Especialistas alertam para “saturação do sistema de testagem” e recomendam mudanças
A pressão exercida nos laboratórios "não é sustentável", dizem os especialistas, que admitem que a "saturação do sistema de testagem" esteja a levar a que existam casos não notificados.
Com os casos de infeção a dispararem, os laboratórios não têm mãos a medir para a avalanche de marcações de testes à Covid. Os especialistas ouvidos pelo ECO alertam que a situação “não é sustentável” e admitem que a “saturação do sistema de testagem” esteja a levar a que existam casos que não estejam a ser notificados. Além disso, propõem alterações à estratégia de testagem quando o país passar à fase endémica.
Nos últimos dias, Portugal tem batido sucessivos recordes de infeções por Covid-19, ainda que as consequências em termos de pressão sobre o SNS (internamentos em enfermaria, unidades de cuidados intensivos) e letalidade sejam bastante inferiores às registadas em janeiro do ano passado. No entanto, as projeções apontam para que durante os próximos dias os números de infeções continuem a subir.
A Ordem dos Médicos e o Instituto Superior Técnico estimam que o “pico” de infeções desta quinta vaga seja atingido entre esta quinta-feira e na próxima segunda-feira, 24 de janeiro, podendo o número de infeções diárias ultrapassar os 50 mil casos, tal como sucedeu esta quarta-feira.
Além disso, “prevê-se que durante janeiro”, a letalidade não ultrapasse os “cerca de 40 óbitos, mais ou menos cinco, por Covid-19 numa média a 7 dias”, e que os internamentos em enfermaria geral possam atingir, no máximo, os 2.500 “até ao final de janeiro”, dos quais “entre 225 e 240 camas ocupadas nos cuidados intensivos”, resumo Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, em declarações ao ECO.
A positividade dos testes a nível nacional, neste momento, subiu de forma drástica nas últimas duas semanas de 3,16% para mais de 16%. Isto significa que este valor é extremamente alto, indica que a redução do Rt que se assiste se deve de facto a uma coisa muito simples que se chama saturação do sistema de testagem. Ou seja, nós também não temos capacidade para testar mais e já estamos a testar como nunca testámos na vida”.
Perante a “avalanche” de casos, o bastonário alerta que Portugal poderá estar a enfrentar uma “saturação do sistema de testagem”, dado que “não há capacidade para testar mais” e que esta saturação esteja a levar que o número real de infeções possa ser superior. Há “muita gente que acaba por não ter sintomas, mas teve um contacto de risco, ou que têm sintomas ligeiros, mas que não têm oportunidade para fazer rapidamente um teste e, por isso, já não estão a fazer testes”, avisa.
Segundo Miguel Guimarães, um dos indicadores que pode ajudar a explicar que Portugal está no limite de testagem é a taxa de positividade, que nas últimas duas semanas “subiu de forma drástica”, passando de “3,16% para mais de 16%”. Estes valores estão, portanto, bem acima do limite definido como crítico de 4% pelo ECDC. Certo é que nunca se testou tanto como atualmente. De acordo com o último balanço do INSA, Portugal já fez mais de 30 milhões de testes à Covid desde o início da pandemia, quais 3,3 milhões só este ano.
“Portugal tem tido uma resposta laboratorial muito interessante à custa da oferta privada, que não é sustentável no tempo e que tem estado no seu limite máximo de capacidade”, sinaliza Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), ao ECO, acrescentado que este “é um esforço que se calhar deixa de começar a fazer sentido em breve”.
É o caso da Unilabs que, durante os primeiros dias de janeiro, fez “uma média de 14.000 testes PCR por dia e uma média de 10.000 testes antigénio por dia”, sendo que a sua capacidade “ronda os 15.500 testes por dia, com o laboratório a funcionar 24 horas por dia”, revelou fonte oficial do laboratório ao ECO. Assim, e por forma a aumentar a capacidade de realização de testes, a partir desta semana a Unilabs conta com um “novo equipamento” que irá permitir realizar “mais 4000 testes PCR por dia, passando para 20.000 testes de PCR por dia, se necessário”.
Nesse sentido, os dois especialistas consideram que este “esforço” de testagem massiva poderá “deixar de fazer sentido em breve”, sugerindo uma alteração à estratégia de testagem quando o país passar à fase endémica. “A partir do momento em que a situação esteja a acalmar, obviamente que aí acho que se deve proceder a uma mudança e os testes devem passar a ser feitos de forma diferente e vão deixar de ser feitos da forma massiva que estão a ser feitos”, elenca Miguel Guimarães, notando que alguns países estão já a “deixar de fazer PCR” de forma massiva e a passarem a utilizar os testes rápidos de antigénio.
“Portugal tem tido uma resposta laboratorial muito interessante à custa da oferta privada, que não é sustentável no tempo e que tem estado no seu limite máximo de capacidade. E é um esforço que se calhar deixa de começar a fazer sentido em breve e temos de perceber o que se vai fazer”.
A Alemanha, por exemplo, está a ponderar fazer apenas testes PCR a pessoas sintomáticas e aos grupos vulneráveis. Assim, o bastonário da Ordem dos Médicos defende que quando o país passe à fase de endemia os testes PCR devem passar a ser feitos “em circunstâncias especiais”, nomeadamente a pessoas imunodeprimidas, “em doentes que tenham situações de fragilidade por situações de morbilidade associadas” ou a “pedido próprio do doente”. Para os restantes, deve apenas ser feito testes rápidos de antigénio, aponta.
Por outro lado, o presidente da ANMSP sinaliza que a alteração das normas da DGS, que dão agora mais liberdade aos doentes para fazerem a sua auto-gestão da doença está “a preparar-nos para aquilo que é o próximo passo na luta contra a Covid, que é integrá-la nas nossas doenças habituais e cada um de nós ir fazendo a sua gestão da doença conforme vão aparecendo sintomas ou não“. Nesse sentido, Gustavo Tato Santos defende que quando se passar à fase endémica os testes sejam feitos “apenas em situações mais pontuais”, deixando de ser necessário “um teste negativo para isto ou para aquilo” ou para “para poder estar à vontade com a sua doença”.
Quando a uma previsão de quando Portugal poderá passar a uma fase endémica, as projeções divergem. Para o bastonário da Ordem dos Médicos, “em fevereiro os casos, em princípio, vão começando a diminuir” e a partir daí as temperaturas começam a subir um pouco, pelo que “lá para março” “tudo isto vai ajudar que a doença fique, de facto, endémica”. Mais cauteloso é o presidente da ANMSP que assinala que “é difícil fazer previsões”, mas admite que possa acontecer “depois do verão”.
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