Dúvidas no pagamento das despesas do teletrabalho fazem empresas avançarem com ‘plafond’ definido

Maioria ainda não recebeu pedidos dos colaboradores para pagamento das despesas de teletrabalho, e nenhuma delas recebeu o contacto de outras empresas ou do Estado para alinhar despesas.

Os colaboradores podem ser reembolsados pelas despesas adicionais incorridas com o teletrabalho, mas depois de várias semanas de teletrabalho obrigatório, a maioria das empresas não recebeu pedidos dos trabalhadores, nem foram contactadas por outras empresas ou pelo Estado para a alinhar despesas. As dúvidas em torno da execução desta medida levaram as empresas a atribuírem um plafond predefinido aos colaboradores.

“Para ultrapassar as dificuldades relacionadas com o cálculo das despesas mensais, introduzidas pelo novo regime legal que entrou em vigor no dia 1 de janeiro deste ano, decidimos a atribuição de um valor fixo, na medida em que é difícil destrinçar, com exatidão, o que são despesas de consumo provocadas pela atividade profissional”, diz Manuela Pinto, diretora de pessoas e organização da Repsol Portugal, à Pessoas.

A par da atribuição de um valor fixo, e também da disponibilização de todos os equipamentos e ferramentas necessárias ao desenvolvimento remoto de cada função, a empresa vai oferecer aos colaboradores “um crédito para que possam adquirir outros equipamentos que considerem importantes para a sua comodidade”.

Em vigor desde o início do ano, a medida que permite compensar os colaboradores pelas despesas incorridas com energia, água ou internet — e que tem gerado alguma polémica em torno da sua aplicabilidade — ainda não foi posta em prática por nenhuma das organizações privadas contactadas pela Pessoas. A maioria ainda não só não recebeu pedidos dos colaboradores nesse sentido, como nenhuma foi contactada por empresas terceiras ou pelo Estado para ‘dividir’ despesas no caso de colaboradores que partilham a mesma casa. Com uma série de dúvidas quanto à viabilidade desta solução, atribuir um plafond predefinido aos colaboradores já é a solução mais utilizada.

Para ultrapassar as dificuldades relacionadas com o cálculo das despesas mensais, decidimos a atribuição de um valor fixo, na medida em que é difícil destrinçar, com exatidão, o que são despesas de consumo provocadas pela atividade profissional.

Manuela Pinto

Diretora de pessoas e organização da Repsol Portugal

A Nhood decidiu oferecer, durante um dos períodos de confinamento, um apoio de 150 euros aos seus 70 colaboradores. Questionada sobre se este apoio irá manter-se este ano para os profissionais que venham a ingressar na empresa, fonte oficial adianta que este tema “está a ser avaliado”. A companhia está neste momento a analisar se o apoio será novamente atribuído e, se sim, em que moldes.

“Assumindo que a habitação passará a ser um dos possíveis locais de trabalho de cada um dos nossos colaboradores, atribuímos um plafond de 150 euros para uma utilização flexível, para aquisição de material e equipamento que seja necessário para criar e melhorar o espaço de trabalho em casa. A aplicação deste plafond variou entre cadeiras, headsets, iluminação adequada, entre outros, dependendo de cada caso, que é muito diferenciado”, refere Margarida Madeira, diretora de people and culture da Nhood Portugal.

A Fnac também atribuiu um apoio para a aquisição de material de escritório para casa, à escolha do colaborador e até um máximo de 100 euros. O bónus foi oferecido no passado mês de outubro e o objetivo é repeti-lo durante o primeiro semestre deste ano, assegura Joaquim Almeida, diretor de recursos humanos da Fnac Portugal.

Também a Volkswagen Digital Solutions optou pelo apoio financeiro, que já foi até reforçado. “Desde o início da pandemia que temos um plafond mensal suplementar que oferecemos aos nossos colaboradores para investirem nas suas necessidades inerentes ao facto de terem de trabalhar em casa. Neste início de ano, vimos a necessidade de aumentar essa quantia”, conta Rui Martins, head of marketing & communication da Volkswagen Digital Solutions.

“Adicionalmente, e assumindo que o teletrabalho é algo que veio para ficar (não necessariamente todos os dias mas com regularidade), oferecemos um valor suplementar para equipar o home office, tentando garantir ao máximo o conforto e condições ideais para se sentirem bem a trabalhar, algo que à partida garantimos no escritório, mas que nem sempre é tão fácil de garantir em casa”, acrescenta.

A mesma preocupação teve a Ikea, que, desde que começou a permitir aos colaboradores trabalharem remotamente, decidiu um oferecer aos seus funcionários um kit para melhorar o trabalho a partir de casa. Este inclui uma secretária, uma cadeira, iluminação apropriada e os acessórios necessários. Mas não só. Para ajudar nas despesas adicionais, a empresa sueca recorreu também à atribuição de um plafond mensal no valor de 30 euros.

“Para compensar todos os colaboradores em teletrabalho por custos acrescidos, optámos pela criação de um valor fixo mensal, estimado com base na experiência local e também dos nossos colegas em Espanha. Desta forma tornamos o processo mais simples para os colaboradores e com um menor peso administrativo para a organização. Assim, desde janeiro deste ano, a Ikea Portugal compensa com o valor de 30 euros brutos mensais os colaboradores que estão a trabalhar remotamente”, adianta Cláudio Valente, country people & culture manager da Ikea Portugal.

A Mars, por sua vez, adotou um regime de trabalho, o qual denomina “The Future of Work at Mars”, um modelo híbrido que trabalho que visa “maximizar a produtividade e a eficiência dos nossos associados, ao preservar o que há de melhor na nossa cultura”. No entanto, “não há regras rígidas”, diz fonte oficial da empresa.

