CSM assume que investigação da Operação Marquês foi feita à margem da lei
Conselho Superior recusou-se a enviar ao ECO o relatório que revela que não foi feito um sorteio eletrónico do processo Marquês. Foi distribuído diretamente a Carlos Alexandre.
Sete anos depois de Sócrates ter sido detido, em direto para as televisões verem, no aeroporto de Lisboa — no âmbito da Operação Marquês –, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) admite que o processo foi parar diretamente às mãos do juiz de instrução, na fase de inquérito, sem passar pelo sorteio eletrónico, como manda a lei, segundo avançou o DN.
Porém, no relatório que o CSM redigiu em novembro, o órgão que fiscaliza a atuação dos juízes fala apenas numa “irregularidade procedimental”. O ECO/Advocatus pediu para consultar esse mesmo relatório, mas a resposta do CSM foi negativa. “Sobre o pedido de acesso ao relatório em questão, informa-se que o mesmo não será disponibilizado. Este foi remetido ao requerente, de acordo com decisão do plenário de dia 9 de novembro de 2021, devidamente anonimizado no que concerne à identidade dos intervenientes”, disse em resposta.
Em abril do ano passado — logo após a decisão instrutória do processo Marquês — o vice-Presidente do CSM, José Lameiras, ordenou a realização de uma “averiguação no sentido de saber se existem, ou não, novos elementos que não sejam do conhecimento do Conselho”, no que toca à distribuição manual feita do processo da Operação Marquês — em 2014, na fase de inquérito — que foi parar às mãos de Carlos Alexandre.
O CSM decidiu agir depois da queixa do juiz de instrução Ivo Rosa — que acabou a pronunciar Sócrates de seis crimes, numa das decisões mais polémicas da história da Justiça portuguesa — em que denunciou que a maioria dos processos que foram parar ao Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) – onde estavam apenas colocados Carlos Alexandre e o próprio Ivo Rosa — foram distribuídos de forma manual, sem sorteio. O que não é conforme à lei, já que obriga a que estes sorteios sejam eletrónicos, para evitar distribuições arbitrárias. Ivo Rosa vai mais além: explica que esta suspeita recai sobre o período temporal de setembro de 2014 e abril de 2015.
Ou seja, na altura em que o processo, vindo do Ministério Público, foi parar às mãos de Carlos Alexandre – a 9 de setembro de 2014 – que ficou o responsável pelo mesmo na fase de inquérito. E que resultou na prisão preventiva do ex-líder do Governo por quase um ano e numa detenção filmada em direto pelas televisões portuguesas, no aeroporto de Lisboa. No total, foram distribuídos 215 processos, 128 de forma manual, segundo as contas do próprio Ivo Rosa, no despacho de instrução.
Segundo Ivo Rosa, entre setembro de 2014 e abril de 2015, Carlos Alexandre terá recebido 26 processos por distribuição eletrónica, 33 por sorteio manual e 56 por atribuição manual. Já para João Bártolo — o juiz que à época estava no Ticão — foram 26 processos por distribuição eletrónica (sorteio), 38 por sorteio manual e 72 por atribuição manual.
O inquérito — cujas conclusões o ECO teve acesso — defende que esta atribuição ao juiz Carlos Alexandre violou o princípio do juiz natural, princípio que garante a imparcialidade e a independência de quem vai apreciar o processo. Mas assumiu que agora já é tarde para agir porque o procedimento disciplinar já caducou. E justifica que não admite que tenha havido “dolo” nem “má intenção” nesta distribuição manual. Questionado pelo ECO/Advocatus, o Conselho Superior da Magistratura informa que já prestou diversos esclarecimentos sobre o tema não fazendo mais comentários.
A atribuição do processo ao juiz Carlos Alexandre foi executada por uma funcionária judicial sem a presença de nenhum dos dois juízes que então integravam o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC). A defesa de Sócrates alega que esta funcionária que fez a distribuição “já vinha a trabalhar com Carlos Alexandre há anos” em outro tribunal e que “não era ela que estava para ser nomeada escrivã do TCIC” em setembro de 2014.
Segundo o advogado de José Sócrates, o CSM recusou durante cinco meses a José Sócrates a entrega das conclusões deste inquérito, tendo sido necessário recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que ordenou que fosse entregue a documentação.
No entender do advogado, a distribuição do processo foi feita por uma funcionária judicial “da absoluta confiança do juiz Carlos Alexandre”.
Pedro Delille lamentou ainda que o órgão máximo de gestão e disciplina da magistratura judicial considere que o sorteio eletrónico dos processos seja obrigatório, mas depois não retire as devidas consequências quando tal não acontece.
O advogado de José Sócrates lembrou que o juiz de instrução Ivo Rosa considerou que havia uma nulidade insanável na forma como o processo foi entregue ao seu colega Carlos Alexandre, mas em vez de tirar consequências, “chutou para canto”.
O advogado do ex-primeiro-ministro admitiu ainda que esta questão possa vir a ser evocada pela defesa no decurso do processo, uma vez que se trata de “uma nulidade absoluta”.
Entretanto, em carta aberta ao CSM divulgada pelo Diário de Notícias, José Sócrates afirmou que “o relatório admite, finalmente, que (…) a distribuição do processo Marquês foi manipulada e falsificada”.
“Não foi feita por sorteio, não foi feita com a presidência de um juiz, não foi feita de modo a garantir igualdade na distribuição de serviço”, realçou o antigo primeiro-ministro, sublinhando que aquilo que aconteceu no dia 09 de setembro de 2014 “foi uma trapaça jurídica com o objetivo de escolher, de forma arbitrária, o juiz do caso”.
“Irregularidade procedimental? Não, senhores conselheiros, o que aconteceu não foi uma irregularidade, mas uma manipulação gravíssima da escolha do juiz por forma a tornar o todo o processo judicial num jogo de cartas marcadas”, escreveu José Sócrates na carta aberta.
José Sócrates tinha sido acusado neste processo pelo Ministério Público, em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal. No entanto, na decisão instrutória, em abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar José Sócrates de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o, para ir a julgamento, por seis crimes apenas.
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