“Grande maioria das empresas familiares portuguesas não gere adequadamente a sucessão”
A Inditex e o dono da Delta são algumas das empresas familiares onde tem havido mexidas na liderança. A Pessoas falou com um especialista que aconselha as empresas sobre como preparar a sucessão.
Marta Ortega, filha de Amancio Ortega, o fundador da Inditex, vai substituir Pablo Isla na presidência do grupo dono da Zara, da Massimo Dutti e a Oysho. Em Portugal, Rui Miguel Nabeiro, neto do fundador do grupo dono da Delta, passou a assumir a presidência executiva do grupo Nabeiro. O que têm em comum? Assumem a liderança de empresas familiares. E qual a chave para uma mudança bem-sucedida? Muita preparação. O que nem sempre acontece. “A grande maioria das empresas familiares portuguesas não gere adequadamente a sucessão”, afirma João Rodrigues Pena, managing partner e fundador da Arboris, empresa que apoia e aconselha as empresas familiares em processos de sucessão.
Passe a liderança de avô para neto, de tio para sobrinho ou de pai para filha, com uma liderança externa pelo meio, há um fator que deve ser comum a todos eles: a preparação. “Para se conseguir que esse caminho tenha sucesso é fundamental que haja todo um processo de preparação. E a grande maioria das empresas familiares portuguesas não gere adequadamente a sucessão”, afirma João Rodrigues Pena, em conversa com a Pessoas.
Não foi o caso do grupo têxtil espanhol. “O pai, Amancio Ortega, mantém as mesmas funções — uma função mais rica e mais feliz que conseguiu criar para si, dedicando-se à componente mais criativa e de desenvolvimento a longo prazo da Inditex — e Marta Ortega agarra as funções de Pablo Isla. Mas isto não acontece por acaso. A gestora foi preparada do ponto de vista académico e de experiência profissional, fazendo a sua carreira sempre no grupo Inditex (o que não é considerada a melhor prática) e, ao mesmo tempo, desenvolveu as suas capacidades técnicas enquanto gestora em várias universidades internacionais. Fez uma série de cursos e preparou-se muito bem para o lugar de CEO”, descreve João Rodrigues Pena.
Mas porque é que nem todas as empresas familiares conseguem fazer esta preparação de sucessão? Em primeiro lugar, por tratar-se de um processo “longo, delicado, trabalhoso, exigente e que não pode envolver emoções”.
A paixão do fundador tem de manter-se sempre de sucessor em sucessor, seja ele profissional ou não.
Contudo, defende João Rodrigues Pena, há uma segunda razão: “Algumas vezes acontece que o presidente e CEO já tem o olho posto no seu filho para ser o sucessor. Ou seja, está a fazer um jogo — nada positivo para os interesses da empresa e dos acionistas –, no sentido que será o seu filho e não os sobrinhos, por exemplo, a assumir, mas apenas por uma questão de orgulho de pai“, explica o especialista em aconselhamento a empresas com raiz familiar, acrescentando que este é, talvez, o grande desafio em temas de sucessão.
Procedimentos a adotar
Para garantir um bom processo de sucessão, planeado e preparado antecipadamente, João Rodrigues Pena diz que é preciso, em primeiro lugar, criar uma cultura de convívio na família, no sentido de “garantir que a visão que se vai construir sobre os diferentes possíveis sucessores da geração vindoura é uma visão isenta e objetiva”, dando como exemplo o caso da família Mello.
No Monte da Ravasqueira, uma espécie de retiro para a família, juntam-se, com alguma regularidade, os mais de 40 netos de José Manuel de Mello, o fundador. “Isso garante a unidade dos filhos, primos, sobrinhos… Mas também a objetividade e um espírito extremamente saudável de legado”, justifica.
Esta cultura combate diretamente a questão do “orgulho de pai” que o fundador da Arboris elenca como o fator mais desafiante. É preciso “olhar para um sobrinho como um filho” e que isso seja algo”natural”.