“Solicitamos que cada equipa defina a abordagem mais adequada, moldando um ambiente que melhor responda às necessidades do negócio, do associado e da equipa”, esclarece. Caso opte por trabalho híbrido, e agora num novo marco legal devido à nova Lei do Trabalho, “a Mars fornecerá aos seus trabalhadores auxílio financeiro mensal, além dos equipamentos e ferramentas de trabalho disponíveis desde o início da pandemia”.

Contudo, desde que o teletrabalho se tornou obrigatório que a Mars tomou medidas para garantir que os níveis de produtividade e conforto dos seus funcionários fossem mantidos. “Entre as medidas adotadas está um pacote de auxílio financeiro específico para complementar os equipamentos e as ferramentas de trabalho fornecidos pela empresa quase desde o início da pandemia”, recorda a mesma fonte.

Um tema ainda “em análise”

Apesar de não recorrer exatamente a este formato de plafond, a Altice Portugal assegura a disponibilização das ferramentas necessárias para o desempenho das funções em regime remoto, como equipamentos portáteis, serviços com acesso à internet e acesso à VPN corporativa.

A operadora “sempre atribuiu um desconto significativo a todos os colaboradores nos pacotes de telecomunicações e assegura condições competitivas e vantajosas no pacote Meo Energia atribuindo também descontos na eletricidade”, recordar fonte oficial da companhia. No entanto, “o tema das despesas em teletrabalho ainda está em análise”.

Ainda no setor das telecomunicações, a Vodafone avança no mesmo sentido. “Estamos a analisar e aguardamos clarificações que nos permitam apurar a sua fórmula de cálculo”, afirma fonte oficial. No que toca a equipamentos e sistemas informáticos necessários à realização do teletrabalho, esse material é assegurado pela companhia, bem como o acesso ilimitado e gratuito à internet.

Colaboradores não avançam com pedido de reembolso

Quanto ao registo de pedidos por parte dos colaboradores para o reembolso das despesas relacionadas com o acréscimo dos custos de energia e da internet, a mesma resposta foi dada pelas empresas contactadas pela Pessoas, e que responderam a esta pergunta.

“Até ao momento, não tivemos nenhum contacto”, revela Rita Xavier, head of people da Mercer e Marsh McLennan Portugal. “Estamos a trabalhar diretamente com a nossa equipa de advogados para conciliar as expectativas das nossas pessoas com o alinhamento de todos os requisitos legais”, diz a gestora de pessoas.

“É crucial saber ouvir para podermos construir uma política robusta sustentada em informação rigorosa. Não é um processo fácil e por isso preferimos demorar mais tempo, mas com o contributo de todas as partes”, acrescenta.

Estamos a trabalhar diretamente com a nossa equipa de advogados para conciliar as expectativas das nossas pessoas com o alinhamento de todos os requisitos legais.

Rita Xavier

Head of people da Mercer e Marsh McLennan Portugal

A Jerónimo Martins, embora também não tenha registado nenhum pedido neste sentido por parte dos seus funcionários, assume estar preparada para isso. “Já temos instituídos canais e processos para pagamento de ajudas de custo, uma vez que o pagamento destas rubricas no domínio da relação laboral não é uma novidade do teletrabalho”, assegura fonte oficial do grupo.

“O pagamento destas despesas é feito em função da demonstração, por parte do teletrabalhador, de um incremento de custos, quando comparado com o período anterior ao início do teletrabalho”, esclarece a mesma fonte. O universo de colaboradores do Grupo Jerónimo Martins em teletrabalho em Portugal é de apenas cerca de 3% da força de trabalho, “pelo que esta prática é muito pouco representativa num grupo cuja atividade principal é a distribuição alimentar”.

Sem contactos por parte de outras empresas ou do Estado

Uma das dúvidas levantadas quanto à aplicabilidade desta solução proposta pelo Estado tem a ver com o procedimento que deveria ser seguido no caso de agregados familiares com mais do que um colaborador em teletrabalho, mas de empresas distintas.

A própria Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) assumiu que “a letra da lei não dá uma solução imediata a esta questão”, e recomenda que “a análise terá de ser feita casuisticamente, tendo em conta o princípio da não duplicação da compensação destas despesas (corolário do princípio da proibição do enriquecimento sem causa)”.

Dividir a compensação não é, contudo, fácil. Diz a DGAEP que, para efeitos da repartição das despesas adicionais pela eventual pluralidade de empregadores envolvidos, “deverá atender-se ao período normal de trabalho diário de cada teletrabalhador, às necessidades de utilização da rede que o teletrabalho de cada um em concreto exige (capacidade, velocidade, etc.), entre outros fatores que só em concreto são possíveis de concretizar”.

Continua, todavia a não ser claro como é que se irá confirmar os horários de trabalho de cada pessoa, que podem ser variáveis ou podem ser sobrepostos, ou como se irá aferir quem usou ou precisa de usar mais ou menos internet. Para tentar evitar o caos jurídico, a DGAEP recomenda que “nestes casos, por uma razão de certeza e segurança jurídica, é aconselhável que seja pré-estabelecido um acordo de pagamento entre os vários empregadores e os respetivos trabalhadores”. Mas não explica qual é o procedimento para esse contacto entre as empresas e, por exemplo, de quem deverá partir a iniciativa para este acordo.

Entre as empresas ouvidas pela Pessoas, a resposta é clara. Questionadas se já foram contactadas por outras entidades empregadoras ou pelo Estado para alinhar despesas, a resposta é “não”.

 

(Notícia atualizada às 16h03 com declarações da Ikea Portugal)

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