Medidas para a habitação durante a pandemia foram “insuficientes” e “ineficazes”, afirma Tribunal de Contas
Tribunal de Contas analisou as medidas extraordinárias adotadas por Pedro Nuno Santos na habitação para lidar com a pandemia. Governo "não compreende" conclusões da auditoria.
No ano passado, o Governo tomou medidas para lidar com os efeitos da pandemia, sobretudo no campo da habitação. O Tribunal de Contas (TdC) resumiu essa atuação política em cinco medidas extraordinárias, mas as conclusões não foram as mais positivas. A auditoria concluiu que “nenhuma se revelou eficaz” e que, no geral, todas se mostraram “insuficientes” para ajudar o setor da habitação a recuperar da Covid.
O TdC decidiu “avaliar se a reação ao impacto adverso da pandemia” foi “adequada para assegurar a recuperação do setor da habitação”. Para isso, analisou a “eficácia das medidas tomadas e do grau de recuperação face à situação inicial”, refere o relatório, conhecido esta quinta-feira.
Foram várias as medidas identificadas pelo Ministério da Habitação, mas o TdC resumiu-as em cinco: conservação e reabilitação do parque habitacional público do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) — única medida anterior à pandemia; empréstimos às rendas; conversão do património do Estado em rendas acessíveis; conversão do alojamento local em rendas acessíveis; e redução, suspensão e isenção das rendas devidas ao Estado.
A primeira avaliação aconteceu a 30 de setembro de 2020. Nessa altura, verificou-se que, das cinco medidas, “duas estavam por aplicar, só uma tinha meta definida para 31 de dezembro de 2020 e nenhuma se revelava eficaz para alcançar o objetivo, nem para recuperar a situação inicial (anterior ao impacto adverso da pandemia)”, lê-se.
“As deficiências detetadas” evidenciavam que a resposta do Ministério de Pedro Nuno Santos “não estava a ser adequada para assegurar a recuperação do setor”. Entre os principais riscos, o TdC destacou a “incompletude e insuficiência da informação reportada” pelo Ministério, o “insuficiente grau de execução” das medidas e a sua “ineficácia”. Foi, por isso, feita uma segunda avaliação, a 31 de dezembro de 2020.
Evolução das cinco medidas no espaço de três meses
Sobre a reabilitação dos imóveis do IHRU, o tribunal diz que, a 30 de setembro, esta medida “não se revela eficaz”, uma vez que o número de fogos reabilitados era apenas 99 (33%) da meta anual e a execução financeira apenas 24% (1,7 milhões) do orçamentado. Além disso, “a redução de 29% na meta para 2020 (300) face ao resultado de 2019 (421) e o não incremento dessa meta (como reação à pandemia) são contrárias ao objetivo da medida”.
Contudo, a 31 de dezembro, a medida “quase atingiu o seu objetivo”, com 295 fogos reabilitados (meta eram 300). Apesar desta melhoria, a execução financeira correspondia a apenas 78% (5,5 milhões de euros) do orçamentado para 2020 (sete milhões de euros). Além disso, a redução na meta para 2020, tendo em conta o resultado de 2019, e o não aumento da mesma, continuava a ser “contrária ao objetivo desta medida”.
Do lado do Ministério, a justificação diz que “o setor da construção não esteve imune ao impacto da pandemia” e que é “compreensível”, “pelo menos em parte, a redução do número de operações de reabilitação”. Já o IHRU alega que “a execução desta medida foi condicionada por fatores externos”.
Sobre os empréstimos do IHRU para as rendas, cujo orçamento era de quatro milhões de euros, a 30 de setembro, “a eficácia desta medida não é suscetível de avaliação direta”, uma vez que o Ministério não deu qualquer meta para o número de empréstimos a conceder. Contudo, a execução financeira era de apenas 19% (744.644 euros) do orçamento. A 31 de dezembro, na segunda avaliação, a medida continuava a não poder ser avaliada diretamente, com a execução financeira a ser apenas 29% (1,16 milhões) do orçamento.
