Tribunal alemão considera “acidente de trabalho” queda do quarto para o escritório em casa. E em Portugal?

Um homem na Alemanha, que escorregou ao deslocar-se entre divisões em casa, será compensado pelo seguro de acidente de trabalho. A Pessoas foi saber o que aconteceria se tal acontecesse em Portugal.

Na Alemanha, um homem que se magoou nas costas enquanto caminhava alguns metros da sua cama para outra divisão da casa, o escritório, vai ser compensado pelo seguro de acidentes de trabalho, uma vez que, tecnicamente, o profissional estava a deslocar-se para o seu posto de trabalho, o que foi considerado, pelo tribunal, uma viagem até ao trabalho. E em Portugal, isto seria possível? Depende da morada do trabalhador comunicada ao seguro. A partir de 1 de janeiro de 2022, com a entrada em vigor das alterações ao regime do teletrabalho, o seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais aplicam-se às situações de teletrabalho.

“Uma decisão como a do tribunal superior alemão seria possível em Portugal, atendendo que o trabalhador tinha como local de trabalho a sua residência comunicada à seguradora, caso contrário não poderia ser enquadrado como acidente de trabalho. Portanto, no caso de um trabalhador estar em regime de teletrabalho, o trajeto até ao seu local de trabalho (escritório de casa), tendo ocorrido um evento como uma queda, poderá ser considerado como acidente de trabalho, à luz da lei portuguesa”, explica Pedro Antunes, sócio do departamento laboral da CCA, lembrando que é essencial que o empregador comunique a morada dos seus trabalhadores, caso se encontrem em teletrabalho ou a trabalhar à distância.

Na Alemanha, com o seguro a recusar-se a encarregar-se dos gastos do acidente, o tribunal social federal superior teve de intervir. Justificou a sua decisão com o facto de se tratar da “primeira viagem da manhã da cama para o escritório de casa”, o que considerou “uma rota de trabalho segurada”. De acordo com o tribunal, o seguro de acidentes em trabalho só foi concedido por ser a “primeira” viagem para o trabalho, ou seja, se o homem tivesse caído no percurso para a cozinha, para tomar o pequeno-almoço por exemplo, depois de já estar no escritório de casa a trabalhar, já não seria considerado um acidente de trabalho.

“Se a atividade segurada for exercida no domicílio do segurado ou noutro local, a cobertura do seguro é fornecida na mesma medida que quando a atividade é exercida nas instalações da empresa”, afirmou o tribunal alemão, citado pelo The Guardian.

Que desfecho teria uma situação semelhante em Portugal?

Em território nacional, caso acontecesse uma situação semelhante, esta questão — que foi decisiva para o tribunal alemão — de saber se o indivíduo tinha o hábito de tomar o pequeno-almoço antes ou depois de começar a trabalhar, não teria a mesma importância.

“Historicamente, a lei de acidentes de trabalho e a jurisprudência dos nossos tribunais considerada como acidente in itinere (no caminho para o local de trabalho), como o ocorrido entre a residência habitual ou ocasional do sinistrado, desde do momento em que tenha sido transposta a porta de saída da residência, e desde que se desloque para o local de trabalho, segundo o trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador, sendo que a lei até prevê que esse trajeto normal possa ter interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador”, refere, acrescentando que entende-se como “necessidades atendíveis” as “necessidades da vida pessoal e familiar do trabalhador que a nossa lei não exige sequer que sejam urgentes ou de satisfação imprescindível”.

(…) A lei [portuguesa] até prevê que esse trajeto normal [da residência para o local de trabalho] possa ter interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador.

Pedro Antunes

Sócio do departamento laboral da CCA

Podem, portanto, tratar-se de “necessidades fisiológicas, de tomar um café ou um pequeno-almoço no caminho para o trabalho ou de almoçar findo o trabalho e antes de regressar a casa, de comprar medicamentos numa farmácia ou enviar uma carta registada, de levar ou de ir buscar os filhos à escola”, esclarece o advogado português.

À luz da legislação nacional, “o percurso da cama para o escritório de casa, ou por analogia para a cozinha, onde antes o trabalhador até tomaria o pequeno-almoço, poderá ser enquadrado como sendo um acidente de trabalho”.

No entanto, alerta o sócio do departamento laboral da CCA, é essencial que o empregador comunique à seguradora a morada da residência dos seus colaboradores no caso de estarem em teletrabalho ou trabalho à distância, devendo inclusive constar do acordo de teletrabalho a menção expressa a esse local e, no caso de também ficar acordado um horário flexível, tal também deve ser comunicado à seguradora.

“Os seguros mais comuns preveem a comunicação de alteração de local de trabalho, devendo as empresas diligenciar por comunicarem qual o local de trabalho dos trabalhadores remotos. Aliás, a partir do dia 1 de janeiro de 2022, com a entrada em vigor das alterações ao regime do teletrabalho, consta desse regime, expressamente, que o seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais aplicam-se às situações de teletrabalho.”

Até ao momento não são conhecidas muitas decisões dos tribunais superiores portugueses na sequência das seguradoras não terem aceitado os eventos ocorridos em casa, não os enquadrando como tendo sido acidentes de trabalho, mas Pedro Antunes diz que, no futuro, não tem dúvidas que tal ocorrerá, apesar de estar expressamente previsto na lei. “A falta de cuidado na formalização do regime de teletrabalho, através da celebração de acordos escritos com os trabalhadores, poderá provocar casos controversos e dar azo a que as seguradoras neguem a cobertura do seguro“, considera.

A partir do dia 1 de janeiro de 2022, com a entrada em vigor das alterações ao regime do teletrabalho, consta desse regime, expressamente, que o seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais aplicam-se às situações de teletrabalho.

Pedro Antunes

Sócio do departamento laboral da CCA

E, neste cenário previsto pelo advogado, há ainda um outro fator que pode complicar ainda mais o processo de decisão: os modelos híbridos, a opção que tem vindo a ser escolhida por muitas empresas portuguesas.

“Mesmo nos casos em que as empresas celebrem acordos de teletrabalho, a realidade é que grande parte das empresas nossas clientes está a optar por um regime hibrido, ou seja, o colaborador pode optar por ficar um determinado número de dias em casa e outros no escritório, ficando muitas vezes na liberdade do trabalhador escolher os dias em que irão ao escritório. Ora, antevejo que nessas situações em que não esteja claro se naquele dia o local de trabalho era a sua residência ou o escritório, a seguradora pode, desde logo, optar por pôr em causa se determinado evento ocorrido dentro da residência e antes ou depois do horário de trabalho estava coberto pelo seguro ou não“, adianta Pedro Antunes.

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