Porque é que a bitcoin deve pagar IRS

Há quatro grandes razões pelas quais os ganhos gerados com criptomoedas devem entrar na esfera do IRS. E, na verdade, o mercado até tem a ganhar com isso. Explico porquê.

Só conheço uma palavra que atormenta mais os fãs de criptomoedas que “regulação” – é “impostos”. Tudo o que aparenta ser parte “do sistema” é prontamente descartado, como se tivesse lepra. Porém, aqui estamos. O alargamento do IRS às mais-valias de cripto entrou na agenda política. E há fortes motivos para acreditar que será discutido na próxima legislatura.

Existem várias teorias, e algumas de conspiração, sobre porque é que Portugal ainda é um dos poucos paraísos fiscais para os especuladores das criptomoedas. Até há quem diga que é uma medida deliberada para atrair capital estrangeiro. Durante alguns anos, também eu me questionei do mesmo. De que estariam as Finanças à espera?

A resposta veio a provar-se mais simples do que parece. A Autoridade Tributária não cobra IRS sobre as mais-valias de cripto porque não pode. Foi o que o ECO noticiou em primeira mão na segunda-feira: as Finanças entendem que as atuais regras do IRS são fechadas e não preveem, por razões óbvias, os rendimentos da venda de moedas como a bitcoin.

Ou seja, Portugal não cobra impostos sobre as criptomoedas porque o Parlamento nunca legislou nesse sentido. Ora, na mesma notícia, o ECO avançou que o Governo tem expectativa de que o assunto possa ser discutido na Assembleia durante a próxima legislatura. Um dia depois, o Bloco de Esquerda incluiu essa mesma proposta no seu programa eleitoral para as eleições de janeiro, ainda a tinta não tinha secado.

Naturalmente que a proposta do Bloco mereceu mais atenção do que a notícia original, e não deixa de ser curiosa a coincidência do sucedido. As reações foram múltiplas, mas as mais visíveis foram as de quem se manifestou contra – na sua maioria, adeptos fervorosos dos criptoativos.

Não tenho nenhum preconceito para com as criptomoedas. Quem lê o ECO sabe que há muito que acompanho o assunto e que me fascino pela tecnologia. É por isso que considero que a proposta do Bloco e a expectativa do Governo fazem todo o sentido. Aliás, até acho que o mercado tem muito a ganhar com isso.

Para mim, são quatro as grandes razões pelas quais penso que as mais-valias de criptomoedas deviam mesmo estar sujeitas a IRS:

1. Portugal não seria o primeiro a fazê-lo. As mais-valias da venda de criptomoedas são sujeitas a imposto em países como Espanha e França. Uma breve pesquisa no Google ajuda a perceber essa tendência: há bem mais artigos sobre países que não taxam cripto, do que sobre os países que o fazem. Portugal aparece em quase todos eles, pois claro.

2. Não há justificação para que as criptomoedas não paguem IRS. Um investidor que venda ações é obrigado a entregar 28% das mais-valias ao Estado (ou outra percentagem, se optar pelo englobamento). Não faz sentido estar isento se, em vez de uma ação, estiver a vender uma bitcoin.

3. Um imposto acabaria com a incerteza fiscal nas criptomoedas. Lá que o Fisco não possa taxar criptomoedas não significa que fique de mãos a abanar. Um português que decida vender as suas criptomoedas numa corretora e tenha acumulado grandes mais-valias, muito provavelmente será chamado ao balcão das Finanças se lhe aparecerem cinco milhões de euros na conta. Aliás, há uns meses, uma reputada sociedade de advogados recomendou que se mantenha sempre o registo das transações. É irrealista pensar que todos os que aplicam poupanças na compra de criptomoedas vão conseguir comprar um Lamborghini. Mas o receio de problemas com o Fisco é recorrente em alguns fóruns na internet.

4. Passaria a ser possível deduzir os prejuízos. As criptomoedas não são um mar de rosas e há quem perca muito dinheiro a tentar a sua sorte. Ora, sujeitar as mais-valias das criptomoedas a IRS só faz sentido se for acompanhada do inverso, como acontece nas ações. Assim, ao contrário do que muitos pensam, alargar o IRS às criptomoedas até poderia ser vantajoso para muitos portugueses, permitindo-lhes deduzir as perdas e pagar menos IRS no fim do ano.

Dito isto, é fácil entregarmo-nos ao discurso demagógico de que os impostos cobrados pelo Estado são “uma roubalheira”. Na verdade, é discutível se pagamos impostos muito elevados, se a economia ficaria melhor com impostos mais baixos às empresas, ou se é justo que os rendimentos de capital paguem menos impostos do que os rendimentos do trabalho. Mas esse é todo um outro plano de discussão.

Respondo da mesma forma ao argumento de que os investidores nunca irão declarar os rendimentos das criptomoedas porque as Finanças dificilmente os vão descobrir. Essa também é uma discussão mais abrangente, porque o mesmo se pode dizer de um investidor mais tradicional. Pode não declarar a venda ou os dividendos das ações? Poder, pode. Mas é fuga ao Fisco, independentemente de vir ou não a sofrer consequências.

O terceiro e último argumento que oiço muitas vezes é o de que a bitcoin é uma moeda, logo, “vender” significa trocar uma moeda (bitcoin) por outra (euros). É um argumento falacioso. Primeiro, porque a bitcoin, geralmente, não tem curso legal. Segundo, porque muitos daqueles que especulam com criptomoedas como a bitcoin não o fazem por gostar muito de ter bitcoin – fazem-no para ganhar mais euros. Conclusão: hoje, as criptomoedas aproximam-se mais de ativos financeiros do que de verdadeiras divisas.

Se tem dúvidas, compre um punhado de bitcoin (pode adquirir minúsculas frações na maioria das corretoras) e tente viver uma semana só à conta de criptomoedas. Vá ao supermercado, à padaria ou às bombas e peça para pagar em bitcoin. É um bom exercício para quem precisa de um choque de realidade.

Os mais fervorosos entusiastas apontarão para El Salvador, que adotou a bitcoin como divisa oficial. Mas saberão o resultado? O povo saiu à rua.

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