O Governo alega que, numa crise pandémica, “não é possível nem consistente antecipar, através da fixação de uma meta, o número de situações a abranger com esta medida”. Por sua vez, o IHRU afirma que era “desconhecido o universo de arrendatários com quebras de rendimentos” e que ” a medida não teve maior resultado” pelo facto de “muitas famílias terem optado por recorrer à moratória legal” ou a outras medidas municipais.
Quanto à conversão do património do Estado em rendas acessíveis, a 30 de setembro esta medida foi considerada “ineficaz” “por ainda não estar vigente”, apesar do orçamento de 48 milhões de euros. A 30 de dezembro a avaliação manteve-se. O Ministério diz ser “evidente” que a construção de um parque habitacional “é uma medida estrutural sem reflexos imediatos”, enquanto o IHRU afirma ter “implementado de forma eficaz e eficiente os procedimentos necessários” para concretizar esta medida.
Sobre a conversão do alojamento local em rendas acessíveis, a medida foi, nas duas avaliações, considerada “ineficaz para cumprir o seu objetivo, por falta de execução física e financeira, apesar do orçamento de 4,5 milhões de euros”. Também não foi estabelecida nenhuma meta anual. O Ministério alega que “não é possível estabelecer à partida uma meta”.
Por último, no que diz respeito à redução, suspensão e isenção das rendas devidas ao Estado, não foi possível avaliar diretamente esta medida. Porém, diz o TdC, os 30 pedidos aprovados e a perda de 28.767 euros de receitas em dezembro “são muito reduzidos”. As justificações do Ministério vão no mesmo sentido da medida anterior.
Medidas previam despesa de 63,5 milhões. Só se gastou 16%
Terminados os dois momentos de avaliação, o TdC concluiu que, a 31 de dezembro de 2020, “subsistiam as deficiências detetadas” a 30 de setembro de 2020, “evidenciando que essa reação não estava a ser adequada para assegurar a recuperação desse impacto no setor da habitação e confirmando a materialização como principais riscos relativos às medidas tomadas”.
Entre os principais riscos identificados destacam-se a desarticulação entre a implementação das medidas e a prossecução do interesse público; a inadequação da estrutura de monitorização e controlo das medidas; a incompletude e insuficiência da informação reportada sobre as medidas extraordinárias; o insuficiente e incipiente grau de execução das medidas extraordinárias; a desadequação e ineficácia das medidas.
Estas cinco medidas previam uma despesa de 63,5 milhões de euros, mas apenas foram gastos dez milhões de euros (16%), refere a auditoria. “Em suma, o grau de execução das medidas extraordinárias foi insuficiente e incipiente em 2020”.
Assim, ao Ministério foram deixadas duas recomendações: promover a articulação das medidas com a prossecução do interesse público e dispor de uma estrutura adequada para monitorizar e controlar eficazmente as medidas. Já ao IHRU, o TdC aconselha que, enquanto entidade gestora das medidas tomadas, esta instituição “conceba e implemente um modelo de avaliação de eficácia” das mesmas, disponibilizando “um conjunto de informações relevantes” sobre cada uma.
Governo defende-se com “constante ‘aprendizagem em processo'”
Para além dos esclarecimentos que foi dando ao próprio TdC, o Ministério de Pedro Nuno Santos reagiu depois de a auditoria ter sido tornada pública. Em comunicado enviado esta quinta-feira, lê-se que “trata-se de um fenómeno novo, inédito, para o qual nenhum país estava preparado e que obrigou a uma resposta imediata e a uma constante ‘aprendizagem em processo’“.
Além disso, refere que estas medidas “não são quantitativamente qualificáveis”. “Como pode a suspensão dos despejos ou o regime excecional de proteção dos arrendatários (…) ser medido quantitativamente se, precisamente, o que dita o seu sucesso, é não terem existido despejos, ou os contratos terem permanecido válidos, e por isso as pessoas não terem perdido a sua habitação?”, refere o comunicado.
O Ministério da Habitação justifica que a análise que faz é “necessariamente diferente” e diz não compreender as conclusões desta auditoria, “seja quanto à definição, à partida, de uma meta orçamental, seja quanto à conclusão de que as medidas foram insuficientes”.
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