Caso Pinho. Lei não permite aplicar caução em alternativa à prisão domiciliária
Carlos Alexandre decidiu pela prisão domiciliária ou, em alternativa, a caução de seis milhões de euros. Mas dizem os especialistas contactados pelo ECO que a lei não permite essa opção.
Carlos Alexandre aplicou uma caução de seis milhões a Manuel Pinho e prisão domiciliária com pulseira eletrónica, no âmbito do processo EDP. O ex-ministro fica assim como o arguido com a mais alta caução aplicada pela justiça portuguesa, submetido a vigilância policial até à aplicação da pulseira eletrónica.
Dizia o comunicado do CSM — no dia em que a medida de coação foi conhecida — que Manuel Pinho fica com “obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (em Portugal) ou caução de 6 milhões em alternativa”. Mais ainda proibição de contactos com os outros arguidos do processo com exceção da mulher e proibição de se ausentar do país.
Mas a prisão domiciliária só será aplicada se o arguido não pagar a caução. Apesar do advogado Ricardo Sá Fernandes já ter admitido que o seu cliente não tem disponibilidade para pagar esse valor, será que o nosso Código de Processo Penal prevê que estas duas medidas de coação sejam aplicadas, seja de forma cumulativa ou alternativa? Os especialistas contactados pela Advocatus dizem que não. E a lei?
O que diz o Código de Processo Penal e a Constituição
- O artigo 205.º do Código de Processo Penal (CPP) diz que “a aplicação de qualquer medida de coação, à exceção da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, pode sempre ser cumulada com a obrigação de prestar caução”.
- O nº 2º do artigo 28º da Constituição da República Portuguesa (CRP) prevê que “a prisão preventiva ou domiciliária tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.”
- Quanto à possibilidade de substituir a medida de coação de obrigação de permanência na habitação por prestação de caução, diz o nº 2 do artigo 197º do CPP que “se o arguido estiver impossibilitado de prestar caução ou tiver graves dificuldades ou inconvenientes em prestá-la, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento, substituí-la por qualquer ou quaisquer outras medidas de coação, à exceção da prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação”.
- A lei processual penal destaca o princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade, nomeadamente º nº 2 do artigo 193º do CPP: “a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.”
O que dizem os especialistas sobre esta medida de coação?
O advogado Manuel Magalhães e Silva defende que se “a obrigação de permanência na habitação cessa quando prestada caução, então a caução – La Palisse diria coisas deste género – é medida adequada e suficiente para prevenir o risco de fuga. Ora a lei, quando o arguido não presta a caução que lhe foi arbitrada, prescreve o arresto de bens; e se o arguido não consegue prestar caução, o regime legal é o da substituição da caução por outras medidas, mas não por domiciliária ou prisão preventiva”, diz o advogado. “Condicionar a cessação da Obrigação de Permanência na Habitação à prestação de caução é aplicar a medida de privação da liberdade, seja até à prestação de caução, seja na sua impossibilidade ou mesmo recusa, contra a disposição expressa da lei, que não permite a substituição de caução por OPH ou por prisão preventiva”.
O advogado Paulo Saragoça da Matta sublinha que “o nosso CPP assenta numa estrutura de princípios que nunca admitiria a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação por impossibilidade económica de o arguido prestar uma caução carcerária: seria algo equivalente, na substância, à prisão por dívidas, erradicada do sistema jurídico português desde antanho, exceção feita à violação dolosa da obrigação de alimentos”.
“Porém, qualquer jurista minimamente imaginativo compreende que o mesmo fim pode ser atingido, em fraude à lei obviamente, com uma fundamentação criativa: aplica-se a prisão preventiva ou a domiciliária por se considerar ser aquela medida que, nos termos do CPP, melhor acautela os fins da investigação (perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito ou da aquisição e conservação da prova, alarme social); porém, num ato de generosa clemência judiciária, o JIC “até aceita” que seja o arguido deixado em liberdade se for entregue uma caução carcerária, posto que apesar de oficialmente “não ficarem tão fortemente garantidos todos ditos fins da investigação”, ainda assim será uma “situação mais favorável ao arguido”.
Ou seja, sublinha o mesmo advogado, “com esta fundamentação criativa, não só se obtém o efeito proibido (prisão se não houver entrega de um valor de caução), como ainda se dá a ideia, urbi et orbi, de que a decisão é favorável ao arguido e de que no processo penal português se asseguram todas as garantias de defesa, ao ponto de se dar maior relevo aos direitos do arguido do que aos fins da investigação. Até o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – como sabemos que analisa os casos só com base na law in books – aceitaria esta construção, pelo que por maioria de razão a aceitarão os Tribunais Nacionais superiores e, até, a coletividade e os formadores da opinião pública. É um modo falacioso, mas inteligente, de defraudar o sistema e a estrutura de princípios que enforma todo o CPP e que deriva da Constituição Criminal da República. Não é, porém, um modo inteligente ao ponto de os verdadeiros fundamentos e propósitos não serem facilmente identificáveis por quem minimamente conheça o foro e não seja estulto de todo”, Concluiu Paulo Saragoça da Matta.
Dantas Rodrigues considera que “os fundamentos de aplicação e os elementos determinantes de aplicação de uma medida de coação privativa de liberdade ou de garantia patrimonial são diferentes, não se poderá dizer, sem mais, que possam ser aplicadas em alternativa”. O advogado diz ainda que a nossa lei processual, no artigo 197º nº 2 do CPP, não permite a substituição da prestação de caução por prisão preventiva ou permanência na habitação.
“Pelo que, deste prisma poder-se-á reconsiderar a substituição de uma medida de coação privativa de liberdade por uma garantia patrimonial, caso estejam preenchidos os pressupostos, não se figurando neste caso como uma medida de coação alternativa”, concluiu o advogado.
Sérgio Figueiredo, associado sénior da PRA e coordenador da área de penal da JALP, diz que, a título de exemplo, “que até a quebra da caução não determina, por si só, o agravamento da medida de coação. Para que isso aconteça, será sempre necessário que se mostrem também verificados os pressupostos de aplicação de medidas de coação privativas da liberdade. Por essa razão, não se consegue concordar com a eventual alternatividade entre a prestação de caução e a privação da liberdade, ou seja, ou se faz o pagamento da caução ou a medida a aplicar será a da permanência na habitação ou a prisão preventiva“.
E sublinha ainda que “só no caso de se verificar fundamentadamente que a aplicação de medidas de coação menos gravosas, como a caução, não consegue salvaguardar as exigências cautelares que o processo requer é que será legítimo ponderar e aplicar outra medida de coação mais restritiva da liberdade do arguido. Ou seja, se a caução é suficiente para acautelar essas exigências, não se encontra razão para condicionar a eventual aplicação da prisão preventiva ao cumprimento do pagamento da caução. Creio que até para a comunidade transmite uma ideia errada de que a restrição dos direitos e liberdades dos arguidos está associada ao seu património”.
O ECO/Advocatus tentou obter uma explicação por parte de Carlos Alexandre, mas não obteve resposta. Nem tão pouco do CSM ou do juiz presidente da comarca de Lisboa.
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