Não, não somos padeiros
Defender uma modernização da profissão e da Ordem face às tendências do mercado jurídico e à evolução da sociedade civil, sim! Como padeiros, não!
Este ano será importante para os advogados porque temos eleições para a Ordem dos Advogados e para a CPAS. E com estas eleições surgem as discussões sobre a multidisciplinaridade, o acesso à profissão, o papel da Ordem e o futuro da CPAS.
Vou constatando que muitos colegas atraídos por cantos de sereia, sejam de grandes empresas de consultoria, de fações da sociedade que nunca gostaram do estatuto social dos advogados ou simplesmente por modas, querem que tornemo-nos em algo diferente daquilo que somos e é o nosso ADN. Isto é, uma profissão liberal, exercida com autonomia técnica que visa defender os direitos das pessoas e das empresas, que luta pela boa aplicação das leis, contribuindo ativamente para regular as relações jurídicas, dirimindo disputas e com um papel importante para a paz social.
Nada contra quem deseje outra forma de trabalhar. Impecável. Não podem é ser confundidos com advogados.
Há dias assistia a uma discussão em que se afirmava que a profissão de advogado era igual a qualquer outra, e que o seu único objetivo era o lucro, as sociedades eram empresas e geriam o seu negócio como qualquer outra empresa seguindo lógicas comerciais. Ora, quanto a mim, nada mais falso!
Quantas vezes o advogado ganharia mais se o caso que está a tratar fosse parar aos tribunais tornando-se num processo judicial longo e complexo, mas o que faz é tentar evitar essa via e encontrar uma solução mais conveniente para o seu constituinte.
Quantas vezes o advogado coloca “água na fervura” de quem o procura explicando as desvantagens de um litígio, mesmo que extrajudicial e que a pessoa em questão tente lidar com o tema de outra forma sem a necessidade dos seus serviços jurídicos.
Quantas vezes os clientes pedem para avançarmos judicialmente e tentamos explicar a pouca probabilidade de sucesso devido à falta de provas, e que o melhor será não o fazer e evitar todos os custos judiciais e honorários (os nossos) que isso implicaria.
Quantas vezes os advogados dão, sem cobrar, os seus conselhos jurídicos em pequenas questões do dia a dia, quando interpelados por conhecidos.
Mas quantas outras profissões desempenham com firmeza esta função ético-social sem se submeter à ditadura da faturação? Sem se guiarem pela concorrência pura de mercado? Sem deixarem de seduzir as pessoas para a compra dos seus produtos independentemente se estas realmente necessitam ou se lhe faz mal?
Por exemplo, um padeiro tem a sua a vitrine repleta, e bem, de pães e bolos deliciosos. Quando entra um cliente diz-lhe que é melhor não levar tantos bolos porque lhe fazem mal? Quando uma criança lhe pede mais um chocolate diz-lhe que não? Quando os pães estão acabadinhos de fazer deixa de colocá-los num local estratégico para o cheiro não seduzir as pessoas que passam na rua? A resposta é não, e é normal que assim seja. A sua função é fazer bons pães e boa pastelaria. O tema do excesso de açúcar é algo que cada um de nós tem de saber controlar.
No entanto nós advogados não nos guiamos pela mesma lógica. Temos outra responsabilidade. A função a isso obriga.
Por isso é que as sociedades multidisciplinares são incompatíveis com a função do advogado, pois os outros sócios nunca iriam aceitar este nosso comportamento. Mas tal objeção não impede equipas multidisciplinares de prestarem serviços aos clientes de forma articulada conforme as necessidades dos temas em questão.
Por isso é que o acesso à ordem tem que ser regulado porque é um direito dos cidadãos terem advogados cada vez melhores e mais capazes.
Por isso é que é tão relevante a sustentabilidade da CPAS. Certo que urge melhorá-la, aperfeiçoá-la, mas nunca para enfraquecê-la.
Defender uma modernização da profissão e da Ordem face às tendências do mercado jurídico e à evolução da sociedade civil, sim! Como padeiros, não! Seja em 2022.
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