Uma vez construída essa visão isenta e objetiva, João Rodrigues Pena diz que começam a existir conversas no seio do núcleo acionista sobre as características dos possíveis sucessores. Características que não dizem respeito apenas a requisitos académicos, mas também a aspetos de liderança, de sensibilidade emocional e, sobretudo, “o apetite pela função, o amor pelo grupo”. “A paixão do fundador tem de manter-se sempre de sucessor em sucessor, seja ele profissional ou não”, afirma.
Idealmente, um bom sucessor terá um “excelente curso universitário”, “experiências de grande relevo a nível internacional” e “funções que acrescentam valor àquilo que será a sua função enquanto CEO”, enumera. Ao contrário de Marta Ortega, é desejável que, no currículo, constem experiências profissionais noutras empresas, especialmente lá fora. “E aos 30/35 anos voltar para trabalhar na empresa da família. A prova de fogo será um cargo de diretor, administrador… É importante perceber como se comporta, como é visto pelas pessoas chave da empresa…”
[Às vezes] é preciso ir buscar alguém de fora para tomar conta do negócio, mas são fases transitórias porque o ideal é ser estar sempre ao leme alguém da família e com uma posição acionista muito importante
Finalmente, a última etapa, é a da transição, que, defende João Rodrigues Pena, deve ser feita com o CEO a passar a presidente não executivo e de uma forma progressiva.
E a liderança de fora?
Ainda assim, em alguns casos, no momento da sucessão, não há possíveis sucessores na família. “Algumas empresas passam por esta fase, em que não têm um sucessor de família (ou porque não tem idade ou porque não é um bom candidato, logo à partida) para tomar conta do negócio. Aí é preciso ir buscar alguém de fora para tomar conta do negócio, mas são fases transitórias porque o ideal é ser estar sempre ao leme alguém da família e com uma posição acionista muito importante.”
Foi o que aconteceu no grupo Inditex. “A partir de um certo ponto o império necessita outro tipo de skills para se consolidar e para continuar a crescer. Foi aí que veio o Pablo Isla, porque Amancio Ortega não tinha filhos ainda com idade suficiente, nem com formação suficiente, para sucedê-lo diretamente”, explica.
Recordando também um caso em Portugal, mais antigo, o managing partner e fundador da Arboris diz que, há situações, em que uma liderança externa serve até para “pôr ordem na casa”. Foi o caso da Jerónimo Martins. Alexandre Soares dos Santos deixou a presidência executiva do grupo dono do Pingo Doce em 2004 e Luís Palha da Silva, que era CFO do retalhista, foi escolhido para assegurar a transição, num momento complicado no grupo, depois da saída do Brasil. Até que, em abril de 2010, o Pedro Soares dos Santos assumiu o cargo de administrador-delegado e, em 2013, assume como CEO, cargo onde se mantém desde então.
O ideal é, evidentemente, que haja uma dinastia, um percurso ininterrupto de geração para geração. Muitas vezes não há condições para ter essa dinastia, então é preciso dar um salto numa geração.
Entre os casos de maior sucesso, João Rodrigues Pena aponta a Bial, cuja liderança foi entregue a António Portela, em janeiro de 2011, marcando a chegada da quarta geração da família à frente do grupo farmacêutico, fundado em 1924 pelo seu bisavó Álvaro Portela. “Estar a conversar com o pai e depois com o filho é fantástico. O pai preparou muito bem o filho, ou então teve muita sorte”.
A par da Bial distingue o caso do grupo Nabeiro – Delta Cafés, que teve outras particularidades. ” Primeiro, com a passagem para o seu filho, falhou. Mas rapidamente o comendador Nabeiro viu que tinha de ir à geração abaixo, ao seu neto, filho da sua filha. Formou-o nesse sentido e o Rui Miguel está a fazer um trabalho extraordinário.”
Não há uma receita para o sucesso. Na gestão de empresas familiares, cada empresa, cada família, é um caso. “Se há palavra que se aplica aqui é customização. Enquanto o caso do grupo Nabeiro não passou por uma gestão profissionalizada pelo meio, no caso da Mota-Engil passou por três. O ideal é, evidentemente, que haja uma dinastia, um percurso ininterrupto de geração para geração. Muitas vezes não há condições para ter essa dinastia, então é preciso dar um salto numa geração, e pode dar-se esse salto diretamente ou indiretamente.”
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