soberania dos Estados, o que tem muitas vantagens, mas em alguns dos casos também desvantagens.
Por exemplo, à semelhança do que acontece com as alterações climáticas, nós estamos neste momento perante um problema global, que é a pandemia de COVID-19, para a qual temos uma solução imediata, e nem com essa solução este problema se está a resolver porque vivemos num sistema de ordem mundial que se baseia na soberania dos Estados, o que faz com que na maior parte dos países da Europa estejamos a aplicar a terceira dose de uma vacina que ainda nem chegou a 2/3 do mundo. São estas desigualdades e ordens mundiais que se refletem também nas COP e afetam as suas conclusões.
Este pacto nunca vai permitir a redução de 1.5ºC no tempo em que é necessário; que nunca atingirá a neutralidade carbónica até 2050 como era desejado pela União Europeia e que o mundo terá de fazer um esforço de adaptação muito maior do que aquele que estava a pensar.
A COP26 foi um sucesso ou um fracasso?
Não foi nem uma coisa nem outra. Foi mais uma COP, como será a próxima e como foram várias anteriores, onde se deram pequenos passos em alguns temas. Houve algum avanço sobre o tema da deflorestação mas sem compromissos concretos, sendo que chegamos à declaração final e o facto de, em plena crise energética, tanto a Índia, onde ainda esta semana em Nova Deli tiveram de encerrar escolas por causa da poluição no ar, como a China, que é um novo grande player e poluidor mundial, terem conseguido juntas suprimir as referências à subsidiação do carvão no texto final da conferência é, de certa forma, uma desgraça.
Que consequências imediatas já se estão a sentir?
Acho que não se estão a sentir nenhumas consequências imediatas desta COP. As consequências que sentimos em Portugal resultam do facto de estarmos integrados num bloco político que pretende liderar e ser mais avançado em relação ao mundo nestes temas, e portanto a lei do clima aprovada no verão vai agora ter de ser moldada de várias maneiras, com consequências ao nível do comércio europeu de licenças de emissão, das regras sobre land use e land use change and forestry, ou seja das regras sobre a agricultura e florestas, e vão haver mudanças na diretiva das energias renováveis, mas ainda não sabemos exatamente quais.
Futuros de carbono atingem recordes depois da COP. Porquê?
Por uma razão simples: estamos a chegar à conclusão que o mundo pode ter capitalismo sem democracia mas não pode ter democracia sem capitalismo, e portanto boa parte das soluções de mitigação passam por soluções de troca de licenças, sendo que no caso da União Europeia passam pelo comércio europeu de licenças de emissão para a indústria europeia, que se vai tornar cada vez mais exigente, o que leva os preços do carbono a subir bastante (quase para o dobro) desde 2019 até este ano, essencialmente em função da pressão criada pelo European Trading Scheme.
A China, a Índia e uma série de países verdadeiramente ricos e emissores de carbono não estão disponíveis para mudar a sua trajetória porque, ou não vivem em democracia, como é o caso da China, ou não têm uma opinião pública forte, como acontece com a Índia. Para termos noção do que estamos a falar, é importante dizer que só a China sozinha tem três vezes mais emissões que a União Europeia no seu todo.
O que fica para resolver na COP27 no Egito no próximo ano?
Temos muito para resolver, no entanto não podemos ficar à espera que a COP do próximo ano resolva tudo o que não ficou resolvido nesta. Isso não vai acontecer pelas razões que já disse anteriormente, pelo que o que queremos do Egito é que tudo decorra com tranquilidade e que possa haver uma mudança na opinião pública, com esta a tornar-se mais exigente (como já acontece com a geração Z na Europa), principalmente nos países verdadeiramente energívoros onde isso ainda não se verifica.
A China, a Índia e uma série de países verdadeiramente ricos e emissores de carbono não estão disponíveis para mudar a sua trajetória porque, ou não vivem em democracia, como é o caso da China, ou não têm uma opinião pública forte, como acontece com a Índia. Para termos noção do que estamos a falar, é importante dizer que só a China sozinha tem três vezes mais emissões que a União Europeia no seu todo.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
COP26. “Pacto de Glasgow nunca vai permitir a redução de 1.5ºC no tempo necessário”
{{ noCommentsLabel }}